Relato de um rondonista

Por Paulo Ribeiro*


 



Quando me preparava para viajar para o norte do Brasil, onde participaria do Projeto Rondon, pelo qual estava desativado há mais de 14 anos, mesmo ainda sem saber aonde iria, fui conversar com

A impressão que tive foi de que iríamos deparar-nos com um norte e nordeste composto de, na sua maioria, pessoas pobres, sem motivação, para não dizer preguiçosas, e talvez o pior de tudo: sem qualquer ambição, pois os municípios que passaríamos eram quase em sua totalidade contempladas pelo Bolsa Família. 
 


 


A cidade que tive o prazer de conhecer chama-se Axixá do Tocantins e está localizada ao norte do estado, na região conhecida como Bico do Papagaio, que recebe esse nome devido à confluência dos rios Araguaia e Tocantins, que cortam a floresta desenhando essa figura maravilhosa na floresta de transição. 
 


 


Nesse município, realmente cerca de 30% das famílias recebem algum tipo de assistência do governo federal, o chamado “assistencialismo”, que, na gíria popular, dá o peixe mas não ensina a pescar, ou ainda serve como incentivo para que as pessoas não procurem emprego. 
 


 


Recentemente, ouvi de um conhecido o seguinte relato: “Cara, esse Bolsa Família é uma fraude, só ajuda quem não precisa. Olha só o que aconteceu com o porteiro do meu prédio: ele recebe esse benefício e acabou de pedir demissão para não perder esse dinheirinho fácil. Segundo ele, não poderia ter a carteira assinada”. 
 


 


Mesmo sendo um defensor do programa Bolsa Família e dos outros existentes, nunca tinha me deparado com a sua real importância, pois acreditava que se tratava de um programa emergencial que serviria “apenas” para amenizar momentaneamente a situação dos mais de 50 milhões de miseráveis existentes em nosso país. 
 


 


Enganei-me! Pois, ao buscar multiplicadores de saúde junto à comunidade e desenvolver atividades de capacitação para os agentes comunitários de saúde, deparei-me com os principais problemas de saúde pública, decorrentes da falta de saneamento básico, higiene pessoal, vestimenta e alimentação inadequados. 
 


 


Ao sair a campo, nas comunidade e assentamentos mais distantes, constatei o que a maioria das pessoas desconhece; pude observar que os benefícios concedidos pelo governo federal podem, sim, colaborar na diminuição da miséria, mas, a constatação mais importante foi que esse dinheiro impede que condenemos mais uma geração de brasileiros, pois as famílias que recebem esses benefícios mantêm os seus filhos longe de doenças do terceiro mundo e com as suas carteiras de vacinação em dia, garantem que seus filhos estudem e são cobradas mensalmente que seus eles estejam dentro do peso adequado. 
 


 


Essa constatação foi feita após varias dinâmicas junto à população para que, então, pudéssemos avaliar a real situação do município e, assim, tentar junto com a comunidade achar uma solução para os seus problemas. 
 


 


Entretanto, chegamos à conclusão de que o enorme foco de desnutrição infantil, diarréia, anemia, evasão escolar acometiam principalmente as famílias de baixa renda, aquelas que se encontram à margem da sociedade, sobrevivendo do extrativismo do coco de babaçu – e que ora não estão recebendo nenhum auxílio do governo federal. 
 


 


Aprendi em minha viagem para o norte do Tocantins, na cidade de Axixá, que o Bolsa família é muito mais que um programa assistencial. É, sim, uma ação para não condenarmos milhares de brasileiros à desnutrição, ao analfabetismo, à evasão escolar, à exploração do trabalho infantil e àquelas doenças já há muito esquecidas por nós. 
 


 


Temos é que ampliá-lo para podermos, ao menos, garantir que as nossas crianças cresçam saudáveis – embora que, nessas condições, nunca terão as mesmas oportunidades que nós.


 


 


 


 


*Paulo Ribeiro é Estudante de medicina da Unisul – Universidade do Sul de Santa Catarina – e-mail: [email protected]