Messias Pontes: Comissão de Anistia agiu acertadamente
A direita brasileira continua ouriçada com a decisão da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça de promover o capitão Carlos Lamarca a general. Como muito já se falou e escreveu sobre o assunto, inclusive editoriais raivosos da imprensa conservadora
Publicado 04/07/2007 09:04 | Editado 04/03/2020 16:37
Para esclarecer esta questão, duas coisas precisam ficar bem claras: a primeira é que a Lei de Anistia, de 28 de agosto de 1979, anistiou os que se opuseram ao arbítrio do regime militar e até mesmo os torturadores e assassinos de farda. Foi o único caso no mundo em que os torturadores foram anistiados, mesmo a tortura sendo considerada pelas leis internacionais como crime hediondo, portanto inafiançável e imprescritível.
Na Argentina, no Chile e em outros países do subcontinente onde os militares, a serviço do imperialismo do Norte, assaltaram o poder, torturaram e mataram, os seus autores estão sendo exemplarmente punidos. No Brasil isto não pode acontecer porque os covardes torturadores também foram anistiados, e também porque os torturados e as famílias dos que foram barbaramente assassinados não estão querendo revanche, mas tão-somente a reparação garantida por lei.
A segunda coisa que precisa ficar muito clara é que o poder exercido pelos militares golpistas era ilegítimo, já que subverteram a ordem constitucional destituindo o presidente João Goulart, democraticamente eleito pelo povo brasileiro. Houve, portanto, quebra da disciplina e da hierarquia militar, já que o presidente da República é o Comandante-em-Chefe das Forças Armadas.
De 1º de abril de 1964 até 12 de dezembro de 1968, os opositores da ditadura militar procuraram usar os poucos espaços democráticos permitidos para se manifestar e exigir o retorno à democracia. Porém a partir do Ato Institucional nº 5, publicado em 13 de dezembro de 68, os militares implantaram o terror no País, não mais se limitando a cassar mandato de parlamentares e demitir funcionários públicos, mas sim a institucionalizar a prática da tortura e dos frios assassinatos de democratas e patriotas que bravamente e de forma pacífica lutavam contra o arbítrio.
A partir de então, milhares de brasileiros, para garantir a sua integridade física, não tiveram outro caminho a não ser, mesmo a contra gosto, o da clandestinidade. A orientação para aniquilar os opositores do regime partia de Washington e era cegamente seguida pelos militares golpistas. Não tendo mais como enfrentar o arbítrio e o terror por métodos pacíficos, muitos opositores optaram pelo exílio e outros pela luta armada, tanto no campo como na cidade.
Como amante da democracia, da liberdade e da soberania nacional, o então capitão Carlos Lamarca entendeu ser seu dever, como fiel cumpridor da disciplina e da hierarquia militar, se opor ao arbítrio, ao terror e à política anti-nacional e anti-popular implantados no País a serviço de interesses alienígenas. Ele cumpriu o seu dever de democrata e patriota, já que o poder instituído pela força era ilegítimo e contrário aos interesses nacionais.
Hoje, o quadro é bem diferente. As Forças Armadas e a Polícia Federal são instituições republicanas respeitadas pela sociedade porque agem de acordo com o que determina a Constituição democrática de outubro de 1988. Os seus membros estão conscientes de que não há mais espaço para aventuras, e que nenhum Lincoln Gordon – embaixador norte-americano que coordenou o golpe militar de 1964 – terá mais vez neste Brasil democrático. Por isso não aparecerá mais nenhum capitão para subtrair armas e munições de nenhum quartel. Os tempos são outros. Hoje se respira democracia neste País.
Mas todo cuidado é pouco porque a direita não está morta e tampouco se dará por vencida. Afinal tem em suas mãos os poderes econômico e midiático que são muito poderosos.
Messias Pontes é jornalista.