Venezuela: Conselhos comunais começam a agir com autonomia

A revolução bolivariana tão prezada pelo presidente venezuelano Hugo Chávez decidiu apostar na democracia participativa e não mais na democracia representativa. No momento em que o chefe do Estado atribuiu a si mesmo o poder de legislar e que o Congresso

“O conselho comunal, explosão do poder popular”, anuncia o cartaz vermelho afixado na porta da cantina escolar, que foi transformada na manhã do último sábado (21) numa sala de reunião. Lá fora, as vielas se espalham pela montanha que paira sobre o centro de Caracas.



Antes mesmo que seja iniciada a reunião do conselho comunal de San Agustin Sur, o debate começa entre a dezena de participantes que chegaram na hora. Três jovens mulheres gostariam de mandar reformar o jardim de infância. Os outros consideram que a construção de lixões é mais urgente.



“Antes, eram os funcionários e os políticos corruptos que decidiam. Agora, o conselho comunal vai tomar conta da situação”, explica Efrain Antonio Gonzalez. Aos 56 anos, ele acaba de conquistar o seu diploma de fim de estudos do segundo grau graças às “missões” educativas implantadas por Hugo Chávez. “O presidente já disse: 'Todo o poder para o povo'”. “A revolução vai finalmente avançar”, insiste ele, com orgulho. Uma vizinha o interrompe: “Em vez de ficar papeando, Chávez deveria antes exigir resultados dos seus ministros”. O tom da discussão torna-se um pouco mais ríspido.



Democracia direta
Reeleito com 62,8% dos votos em 3 de dezembro de 2006, Chávez optou por acelerar a construção desse “socialismo do século 21” que ele vai inventando no decorrer dos seus discursos. Uma lei conhecida pelo nome de “habilitante” lhe permite legislar por decreto durante 18 meses. “O presidente Hugo Chávez quer transferir o poder para a base. Os conselhos comunais são os canais de expressão desta democracia direta que deve dinamizar a democracia representativa”, explica o novo vice-presidente da República, Jorge Rodriguez.



Os venezuelanos que apóiam a “revolução bolivariana” de Hugo Chávez enxergam no poder comunal um poderoso agente de transformação social e política. Aqueles que a temem também. Desde a adoção da lei que os criou em 2006, mais de 18 mil conselhos comunais – rurais e urbanos – viram a luz do dia. Eles deverão atingir finalmente o número de 30 mil. Previsto para reunir entre 200 e 400 famílias que vivem numa mesma área, o conselho comunal, diferentemente das instituições tradicionais, define ele mesmo as suas fronteiras. A idade mínima para votar foi reduzir para 15 anos.



“Convencido da ineficiência da sua administração pública, da corrupção que nela reina, Hugo Chávez tenta provocar um curto-circuito nas instituições do Estado para se apoiar diretamente no povo”, explica a “politóloga” Ana Maria San Juan.



Segundo a vice-presidência da República, os conselhos comunais receberam, em 2006, o equivalente em bolívares a 1,2 bilhão de euros (R$ 3,3 bilhões). Eles receberão mais que o dobro desta quantia em 2007, para reformar as calçadas aqui ou construir um centro para a juventude ali. “A revolução tem idéias e dispõe de muitos meios. O entusiasmo das pessoas faz o resto”, comenta Hipólito Moreno, um colombiano vindo para trabalhar na implantação de um programa de renovação urbana.



Uma garçonete num pequeno bistrô do centro de Caracas, Dibisay conta que em Bello Monte, onde ela vive, o conselho comunal não pôde ser constituído, por falta de quorum nas reuniões. “As pessoas não acreditam ou não estão nem aí”, avalia. A patroa do estabelecimento acrescenta que no seu bairro “os chavistas assumiram evidentemente o controle do conselho”.



Falam os oposicionistas
Nas fileiras da oposição, não faltam aqueles que enxergam nos conselhos comunais o último instrumento em data da “cubanização” da Venezuela. “As declarações de alguns altos-funcionários dão margem à confusão, uma vez que eles apresentam os conselhos comunais como o prolongamento local da política governamental, ou ainda como a célula de base do novo partido”, estima Elias Santana, o diretor da Escola dos Cidadãos, uma organização sem fins lucrativos que promove a vida associativa e a participação popular. Elias Santana defende as suas teses nas páginas do El Nacional e da Tal Cual, dois diários favoráveis à oposição.



Segundo ele, “os conselhos comunais se inscrevem num movimento mais amplo e muito dinâmico na América Latina, que tenta, principalmente por meio das experiências de “orçamento participativo”, aproximar a tomada de decisão política dos cidadãos”. Diferentemente dos “círculos bolivarianos”, aquelas associações que foram promovidas por um tempo por Hugo Chávez e que hoje estão praticamente desaparecidas, os conselhos comunais são concebidos como instituições.



“Grande como a França e a Alemanha reunidas, a Venezuela conta atualmente 335 municípios. A França, por si só, tem mais de 36 mil”, lembra Temir Porras, um alto-funcionário formado na França, na ENA (Escola Nacional de Administração). O vice-presidente venezuelano comenta, sorrindo: “Está vendo? Pois vocês então já têm os seus conselhos comunais!”



Mas, existe um problema que não é desprezível: na Venezuela, os conselhos comunais são diretamente vinculados à presidência da República. A “comissão presidencial do poder comunal” decide, portanto, sobre a atribuição dos fundos. Os mais fervorosos defensores do poder popular se mostram preocupados com isso. É o caso de Roland Denis, um antigo ministro do planejamento, que estima que “o caudilhismo do regime pode se ver reforçado com isso”. Ele considera, no entanto, que a criação dos conselhos comunais representa “uma esperança histórica de acabar de uma vez por todas com as estruturas do Estado burguês”.



Como articular os conselhos comunais com as instituições do Estado – as administrações regionais e as prefeituras –, das quais alguns revolucionários já pedem a abolição? Como conciliar as virtudes da democracia direta com as necessidades do planejamento a longo prazo? Como evitar que políticos e burocratas controlem os conselhos comunais? “Muitas respostas ainda precisam ser encontradas”, admite o vice-presidente Rodriguez.



Bem que os conselhos comunais poderiam oferecer um novo quadro de ação para a oposição venezuelana, ausente da Assembléia Nacional por ter se retirado das eleições legislativas em 2005. “Para evitar que a Sua Majestade Chávez nos controle e nos vigie, assim como faz Fidel Castro, vamos aplicar uma regra elementar do judô: tirar proveito do movimento do adversário para derrubá-lo. Vamos tomar à força os conselhos comunais ou infiltrá-los”, recomenda o opositor Jésus Petit Da Silva.



Mas, para Elias Santana, “se a dinâmica da polarização política que opõe os chavistas aos antichavistas se instalar no âmbito dos conselhos comunais, a esperança de ver se instalar na Venezuela uma verdadeira cultura da participação popular irá desaparecer”.


* Com intertítulos do Vermelho