Robert Fisk: Mentiras e ultrajes… você acreditaria nisso?

Quando eu era um estudante, gostava de ler uma coluna que era publicada semanalmente na imprensa britânica chamada ''Acredite ou não do Ripley''. Em um quadradinho simples cheio de ilustrações ingênuas, Ripley, Bob Ripley, tentava surpreender seus leit

Incrivelmente, a coluna de Ripley ainda existe, e há até mesmo uma coleção de ''Acredite ou Não do Ripley'' em museus nos Estados Unidos.



O problema, naturalmente, é que todos esses fatos extraordinários não iriam ofender ninguém. Não existem homens-bombas no ''Acredite ou Não'', não existem ataques aéreos israelenses (Acredite ou não, 17 mil libaneses, a maioria deles civis, foram mortos na invasão do Líbano em 1982 por Israel), não existem totais de mortos e feridos (Acredite ou não, mais de 650 mil iraquianos morreram em quatro anos de ocupação anglo-americana do país). Entende o que eu digo? Ele chega muito perto da coisa.



Eu lembrei do bom e velho Ripley quando estava dando uma olhada nos artigos que marcavam o aniversário da guerra Árabe Israelense de 1967. Há muita coisa para se relembrar, mas eu acho que somente a imprensa francesa — mais precisamente o Le Monde Diplomatique — podia se comparar ao ''Acredite ou não''.



O artigo lembrou de forma nítida — e vergonhosa — de como a imprensa mundial cobriu a história da ''agressão'' do Egito contra Israel. Na realidade — Acredite ou Não! — foi Israel que atacou o Egito após Nasser fechar o estreito de Tiro e deu ordens às tropas da Onu para sair do Sinai e de Gaza apos o egípcio vituperar ameaças contra Israel. ''Os egípcios atacam Israel'', contou o France-Soir aos seus leitores, uma mentira tão grande que mais tarde teve de ser emendada com uma outra frase: ''É a guerra no Oriente Médio!''.



Um pouco. No dia seguinte, o socialista Le Populaire colocou na manchete ''Atacado por todos os lados, Israel resiste vitoriosamente''. No mesmo dia, o Le Figaro pomposamente anunciava que ''a vitória do exército de Davi é uma das maiores da história''. Acredite ou não, a Segunda Grande Guerra havia terminado somente 22 anos antes.


 


Johnny Hallyday, endemoniado pop-star da França, cantou para 50 mil simpatizantes de Israel, que contou com a solidariedade expressa de Serge Gainsbourg, Juliette Gréco, Yves Montand, Simone Signoret, Valéry Giscard d'Estaing e François Mitterand na mídia francesa . Acredite ou não, e você pode acreditar, Miterrand foi agraciado com a medalha folheada Francisque, dos colaboracionistas do regime de Petain.



Somente o presidente da França, o general de Gaulle, foi isolado políticamente por ter dito em uma coletiva de imprensa, alguns meses depois, que Israel ''está organizando, nos territórios que tomou, uma ocupação que não pode ser trabalhada sem opressão, repressão e expulsões — e se houver resistência a isso, será denominada de terrorismo''. Essa profecia acurada ganhou uma sonora reprovação do Nouvel Observateur, que disse que ''a França Gaullista não tem amigos; tem interesses''. E Acredite ou não, com a exceção de um pequeno jornal cristão, em toda a imprensa francesa apenas uma palavra era omitida: Palestinos.



Eu devo ao acadêmico Anicet Mobé Fansiama a evocação de outra lembrança esta semana. Acredite ou não, as tropas congolesas da riquíssima colônia belga na África obtiveram enorme vitória sobre as tropas italianas na Segunda Guerra Mundial, capturando 15 mil soldados, inclusive 9 generais. Denominada ''Força Pública'', um nome que excluia com alegria o fato de que todos esses heróis eram negros congoleses — o exército mobilizou 13 mil soldados e civis para lutar contra as colônias francesas do regime de Vichy na África, e foram empregadas no Oriente Médio, onde estavam posicionadas para defender a Palestina, assim como na Somália, Madagáscar, Índia e Burma.



Um vasto número de tropas britânicas e americanas passou pelo Congo, assim como sua riqueza foi transferida para os cofres de guerra dos EUA e do Reino Unido. Uma base americana foi construída em Kinshasa para transportar petróleo para as tropas aliadas que lutavam no Oriente Médio.



Mas — Acredite ou Não — quando os sindicatos congoleses, cujos membros foram requisitados para trabalharem duro na colônia belga, carregando bens industriais e agrícolas e equipamento militar, frequentemente em suas próprias costas, pediram salários melhores, as autoridades belgas responderam às suas manifestações com o fogo de rifles, disparando e matando 50 trabalhadores.



Pelo menos 3 mil prisioneiros políticos foram deportados para trabalhos forçados em um remoto distrito do Congo. Então, aqueles que deram o sangue pela vitória dos aliados foram pagos. Ou melhor, não pagos. Os 4 bilhões de francos que os belgas deviam ao Congo — mais de 500 milhões de libras esterlinas atuais — jamais foram pagos. Acredite ou não.



Então vamos relaxar e voltar à realidade de Ripley. ''Acredite ou não, Russel Parsons, de Hurricane, West Virginia, tem as instruções de seu funeral e cremação tatuadas em seu braço… Acredite ou não, em abril de 2007 (Sim, isso é o novo Ripley) um grupo de amantes de animais pagou cerca de US$ 3,4 mil para comprar 300 lagostas num mercado de Maine e atirá-las de volta ao mar!… Acredite ou não, em uma sala de espera de hospital, 70% das pessoas têm fraturas, 75% sofrem de fadiga, 80% têm febre. Qual a porcentagem de pessoas que têm todos os 3 problemas?''… Acredite ou não, eu não sei. Ah, ainda tem essa: ''Geta, Imperador de Roma de 189 a 212, defendia refeições alternativas. O menu típico era: Perdiz, pavão, feijões, pêras, melões, alho e ameixas.



Eu aposto que depois disso, você vai jogar fora o jornal


 


Fonte: The Independent