Unegro lança tese para debate ao seu 3º Congresso Nacional

A União dos Negros Pela Igualdade (Unegro) lançou nesta sexta-feira (4) a tese guia ao seu 3º Congresso Nacional a se realizar de 14 a 17 de junho na cidade do Rio de Janeiro (RJ) no Hotel Presidente. Intitulada “Movimento Negro: um passo além da proposta

Movimento Negro: um passo além da proposta


 


“Trata-se, na realidade, de uma forma do apartheid à brasileira, contra a  qual é urgente reagir se realmente desejamos integrar a  sociedade brasileira de modo que, num futuro próximo, ser negro no Brasil seja, também, ser plenamente  brasileiro no Brasil”.
Milton Santos


 


“O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-caráter, nem dos sem-ética. O que mais preocupa é o silêncio dos bons!”
Martin Luther King


 


Apresentação


 


Bem-vindos ao mundo das idéias defendidas pela Unegro. Este é o nosso caderno de tese que orientará o debate do 3º Congresso Nacional da Unegro, Movimento Negro: um passo além da proposta. Leia com atenção, com fome de conhecimento, com desejo de ampliar sua consciência sobre as concepções políticas que a nossa entidade defende para armar a militância para a ação cotidiana de combater o racismo. Quais as perspectivas que temos que trazer para o mundo do trabalho, para a luta em defesa dos direitos humanos da população negra, para o movimento de mulheres, para a juventude negra, para as religiões de matriz africana, para as comunidades tradicionais de quilombos, enfim, para o conjunto das principais frentes de vivência da nossa condição de negras e negros nessa sociedade.


 


Rebele-se contra o racismo é o lema da nossa organização, é o que acreditamos que cada negra, cada negro, cada pessoa que se diz decente deve fazer para tornar o Brasil um país sem racismo. 


 


Raça, gênero e classe são conceitos que, para nós, caminham juntos, por isso defendemos um projeto de nação que supere a opressão racial, a opressão de gênero e a opressão capitalista. Um projeto de nação que deixe de ser bom apenas para alguns, mas que seja bom para todas as pessoas que formam o povo brasileiro.


 


Axé!


 


Roteiro


 


Temas Centrais
1- A construção do povo brasileiro e o desafio político da Igualdade na Diversidade.


 


2- O Papel das Políticas Universais e das Políticas de Ações Afirmativas na Superação do Racismo.


 


3- A Unegro no curso do Movimento Negro: balanços e perspectivas da ação política.


 


Temas dos grupos de trabalho


1 – Fortalecimento institucional e organizativo da Unegro.


 


2 – Participação da militância negra em espaços institucionais.


 


3 – Mulher negra e os instrumentos de articulação política nacional.


 


4- Religiões de matriz africana.


 


5 – Comunidades tradicionais.


 


6 – Juventude: desafios político e organizacional.


 


1) Princípios Gerais
 


a) A Unegro (União de Negros Pela Igualdade) em seu 3º Congresso Nacional, reafirma sua vocação de entidade do movimento negro que estabelece a luta política pelos direitos da população negra, reitera seus princípios e compromissos com a luta pela superação do racismo, do machismo e das desigualdades de classes sociais que marcam o sistema capitalista.


 


Afirma e desenvolve sua compreensão de que o racismo e o machismo são ferramentas de opressão que aprofundam as desigualdades sociais e cristalizam relações de dominação, principalmente na sociedade capitalista, resultando em exclusão de milhões de pessoas do acesso aos bens econômicos, sociais e culturais no Brasil e no mundo.


 


À luz dessa compreensão, a Unegro assume o desafio de articular a luta anti-racismo com a luta pela superação do capitalismo e da opressão de gênero. Compreendemos que os séculos de práticas racistas e machistas estruturaram subjetividades no pensamento humano que contribuem significativamente com a opressão, assim, podem sobreviver à queda da ordem atual se não for concomitantemente superadas.


 


b) A Unegro trabalha para a solidariedade e unidade do movimento negro e dos segmentos populares que sofrem outras formas de opressão, com o objetivo de acumular forças e de construir agendas que favoreçam à formação de uma nova sociedade, com justiça social e econômica, solidariedade entre todas raças, povos e etnias. Por isso, incentivamos a participação da população negra e de nossa militância nos partidos, sindicatos, associações populares, universidades, administrações públicas, etc.


 


c) A concepção política da Unegro é de uma entidade anti-racista, emancipacionista e classista, pois consideramos necessário articular a luta contra as opressões de raça, gênero e classe que dão sustentação ao padrão de acumulação de riquezas no Brasil desde o período da escravidão até o momento atual do capitalismo dependente, e que radicaliza a exclusão social nesta etapa neoliberal em que vive a sociedade.


 


O racismo, diferentemente do preconceito e da discriminação, tem aspecto estrutural e se define como um dos mecanismos sistêmicos que impedem a inserção sócio-econômica da população negra. Por isto, a luta pela equidade social é a nossa meta e ela passa, necessariamente, pelo avanço da consciência política da população negra e pela sua organização.


 


1.1. A Construção do povo brasileiro e o desafio político da igualdade na diversidade



1. O sistema capitalista, historicamente construído a partir de paradigmas liberais e eurocêntricos, implicou no massacre dos povos de matriz africana, indo-americana e parcela importante dos asiáticos. A brutal concentração de renda mundial, em que 80% do total de riquezas estão nos países ao norte do Equador guarda relação com a construção histórica deste modelo de acumulação de riquezas.



2. A Unegro compreende que a nação brasileira é fruto de fatos históricos como o colonialismo e o escravismo. Aqui houve o encontro de diferentes povos e se estruturou relações de dominação que ainda não foram superadas. O povo brasileiro é único e traz a marca da diversidade na sua gênese: os povos originais, denominados pelos colonizadores de indígenas; os milhões de negros africanos trazidos da Nigéria, do Benin, de Angola, de Moçambique, da Guiné Bissau, do Senegal e de outros cantos daquele vasto continente, que resistiram à escravidão e à brutal violação dos seus direitos humanos e hoje permanecem majoritariamente no limbo da exclusão social; os brancos europeus e seus descendentes que atravessaram a história em sucessivas gerações e continuam majoritariamente representados no topo da pirâmide social, econômica e política do país. Sem dúvida a grande obra da nação é reconhecer a riqueza da sua diversidade e construir a igualdade como fruto da valorização e interação das diferenças. O povo brasileiro desenvolveu um sentido de identidade nacional, forjado pelos séculos de convivência de diferentes grupos que fizeram a nação. Habitamos um território de dimensões continentais, sendo o maior país da América Latina. Vibramos com o futebol, com o carnaval, falamos um idioma comum, somos reconhecidos pelo nosso jeito alegre de ser. Portanto, é preciso, mesmo nos marcos da sociedade capitalista, crescer o grau de conscientização da sociedade brasileira em relação aos impactos do racismo e em relação à necessidade de se remover os perversos obstáculos que se interpõem no caminho da população negra e indígena, que atrasam o desenvolvimento pleno do país e do seu povo.



3. Embora a lei estabeleça a igualdade formal entre os brasileiros, a experiência demonstra que um enorme contingente, que traz na pele a marca da herança africana, é relegado a planos subalternos, sofrendo com baixos salários, más condições de moradia, educação e saúde, violência policial, dificuldades de todo tipo para alcançar e manter condições mínimas de emprego e reconhecimento social. É um povo único, mas que sofre diferenças iníquas que decorrem da cor da pele. É preciso que os desiguais sejam tratados de forma diferenciada para que a igualdade se estabeleça: este é o princípio que precisa reger as políticas públicas anti-racistas, permitindo a promoção social e humana do enorme contingente da população brasileira que é marginalizado pelo racismo.



4. A Unegro acredita que o Brasil será um país verdadeiramente democrático quando libertar a população negra e indígena das amarras do racismo, as mulheres do jugo do machismo e reduzir as profundas desigualdades sociais. Democracia é antítese de racismo, machismo e desigualdade, ou seja, onde há opressão racial, opressão sobre as mulheres e sobre os trabalhadores não há verdadeira democracia. Trabalhamos para o Brasil e para os brasileiros, nos solidarizamos com todos os povos oprimidos da África, da diáspora, da América Latina.



5. Particularmente na América Latina, governos antiliberais e que se contrapõem á política belicosa dos EUA, em alianças com movimentos sociais progressistas, vêm vencendo eleições. A Venezuela, a Bolívia, o Chile, o Uruguai, a Nicarágua, a Argentina são exemplos que se somam à experiência brasileira. Nos Estados Unidos crescem os protestos contra a política belicosa da extrema-direita representada por George W. Bush e na Europa assiste-se uma tendência à contenção do avanço da direita.



6. Em termos globais, fortaleceu-se a articulação internacional dos movimentos sociais dando ainda mais projeção à luta dos povos contra o neoliberalismo, como as versões do Fórum Social Mundial, que confronta a lógica do discurso único do Fórum Econômico Mundial de Davos. No ambiente do Fórum Social Mundial tem lugar a luta contra o racismo, que ganhou uma dimensão mais ampla desde a realização da 3º Conferência Mundial de Combate ao Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Intolerâncias Correlatas, em 2001, na África do Sul.



7. Está nítido que o atual modelo de acumulação de riquezas é insustentável e predatório. Predatório de gente, de ambiente, de recursos energéticos. Se fosse estendido a todo o mundo, o padrão de consumo médio estadunidense, necessitaria de quatro vezes os recursos naturais existentes no planeta Terra. Ainda assim, vemos, nesse país, largas parcelas da população negra vivenciando situações de pobreza e miséria, tal qual ficou comprovado quando o furacão Catrina  atingiu a cidade de Nova Orleans.


 
8. No aspecto ambiental, cada vez mais fica próximo o esgotamento das fontes energéticas do nosso planeta, utilizadas no sistema de produção, que hoje são baseadas nos combustíveis fósseis. A primeira vista, as fontes energéticas substitutas mais viáveis são as da biomassa (as energias solar e eólica, também são importantes possibilidades que devem ser exploradas), situadas nas regiões tropicais úmidas, na América Latina e África, em particular, Brasil e África do Sul. Do ponto de vista estratégico, a soberania dessas nações implicará em um reordenamento do poder global mundial, daí a necessidade de apoiarmos um projeto nacional de desenvolvimento soberano e redistributivo de riqueza.


 


1.2. O papel das políticas universais e das políticas de ações afirmativas na superação do racismo


10. A Unegro tem uma avaliação positiva do movimento negro no último triênio. As organizações negras estão conseguindo instituir o debate sobre a questão racial na agenda nacional e influenciar o Estado no sentido de criar estruturas governamentais vocacionadas a desenvolver políticas públicas anti-racistas. São avanços que vêm sendo radicalmente combatidos por uma pequena elite beneficiária do privilégio de ter sido sempre hegemônica no acesso aos bens culturais, aos empregos de alta remuneração e prestígio social. Essa elite considera que políticas de combate ao racismo significam políticas de divisão da sociedade brasileira. A Unegro defende a compreensão de que quem divide o povo brasileiro é o preconceito, o racismo, a discriminação racial e a desigualdade de classes.



11. A Unegro avalia positivamente as ações do governo Lula, embora reconheça que a política de enfrentamento do racismo deveria e precisa ser mais arrojada, mereceria mais determinação por parte do conjunto do governo. Entre as ações realizadas ou em processo de implantação destacamos a criação da SEPPIR, a sansão da Lei 10.639, que alterou a LDB e instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana, as políticas de titulação das terras de comunidades remanescentes de quilombos, o Pró-Uni, o avanço da política de cotas em diversas universidades públicas federais e estaduais (ainda que não tenhamos conseguido uma reforma universitária que inclua a política de cotas) e as políticas de caráter universal de combate à pobreza como o programa Bolsa-Família, o Programa Luz para Todos, a criação do projeto do Fundeb e o Programa Nacional de Desenvolvimento da Educação, que devem ser importantes alavancas neste segundo mandato do governo. Também vale aqui destacar como fator positivo a condução de negros e negras ao primeiro escalão do governo (ressaltamos, entretanto, que , embora seja importante, ainda é muito tímida e restrita a ministérios com pequenos orçamentos) e a indicação de um negro para o Supremo Tribunal Federal. No plano das relações internacionais o Brasil reorientou a sua política, priorizando as relações Sul-Sul, fortalecendo assim os laços com a América Latina e com países africanos e com alguns países da Ásia.


 
12. A Unegro entende que o movimento negro deve intensificar seu diálogo com a população, com outros movimentos populares, ampliar sua presença nas ruas e aprofundar a crítica às questões gerais que oprimem a grande maioria da população (baixos salários, desemprego, ausência da reforma agrária, reforma urbana, à manutenção da política neoliberalismo etc.). Nesta perspectiva, articulamos a nossa presença na CMS (Coordenação de Movimentos Sociais) e convencemos a Conen (Coordenação Nacional de Entidades Negras) a, também, participar, por entendermos que a CMS é um espaço objetivo de aglutinação dos principais segmentos e organizações do movimento social brasileiro (CUT, UNE, MST, Ubes, UJS, CMP, Conam, UBM, Marcha Mundial de Mulheres, etc). Precisamos ampliar ainda mais a nossa atuação e de outros setores e segmentos do movimento negro na CMS.



13. Com organização e pressão construiremos uma nova cultura de políticas públicas, capazes de articular políticas universais com políticas voltadas a atender as necessidades específicas dos grupos historicamente discriminados. Somente assim nos posicionaremos na direção da equidade social. Entendemos que as ações institucionais têm suas limitações, pois são realizadas dentro da perspectiva do sistema capitalista, tornando necessária a organização da população negra e pobre do país para a superação do sistema social vigente que se manifesta nas opressões racistas, machistas e classistas.


 


1. 3. A Unegro no curso do movimento negro: balanços e perspectivas da ação política


 


14. Os anos pós 2º Congresso Nacional da Unegro, realizado em julho de 2003 na Bahia, foram marcados por conquistas importantes e por um certo avanço da influência do movimento negro no cenário nacional. Sem dúvida, a chegada do governo Lula ao poder, cuja vitória se sustentou na força dos movimentos sociais brasileiros, foi um dos mais importantes fatores que possibilitou um ambiente político mais favorável à atuação do movimento negro e de outros movimentos sociais. A Unegro (União de Negros Pela Igualdade), tem se fortalecido, sintonizada com a política progressista em curso. Devido a nossa contribuição pregressa e a forte presença na luta anti-racista atual, somos uma entidade reconhecidamente importante no movimento negro, respeitada por vários segmentos sociais, parlamentares, partidos e governos. Participamos da construção, coordenação e proposição de várias ações do movimento negro em âmbito nacional e regional. Um dos resultados desse protagonismo é o crescimento interno da entidade. No 2º Congresso Nacional da Unegro participaram seis estados (Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Minas Gerais). Esse número correspondia a todo acúmulo de forças que a Unegro construiu em 15 anos de existência. Atualmente estamos organizados e/ou nucleados em vinte estados (Bahia, São Paulo, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraná, Espírito Santo, Brasília, Rondônia, Amapá, Ceará, Pernambuco, Amazonas, Maranhão, Tocantins, Mato Grosso do Sul, Piauí, Sergipe e Pará). Nossa inserção se dá, principalmente, nas capitais – como diagnosticamos no congresso anterior – embora alguns estados têm investido continuamente nos municípios do interior, a exemplo do Piauí, Minas Gerais, Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Esse crescimento é o principal indicador de que estamos no caminho correto.


 
15. Funcionamento da Unegro – o Brasil é um país de proporção continental, isso dificulta a mobilidade, comunicação interna e, conseqüentemente, a organização de entidades nacionais, especialmente aquelas que têm poucos recursos materiais. A despeito dessas determinantes, conseguimos unificar o discurso da Unegro em todo território nacional, por essa razão somos a organização nacional com maior grau de unidade no movimento negro. Essa conquista se viabiliza devido os constantes diálogos, reuniões, encontros possibilitados pela agenda geral do movimento negro, além do esforço individual de membros que compõe a coordenação que está encerrando o mandato. A soma entre continuidades e avanços foi fundamental para que a Unegro consolidasse, após o último congresso, uma Coordenação Nacional coesa e integrada às lutas dos movimentos sociais e do movimento negro brasileiro. No entanto, há necessidade de uma nova composição e estruturação que correspondam ao crescimento da entidade e aos desafios políticos que se apresentam. Para isso devemos ajustar o formato da atual coordenação, definir e assegurar o desempenho de funções de forma mais precisa, evitar a concentração de funções e tarefas, fato que não contribui com a democracia interna da entidade. Temos que constituir uma coordenação capaz de articular todos os estados em que estamos organizados ou nucleados, manter uma executiva relativamente enxuta para que possamos ter mobilidade e garantir presença nas reuniões, além de tornar estas mais sistemáticas. Assim teremos uma resolução específica sobre a forma e a composição da direção da entidade de maneira a elevar a qualidade e melhor articular nossas ações.


 


2) Grupos de Trabalho


 


2.1. Fortalecimento intitucional e organizativo da Unegro


A Unegro ainda é uma entidade relativamente jovem no movimento negro. Tem apenas 19 anos. Mas ao longo da sua existência conseguiu conquistar o seu lugar na cena nacional, contribuir teórica e politicamente com o conjunto do movimento negro. Na trilha para atingir a sua maturidade a Unegro deve aprofundar o seu caráter de entidade de massas, influenciar o pensamento da população negra e atrair largas parcelas dessa população para o seu interior. Para isso é fundamental avançar na criação da Unegro em todos os Estados da Federação e consolidá-la em termos estruturais para melhor fazer fluir a política anti-racista conduzida pela instituição.


 


2.2. Participação da militância negra em espaços institucionais


16. Mesmo com dificuldades e limitações de ordem financeira e de infra-estrutura, a Unegro, ao longo de sua história, vem se constituindo como um espaço de formação de quadros para a luta anti-racista no Brasil. A crítica à ausência de políticas públicas com recorte racial em governos anteriores ao do presidente Lula e à insuficiência das políticas emanadas do governo Lula, possibilitou que a nossa militância e dirigentes da entidade ocupassem conselhos e órgãos de controle social para pressionar por mudanças a partir de propostas objetivas. Outro destaque importante que deve ser reforçado é a conquista de mandatos parlamentares, eles têm grande significado para a luta anti-racista e reflete positivamente para o projeto nacional da Unegro. Contamos com mandatos que tradicionalmente contribuem de forma singular para o avanço das conquistas da população negra, para o movimento negro e para a Unegro. Em Salvador, a cidade mais negra do Brasil, elegemos a vereadora Olívia Santana, que depois tornou-se secretaria municipal de educação, sendo a primeira mulher negra a ocupar esse cargo, tendo realizado um trabalho fundamental de envolvimento de professores na construção de um processo educacional orientado para a superação do racismo, quando aplicou a Lei 10.639/03 de modo pioneiro no Brasil. O mandato de vereador do militante Paulão, em Belo Horizonte, sempre se destacou como um instrumento de defesa da população mais pobre e negra, em defesa da moradia e da superação da pobreza. Em São Paulo o ex-vereador Vital Nolasco, o primeiro negro operário metalúrgico na câmara municipal de São Paulo, criou a lei do passe livre para os desempregados na sua grande maioria de negros e negras, criou a lei que viabilizou a criação do museu do Samba e deu o titulo de cidadã paulistano ao grande líder negro Nelson Mandella na sua visita ao Brasil, o ex-deputado estadual Nivaldo Santana no campo legislativo, é de sua autoria as leis que criam a semana da Cultura Negra no estado de São Paulo e o Dia Estadual do Samba, esta em tramitação projeto lei que torna o dia 20 de Novembro feriado estadual,  Dep. Federal Edminson Valentin constituinte em 1988, ajudou a criar a Fundação Palmares, e no Rio de Janeiro criou o Conselho Estadual da Comunidade Negra, em Pernambuco na cidade de Olinda, Patrimônio Cultura da Humanidade é administrada por uma mulher negra Luciana Santos, a mais nova filiada a Unegro,  Pela primeira vez temos um militante que se tornou ministro, o ministro do esporte Orlando Silva Júnior que é filiado a Unegro e vem consolidando o seu compromisso com a entidade e com a agenda da luta anti-racista. Com o avanço do debate sobre a questão racial diversas estruturas de governo têm sido criadas com o objetivo de formular e implantar políticas públicas de combate ao racismo. Com o crescimento da esquerda nos governos, em diversos estados e municípios, a Unegro, através de seus quadros que tem militância partidária, tem participado efetivamente de algumas experiências de governo e de conselhos, que são importantes instrumentos de controle social. A Cone-SP, a Coordenação de Relações Institucionais da Secretaria de Reparação de Salvador-BA, a Secretaria de Reparação Social da prefeitura de São Sebastião do Passé-BA, a secretaria de Reparação da Mulher e da Juventude, em Cruz das Almas-BA, o CODENE-RS, são exemplos mais destacados dessa nossa trajetória de participação. Além desses, temos, também, presença na SEPPIR, ocupando uma assessoria especial e lutamos para que outros militantes possam participar de maneira mais expressiva, ocupando outros cargos, no segundo mandato da ministra Matilde Ribeiro.



17. Assim, a Unegro vai construindo a sua experiência de participação, também, em frentes institucionais, o que precisa fazê-lo de maneira a não se esvaziar enquanto entidade do movimento social, que tem como vocação maior à luta política cotidiana, a organização da população negra, o tratamento de casos de racismo e a busca da transformação estrutural da sociedade.


 


3) A mulher negra e os instrumentos de articulação política nacional


 


20. O diagnóstico da situação da mulher negra na sociedade brasileira contemporânea resulta do intenso debate travado nos últimos anos pelas organizações e militância do movimento negro, das feministas negras e das sólidas pesquisas publicadas pelos vários institutos (IBGE, IPEA, Dieese, Seade). Os dados levantados contribuíram para dar maior visibilidade à problemática vivida pelas mulheres negras e para fundamentar, ainda mais, a agenda de lutas sociais. Tudo isso é ao mesmo tempo conquista e desafio à elevação do grau de organização e de unidade do movimento de mulheres negras. Esse movimento que impulsionou a realização de políticas públicas com corte racial e de gênero oferecidas pelo Estado. Vale registrar que as necessidades históricas e atuais superam as políticas realizadas. É provado que em todos indicadores que medem qualidade de vida a mulher negra sofre desvantagens. São as que mais sofrem com a violência doméstica, a precarização dos seus direitos reprodutivos, a má qualidade dos serviços públicos de saúde e educação e que mais tem a sua imagem negada ou vilipendiada pela mídia.


 


21. As últimas pesquisas do IBGE- 2006, reafirmam a hierarquia salarial construída ao longo do tempo, em que homens brancos têm maior rendimento médio mensal (R$ 931,50), seguidos pelas mulheres brancas (R$ 572,86), homens negros (R$ 450,70) e mulheres negras (R$ 290,50). Esse é o principal motivo da manutenção das mulheres negras na base da pirâmide social. Estudos publicados pelo BNDES no ano de 2006 mostram que, mantida a evolução dos últimos dez anos, somente em 2081 as mulheres deverão ter salários iguais aos dos homens. Levando em conta o critério raça, a mulher negra chegará a esse rendimento em 2156. Esse estudo conclui que, embora a mulher tenha conquistado maior espaço no mercado de trabalho, que demanda maior qualificação da mão de obra, sua remuneração é inferior a que recebe os homens nos postos com o mesmo grau de especialização, no caso da mulher negra as desigualdades salariais são ainda maiores. Diante dos fatos comprovados, cientificamente, o debate sobre a desigualdade racial e de gênero é essencial, para que encontremos medidas que imponham aos governos e empregadores o pagamento de salários iguais aos que desempenham as mesmas funções, independente de sexo e raça.


 
22. Segundo o Censo IBGE 2002, 32,1% das famílias brasileiras são chefiadas por mulheres. Levando em conta que as mulheres ganham menos que os homens, e que quando são negras os salários percebidos são ainda piores, poderemos afirmar que esse índice de famílias chefiadas por mulheres  é um  indicador da grave vulnerabilidade social que as mulheres estão submetidas, mais gravemente, repetimos, as mulheres negras. Ao tratarmos do fenômeno da feminização da pobreza, há que se dar conta, também, da racialização da pobreza e suas conseqüências.



23.  A história oficial brasileira nega a efetiva participação da mulher na construção da riqueza nacional, razão pela qual não mostra que a presença da mulher na condição de sustentáculo econômico das famílias não é um fenômeno novo. Sempre houve famílias matriarcais no Brasil, principalmente as famílias negras. Por essa razão a Unegro defende que as Políticas de combate ao racismo tenham como beneficiárias prioritárias as mulheres e as crianças, principalmente, que privilegie as mulheres arrimo, chefes de família.


 


24. O movimento contemporâneo de mulheres negras ganhou uma maior visibilidade e aprimorou sua organização a partir dos anos 70, influenciando e ampliando a compreensão dos movimentos negro e feminista sobre a tripla discriminação que a mulher negra sofre.  A Unegro compreende que nos últimos anos houve um crescimento qualitativo na organização das mulheres negras brasileira. Esse crescimento se expressa de duas formas: organizativamente (através de diversas entidades de mulheres que se estabeleceram no cenário político nacional)  e politicamente (no debate teórico /político, que invariavelmente pauta a agenda do movimento social). No entanto, o crescimento organizativo e político não foram suficientes para forçar uma maior materialização de políticas públicas a altura do quadro de necessidades.


 


25. A Unegro sempre participou e compreende a necessidade de resgatar e fortalecer o Fórum Nacional de Mulheres Negras (FNMN), criado em 2003. Ao longo do tempo o FNMN sofreu um esvaziamento com a criação de outras articulações, porém não está superada a necessidade de termos um fórum capaz de articular todas as mulheres que fazem a militância do feminismo negro, sejam elas membros de entidades específicas de mulheres ou de entidades mistas. A paralisação desse importante instrumento de articulação mais ampla das mulheres é fruto da incompreensão e do divisionismo que vem marcando o movimento de mulheres negras no Brasil.


 


26. Na sua origem o FNMN tinha como objetivo evitar a dispersão na organização das mulheres negras em plano nacional e constituir-se como um espaço de ação política coletiva, de unificação de propostas para fazer avançar a luta das mulheres negras. Hoje, para dar respostas ao desafio, é necessária uma relação mais profunda com os espaços de convivência social das mulheres negras (nas periferias das cidades, nas fábricas, nos espaços de cultura popular, nos espaços religiosos de todas as tendências e matrizes e ,também, nas universidades, etc.) para ampliar seu protagonismo, e a construção de um espaço de articulação, troca de experiências, debates e realização de ações conjuntas. Por isso trabalharemos para contribuir com o diálogo com outras organizações no sentido da construção da viabilidade política e organizativa do FNMN (Fórum Nacional de Mulheres Negras).


 


4) Religiões de matriz africana e comunidades tradicionais


25. A Unegro no seu 2º Congresso reafirmou seu compromisso com a luta contra a intolerância religiosa, especialmente no que diz respeito às religiões de matriz africana, a exemplo do Candomblé, da Umbanda e até mesmo do Espiritismo, que sofrem ataques diversos de uma sociedade que foi educada para a não aceitação de pensamentos religiosos fora da matriz judaico cristã. No caso do Candomblé, nas suas diferentes nações, que enfrenta a maior carga de preconceito e discriminação, a sua constituição é oriunda dos negros e negras escravizados, era a religião da classe subalterna, dos povos submetidos ao domínio colonialista ibero/português, fortemente influenciado pela Igreja Católica. Atualmente, as igrejas neo-pentecostais vêm realizando ataques sistemáticos às religiões de matriz africana e, mais que isso, assumem uma prática ideológica de apropriação de símbolos e ícones dessas religiões para fins de cooptações de adeptos. Um exemplo é o surgimento das tais baianas evangélicas que usam parte da indumentária das baianas tradicionais para vender os chamados “acarajés de Cristo”. Quem conhece o candomblé sabe que acarajé é comida de orixá, do orixá Iansã, que tornou-se uma das principais marcas da culinária brasileira, principalmente na Bahia, a partir do momento em que as filhas de santo dos terreiros passaram a vender os bolinhos de feijão fradinho nos tabuleiros, para assegurar a renda familiar e do próprio terreiro.


 


26. A Unegro assumiu papel destacado na denuncia do racismo que fundamenta a intolerância religiosa contra o candomblé. Lançou no seu 2º Congresso a campanha “Orixás, Inquices, Voduns e Caboclos: mexeu com eles mexeu comigo”. Uma iniciativa que precisa ser intensificada. Ser mais que uma campanha, ser uma ação permanente da Unegro na defesa da desdemonização da religiosidade de matriz africana e a sua valorização enquanto religião.


 


27. Vale resgatar algumas iniciativas concretas da  que a Unegro no terreno da luta contra a intolerância Religiosa: em São Paulo, no final da década de 1990, iniciou um projeto de cadastramento dos terreiros de candomblé de todo o Brasil; propusemos o projeto de lei de autoria do deputado Daniel Almeida, que foi aprovado na Câmara dos Deputados e que hoje tramita no Senado, que institui o dia 21 de janeiro como o Dia Nacional de Combate à intolerância Religiosa, inspirada na Lei Municipal n°. 6464/2003, de autoria da vereadora Olívia Santana, membro da nossa entidade.


 


28. A Unegro é uma entidade que se orienta pela defesa da laicidade do estado brasileiro e das instâncias representativas do Estado. Entretanto, reconhece o direito de seus militantes professarem qualquer religião ou, também, de não ter religião alguma. Mas é parte da agenda política da entidade o combate ao racismo que fundamenta as práticas de intolerância contra o Candomblé e outras religiões de matriz africana, que na época do escravismo foram construções culturais que contribuíram com a recriação da humanidade dos negros coisificados e transformados em mercadorias, desumanizadas.
 


5) Comunidades tradicionais


29. Além do tratamento da questão religiosa é preciso intensificar a atenção às comunidades negras tradicionais ou mais precisamente às comunidades remanescentes de quilombos. A titulação das terras ainda vem se dando de maneira lenta no Brasil, mesmo sob o auspício do governo Lula. Avançou o processo de reconhecimento das comunidades, através da autodeclaração, que é realizada sob o acompanhamento da Fundação Cultural Palmares. Mas daí até chegar ao final do processo que garante a titulação é um longo caminho. É preciso fortalecer a luta dos quilombolas e pela aceleração dos processos de titulação de terras como um patrimônio coletivo (nunca individual, pois o próprio movimento quilombola estabeleceu esta amarra junto ao governo para evitar os casos de vendas dos lotes para fazendeiros e grileiros que vivem da especulação e assediam os titulados), pelo acesso ao crédito e por políticas de desenvolvimento sócio econômico das comunidades.


 


6) Juventude: desafios políticos e organizacional


30. A juventude negra é a principal vítima da violência policial, do aliciamento promovido pelo tráfico, da falta de oportunidade de acesso ao emprego, da falta de oportunidades educacionais, da gravidez precoce e dos graves problemas enfrentados pelos jovens na nossa sociedade. A elite, que não aprendeu a lição de compartilhar a riqueza, movimenta-se no congresso para reduzir a maioridade penal. Isto posto, significará a consagração da violência do Estado contra os jovens negros e pobres. A Unegro tem que vencer o desafio de se tornar uma referência para a juventude negra. Apresentar-se como uma alternativa para a organização política dos jovens, capaz de responder as suas necessidades de organização. Sem dúvida, a luta contra o racismo é uma luta para milhões. Não vamos conseguir superar o sistema racista sem a participação das novas gerações. O tráfico tem projeto estratégico de aliciamento de menores. Ocupa as favelas e recruta centenas de jovens que não conseguem emprego formal e pagam pelos serviços dos chamados aviões. A arma e as responsabilidades para com as bocas de drogas tornam-se símbolos de poder para meninos, também para meninas. É preciso apresentar uma perspectiva nova para os jovens pobres de maioria negra. Nos últimos 20 anos o movimento hip hop surgiu como uma alternativa capaz de mexer com o orgulho e com a auto-estima da juventude das periferias e é um movimento de contestação e de crítica contundente ao descaso da sociedade para com os excluídos. A Unegro tem, ao longo da sua história, se aproximado e participado de alguma forma desse movimento por entender que pode contribuir com esse e com outros movimentos que favorecem a conscientização e politização dos jovens.