Ariano Suassuna, cidadão cearense

Um encontro com o carisma, a inteligência e o entusiasmo de Ariano Suassuna pela cultura brasileira. Assim foi a Sessão Solene de entrega do título de cidadão cearense ao dramaturgo, poeta, romancista, pesquisador e gestor cultural que nasceu na Para

A concessão do título de cidadão cearense a Ariano Suassuna, que vem recebendo diversas homenagens pela passagem de seus 80 anos, foi determinada pela lei estadual nº 13.759, publicada no Diário Oficial do Ceará em 26 de abril de 2006. A lei é originária de projeto de autoria do então deputado estadual, hoje federal, Chico Lopes, do PCdoB. A entrega oficial do título foi realizada em concorrida Sessão Solene realizada esta sexta-feira, requisitada pelo deputado estadual Lula Morais, atual representante do PCdoB na Casa.


 


Além de farta cobertura da imprensa local, a solenidade atraiu a presença de políticos, autoridades, professores, estudantes e outros admiradores da obra de Ariano. O PCdoB, que na mesma manhã recebera em ato no auditório da Assembléia a filiação da prefeita de Aquiraz, Ritelza Cabral, também contou com diversos representantes na homenagem a Ariano Suassuna – entre eles, o senador Inácio Arruda e o presidente da legenda no Ceará, Carlos Augusto Diógenes, o Patinhas.


 



De Chico pra Chicó


 


Chico Lopes ganhou cumprimentos especiais de Ariano, que ao abraçá-lo disse: “Você é o meu benfeitor”. Mais tarde, ao final de seu discurso, Ariano Suassuna voltou a se referir a Lopes, enfatizando a opção do parlamentar por usar o nome Chico, em vez de Francisco. “Agradeço esse título de cidadão cearense ao povo do Ceará, aos seus representantes e especialmente ao nosso Chico Lopes, que me tornou o mais recente dos cearenses”, disse, lembrando o personagem Chicó, de “O Auto da Compadecida”. “É o personagem com o qual eu mais me identifico. E, de Chico pra Chicó, a diferença é um acento”, brincou.


 


“Desde as nossas serras, o chapadão da Serra Grande da Ibiapaba, da encantada Chapada do Araripe até a pancada do verde mar bravio de Iracema, o Ceará é um imenso sertão. E o povo cearense a partir de hoje fica mais rico, ganha imensamente com a chegada de um novo filho, um novo cearense. Um recém-nascido que já chega octagenário, esse que é mistura de homem e onça, cidadão do mundo, criatura universal, que agora é nosso conterrâneo. Ariano Suassuna agora é cearense”, ressaltou, por sua vez, Chico Lopes, em breve discurso a respeito do homenageado.


 


E complementou: “Aqui, certamente, Ariano se sentirá em casa, numa rede entardecida armada num alpendre, mugido de vacas, berro de cabras, chacoalhar de cascavéis e choro de meninos embalando a noite e as suas estrelas. Sinta-se em casa, mestre do povo, o Ceará lhe recebe de braços abertos”.


 


O deputado estadual Lula Morais também ressaltou a satisfação do povo cearense com a homenagem a Ariano: “É um homem brasileiro que consegue, com simplicidade, catalisar o que é a cultura brasileira, um instrumento brasileiro que consegue envolver quem o ouve falar. O povo brasileiro precisa desse tipo de pensamento, valorizando a nossa cultura”.


 



Histórias de Ariano


 


Carismático ao falar da cultura popular brasileira como só os legitimamente apaixonados por ela poderiam fazer, Ariano Suassuna arrancou risos dos presentes em várias oportunidades, dando à solenidade um tom sem cerimônia. Brincou inclusive com a própria idade: “O presidente me pediu que eu autografasse o exemplar de ‘O Auto da Compadecida’ da biblioteca da Assembléia. Eu ia botando ‘do mais novo conterrâneo’, mas vi que a palavra não cabia muito. Botei ‘do mais recente’”.


 


Também se desculpou por ser, entre os que tomaram assento à Mesa Diretora da Assembléia, o único a não vestir paletó e gravata, preferindo seu conhecido traje branco. “Em 1981 li um artigo de Gandhi, que dizia que o indiano que amasse seu país e seu povo não devia nunca se vestir à moda européia, do colonizador inglês, porque estaria se acumpliciando dos invasores e tirando o trabalho das costureiras pobres da Índia. Não tenho a dimensão moral nem política de Gandhi, mas desde que li o artigo tomei a resolução de nunca mais vestir uma roupa que não fosse feita por costureira”, explicou.


 


“Eu tenho inclusive uma roupa desse mesmo jeito, só que preta, que mandei fazer quando fui eleito pra academia Pernambucana de Letras. Mas já usei em outra solenidade ontem”, acrescentou, lembrando ainda de quando compareceu à solenidade de entrega da Ordem do Infante Dom Henrique, pelo presidente de Portugal, Mário Soares.


 


“A ordem me foi entregue em Recife. No convite dizia que o traje era esporte fino. Sendo assim, eu, que torço pelo Sport Club do Recife, fui de vermelho e preto, com as cores do time. O presidente não estranhou, e eu ainda disse a ele que nunca saí do Brasil, mas que, se um dia saísse, iria pra Portugal. Porque é o único país da Europa que tem o bom senso de falar português”, relacionou, frisando não saber falar, “se não for em arrodeios”. E ainda pontuando: “Lá eles não falam tão bem, mas falam. Eles criaram a língua, mas quem fala melhor somos nós”.


   



Influências cearenses


 


Ariano fez questão de destacar, em vários momentos, diversos escritores e personalidades cearenses que o influenciaram – começando por José de Alencar. “Recebi uma influência enorme dele na minha formação. Considero-o um escritor injustiçado, porque foi, sem dúvidas, o fundador do romance brasileiro e o primeiro a buscar uma visão completa de Brasil, no espaço e no tempo”, disse, citando romances do escritor cearense ambientados em várias partes do País – inclusive “O Sertanejo”, no Ceará.


 


“Ele também tentou cobrir toda a história do Brasil no tempo, desde antes da chegada dos portugueses, com um grande poema épico, não terminado, que se chamaria ‘Os Filhos de Tupã’. Ele não chegou a contemplar, mas realizou em outros romances, como ‘Iracema’, que quem leu vê que o começo era parte desse grande poema épico que ele pretendia, é pura prosa ritmada, poesia sem rima”, destacou. “Além disso, Alencar foi uma grande influência de Euclides da Cunha, que é meu mestre. Tanto que já levei texto de José de Alencar pra um seminário de professores de lingüística, e acharam que era de Euclides da Cunha. Alencar é inclusive citado textualmente em ‘Os sertões’. E hoje, além da dívida que tenho com ele, sou o mais recente conterrâneo de José de Alencar’, relacionou.


 


Entre outros autores cearenses que considera decisivos para sua formação intelectual, Suassuna também citou Leonardo Mota (“‘O Auto da Compadecida’ é baseado em três folhetos, dos quais tomei conhecimento através de um livro de Leonardo Mota, que tinha na biblioteca do meu pai, amigo dele e uma das pessoas a quem ele dedicou o livro ‘Sertão Alegre’), Clóvis Bevilácqua (“Conheci Dostoiévski através dele”) e Araripe Júnior (“Grande escritor e crítico literário, a quem devo muito da minha formação”).


 


Ariano citou ainda a artista plástica Socorro Torquato como “representante do movimento Armorial no Ceará e destacou de modo especial Cego Aderaldo, lembrando que chegou a conhecê-lo. “Era um cantador fantástico, de espírito ferino. Fazia coisas incríveis, elogiava todo mundo, até que cada um que ganhava seu elogio desse sua contribuição. Depois, quando todo mundo tinha pago, desfazia os elogios de cada um, dizendo o contrário. Era engraçadíssimo!”.


 


Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, Suassuna também fez questão de lembrar Miguel Arraes, uma das figuras históricas da esquerda brasileira. “No sertão a palavra ‘amigo’ tem muito peso. Ele dizia que, com a idade toda que tinha, só tinha feito um amigo e dois camaradas. E me dava essa honra de me chamar de amigo dele”, lembrou. “Ele autografou pra mim um exemplar de ‘Os Sertões’ dizendo: ‘Nas origens sertanejas, a unidade da grande luta do nosso país pela sua identidade cultural’”.


 



Por uma cultura brasileira


 


Ariano não deixou de comentar o fato de alguns o considerarem um intransigente defensor da cultura brasileira, associando-lhe a pecha de um intelectual avesso a qualquer contribuição da cultura mundial. “Sou apresentado como inimigo do universal. Não é verdade. Eu seria um ingrato se tivesse desprezo pela cultura de qualquer país”, disse, listando vários autores estrangeiros que o influenciaram, de Cervantes e Molière a Godot e Tolstoi. “Aquilo que sou absolutamente contra é esse lixo cultural que nos despejam todo dia pelos meios de comunicação. Aquilo é uniformização, não universalização. Universal é Euclides da Cunha, que falou do Brasil real, o Brasil dos Sertões, e do Brasil da Rua do Ouvidor, das miragens européias que vivemos imitando, como europeus saudosos, em exílio subjetivo, como Euclides dizia”, contrapôs.


 


“Assim como eu, ele nada tinha contra os recursos da vida contemporânea. Eu não quero é que isso nos esmague, nos faça uma nação de segunda. Não quero que o Brasil seja os Estados Unidos nem de primeira, quanto mais de segunda. Quero que seja o Brasil de primeira”, enfatizou, para mais aplausos.


 



Vida e obra


 


Ariano Suassuna, que aos três anos de idade perdeu o pai, assassinado no Rio de Janeiro por motivos políticos durante a Revolução de 1930, mudou-se na adolescência para Recife. Ali estreou na literatura, com a publicação de um poema intitulado ´Noturno´ no tradicional Jornal do Commércio. Ingressou na Faculdade de Direito e fundou o Teatro do Estudante de Pernambuco.


 


A primeira peça autoral, ´Uma mulher vestida de Sol´, estreou em 1947, sucedida, no ano seguinte, por ´Cantam as harpas de Sião´ (ou ´O desertor de Princesa´), montada pelo Teatro do Estudante de Pernambuco. Atuando em várias frentes e sempre questionando as fronteiras entre a dita alta cultura e a cultura popular, Ariano passou à história como idealizador do Movimento Armorial, que pensou uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular nordestina. Um movimento que, com essa característica em comum, procura orientar para esse fim todas as formas de expressões artísticas: da música à dança, da literatura às artes plásticas, do teatro ao cinema e à arquitetura.


 


Consagrado por peças como ´O santo e a porca´ e ´A farsa da boa preguiça´, além do romance ´A Pedra do Reino´, que seria o primeiro volume de uma trilogia inacabada. A obra deu origem à recente minissérie produzida pela TV Globo, Ariano ocupa desde 1990 a cadeira de número 32 da Academia Brasileira de Letras. Agora, foi a vez de o Ceará homenagear Ariano, nordestino que olhando para seu próprio chão soube se fazer universal.


 


De Fortaleza, Dalwton Moura