Gesto digno de nota

O Exército vai participar do combate e controle da dengue no Ceará. A decisão decorre de uma audiência pública do secretário estadual de Saúde, João Ananias, com o ministro da Defesa Waldir Pires, na qual estiveram presentes o senador Inácio Arruda e o de

A notícia merece um registro particular, tanto pelos seus aspectos práticos, como por seu valor simbólico. No primeiro caso, pelo fato de significar uma contribuição inestimável para o controle de uma moléstia cuja propagação pode adquirir caráter epidêmico, se não tiver pela frente um combate sistemático. Este é sempre muito trabalhoso por ser a doença propagada por um mosquito – o Aedes aegypti – que se reproduz com grande facilidade em água empossada. Enfrentá-lo exige uma ação muito eficiente e capilarizada dos agentes de saúde, cujo contingente, por si só, é insuficiente para fazê-lo de forma eficaz. É preciso uma ajuda adicional, não só dos cidadãos, individualmente (desde que motivados por um processo educativo), como dos demais setores organizados da sociedade: escolas, igrejas, entidades da sociedade civil, dentre outras.


 


O Exército, por sua natureza organizacional e disciplinar tem condições ideais para oferecer um apoio importantíssimo, tanto do ponto de vista de efetivos para o trabalho corpo-a-corpo, como no concernente à logística.


 


No País, como um todo, a dengue tem se apresentado sob duas formas principais: clássica e hemorrágica. A clássica é a forma mais benigna, enquanto a hemorrágica pode ser fatal. Até agora já são conhecidos quatro tipos de dengue clássica. Durante um certo tempo o Ceará conheceu apenas os tipos 1 e 2, sobretudo Fortaleza que conheceu grandes epidemias, como as de 1994 e 2001. Hoje, o tipo 3 também é encontrado no Estado. As pessoas imaginam que tendo sido infectadas uma vez, ficam livres de nova infecção. É engano: a imunidade alcança apenas o tipo de vírus que a afetou. Por conta disso, há registros freqüentes de pessoas contaminadas mais de uma vez. Cada nova onda torna o organismo mais debilitado.


 


Não se deve concluir com isso que o tipo 3 já condena o paciente à dengue hemorrágica. Na verdade, esta não segue necessariamente a ordem sucessiva dos vírus de dengue. No entanto, a partir do prisma da vulnerabilidade causada na população pelas ondas sucessivas de infecção, nunca é exagero temer pelo pior. Por isso, é muito bem vinda a participação do Exército nesse combate.
A presença militar, nesse contexto, tem um valor simbólico iniludível, tendo em vista que, apesar de ser um convite do governo, foi formulado a partir da iniciativa do secretário estadual de Saúde, que é oriundo do PCdoB, tendo ao lado dois colegas de partido – um senador e um deputado federal.


 


Isso é uma demonstração do quanto se avançou politicamente no País, visto que o trato entre instituições não levam mais o travo do veto ideológico, tanto por um lado, como por outro. As novas gerações não têm a idéia de como um simples gesto como esse adquire um significado político digno de nota. Para o Exército, evidentemente, o ato não é inédito visto que tem participado de campanhas de interesse público junto à comunidade, em várias partes do País, independentemente da coloração política e ideológica do governo, desde que a democracia foi restaurada no Brasil. Para os cearenses, contudo, esse registro não poderia deixar de ser feito.


 


Editorial do jornal O POVO (04.03.2007)