Itália: ministro brasileiro visita mãe de guerrilheiro do Araguaia

Por Myrian Luiz Alves*
A comunidade italiana de San Lúcido, na província de Cosenza, Calábria, reviveu nesta quaarta-feira (14) uma das mais bonitas páginas da história do Brasil. A família de Líbero Giancarlo Castiglia, o comandante Joca, da Guerrilha

“Esta é uma dívida que o governo brasileiro e o Brasil têm com essa família, com este cidadão italiano e com todos os que morreram lutando em nosso país”, disse Vanuchi, emocionado, ao chegar à residência da família Castiglia.



Carta ao presidente italiano



No início do ano, dona Elena enviou uma carta ao presidente da Itália. Pedia que o governo de centro-esquerda de Romano Prodi envidasse esforços junto ao governo brasileiro para resgatar os restos mortais de seu filho, um dos pioneiros da guerrilha.



Na semana passada, a Secretaria de Direitos Humanos do Brasil comunicou à família a ida do ministro a San Lúcido, uma pequena localidade às margens do Mar Tirreno, terra natal de Joca.



A coleta foi realizada pelo médico da família, na presença do ministro, da família e da imprensa italiana. A Secretaria de Direitos Humanos armazena, há alguns meses, dados de DNA de familiares de “desaparecidos” para identificação.



Há cinco anos, uma expedição a Xambioá, coordenada pelos deputados Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP) e Socorro Gomes (PCdoB-PA), médicos e antropólogos do Instituto Médico Legal de Brasília, familiares de guerrilheiros, incluindo Wladmir Castiglia, sobrinho de Líbero, resgatou seis corpos do Cemitério Municipal. Um deles, com as duas mãos ausentes, tinha os ossos das pernas vestidos com um tipo de ceroula de uso comum entre os italianos. Desde então aguarda-se a realização de exames.



O irmão mais velho de Líbero, Antonio Castiglia, esteve duas vezes no Brasil. Na primeira, em 2003,acompanhado do deputado Jamil Murad (PCdoB-SP), foi recebido pelo então ministro da Casa Civil, José Dirceu. Antonio deixou amostras de sangue no Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal, em Brasília. Em 2004 uma sobrinha de Líbero, Lara Perrota, esteve em Brasília e também deixou amostras de seu sangue no Instituto. Em 2005, Wladmir, Lara e Antonio estiveram juntos na região onde Joca viveu.



No comando do Destacamento A



Líbero Giancarlo Castiglia, nascido em 4 de julho de 1944, chegou ao Rio de Janeiro com 11 anos. Operário, fez o curso de torneiro-mecânico no Senai de Vassouras (RJ). Foi o capitão da escola. Entrou para as fileiras do Partido Comunista do Brasil em 1962, após contato com a dirigente comunista Elza Monerat, com quem seguiria, no natal de 1967, para a localidade de Faveira, no município de São João do Araguaia, onde compraria um barco e manteria um pequeno comércio.



Já com o apelido Joca, Líbero viveria em 1965 em Rondonópolis (MT) com Daniel Ribeiro Callado, o Doca, que integraria o Destacamento C. De caráter reservado e olhos ''profundamente bondosos”, no dizer de seus companheiros, Joca foi o primeiro comandante do Destacamento A da Guerrilha. No início de 1972, passou a integrar a Comissão Militar, ao lado de Maurício Grabois, Gilberto Olímpío Maria e João Carlos Haas Sobrinho, o Juca.



A pesquisa para sua biografia indica sua morte em outubro de 1974, atingido no abdômen em meio à mata, no sudeste do Pará. Dois guerrilheiros ainda teriam conseguido fugir.



Segundo essas informações, dadas por militares que chegaram ao local após ouvirem os tiros, o corpo de Joca seguiu para Xambioá (TO). Confirmadas essas informações, Joca teria sido o último dos integrantes da Comissão Militar a tombar na Guerrilha.



O ministro Paulo Vanuchi disse à família de Joca que um de seus compromissos à frente da Secretaria de Direitos Humanos é a abertura dos arquivos da história recente do Brasil.



* Jornalista, pesquisadora da Guerrilha do Araguaia e biógrafa de Joca