Thiago Monteiro cearense com muito orgulho
Para o mesatenista Thiago Monteiro, sua ''cearensidade'' se reflete em cada movimento na mesa, como se o bate-bola fosse verdadeira raquetada nas dificuldades que encarou pela vida. Em entrevista concedida, por telefone, direto da França, o atleta fala do
Publicado 10/09/2007 18:49 | Editado 04/03/2020 16:37
Na mesa de tênis, raquete na mão, Thiago Monteiro se mantém concentrado, olhar fixo na bolinha e nos movimentos do adversário. Arrancar sinal de relaxamento em quadra deste cearense de 26 anos é tarefa das mais complicadas. Mas, nem de longe, o ar sisudo e compenetrado de Thiago revela algum tipo de antipatia por parte do atleta. Thiago se porta, na verdade, como um bom cearense agiria, como se perdido em meio a jogadores orientais, nesse esporte tão individual e de tradição mínima entre seus conterrâneos.
Mas é justamente essa ''cearensidade'' que fez de Thiago tão diferenciado no mundo do tênis de mesa. Hoje, após representar o Estado nas Olimpíadas de Atenas e acumular cinco medalhas pan-americanas (dois ouros, uma prata e dois bronzes), o garoto que deixou Fortaleza aos 16 anos para morar no interior paulista é o melhor brasileiro no ranking mundial. E sabe reconhecer a importância de gênese cearense em sua trajetória no tênis de mesa.
''Eu sou orgulhoso de ser cearense, de falar como o povo cearense, de ter uma mentalidade de garra, de uma pessoa que quer se superar, que reflete a mentalidade do nosso povo'', afirma.
Como é que você, um cearense, vindo de um Estado que não possui tanta tradição no tênis de mesa, conseguiu se afeiçoar pelo esporte e não por modalidades mais populares como o futebol?
Quando criança, pratiquei outros esportes. Joguei tênis de mesa, futebol de salão e nadei também. Só que eu comecei no tênis de mesa influenciado pelo meu pai (Alexandrino), que foi meu treinador. Com o tempo fui me dedicando ao tênis de mesa, porque os bons resultados foram aparecendo. Então, no meu caso, apesar do tênis de mesa não ter tanta tradição assim, eu tive um grande apoio da família. Acho que, na verdade, eu fui a pessoa certa na hora certa. Eu apareci numa época em que o tênis de mesa do Ceará estava em evolução e eu soube aproveitar esse desenvolvimento. Tudo se encaixou para que eu pudesse me sobressair.
E como foi a sua evolução no tênis de mesa?
Eu comecei cedo, com seis anos. Com sete anos, foi a minha primeira competição oficial (etapa do Cearense, mirim) e os resultados foram aparecendo em Fortaleza mesmo. Comecei a disputar algumas competições no Norte e Nordeste e também os resultados apareceram. Em 1993, eu e mais dois cearenses (Bruno Pinheiro e Rogério Costa) fomos campeões brasileiros por equipe mirim e aí a evolução foi seguindo o seu curso. Participei da seleção brasileira infantil no sul-americano de 1995 (em Valência, Venezuela) e fui campeão individual; fui para a seleção juvenil e, depois, para a adulto. Foi uma evolução bem gradual.
Quando você percebeu que o tênis de mesa tinha passado de uma mera brincadeira para virar a sua profissão?
Posso citar algumas etapas. Quando cheguei por volta dos 11, 12 anos meu pai falou: ''escolhe um esporte que você queira ser realmente bom, porque você já está numa idade boa para se dedicar só a um esporte''. Os resultados fizeram com que eu optasse pelo tênis de mesa. Esse título de campeão brasileiro (por equipes) influenciou muito. A segunda etapa foi eu ter conseguido ser campeão sul-americano infantil individual, mesmo vivendo em Fortaleza. Com todas as dificuldades que temos aí (em Fortaleza), ganhei de outros parceiros da seleção e isso me fez ver que eu tinha condição de chegar a um nível mais alto. Em 1997, eu saí de Fortaleza para Piracicaba (SP), ainda não tinha completado 16 anos, mas já saí com esse objetivo de me tornar um jogador profissional. O principal marco foi quando saí de casa e disse que iria seguir carreira em um centro mais desenvolvido.
Você jogou dois anos na Suécia e já disputou cinco temporadas na França. Quais as diferenças entre jogar aqui e no exterior?
Primeiro é a estrutura dos clubes, que é mais profissional e organizada. Na Europa tem liga profissional e você pode viver do tênis de mesa, como vivo hoje. Você tem essa tranqüilidade de se preocupar exclusivamente em jogar e participar de torneios com os principais jogadores do mundo. Hoje, estou no centro onde as coisas acontecem, pois, no Brasil, se chega a um patamar em que não dá mais para continuar evoluindo.
Qual a relação do jogador de tênis de mesa com o clube?
Eu sou jogador contratado por um clube, recebo um salário, temos locais de treinamento e, em alguns casos, técnico, massagistas, preparador físico, que é o meu caso. Então, posso me dedicar somente ao tênis de mesa, o que fica dificultado no Brasil, principalmente a questão do salário. Aqui a gente tem todo esse respaldo do clube.
Você já chegou a receber algum tipo de patrocínio do Poder Público, do Governo Estadual, por exemplo?
Nunca. Na verdade, o grande apoio que eu tive do meu Estado foi de pessoas próximas no começo da carreira. Algumas vezes viajei com apoio de outros jogadores, que tinham mais condições, que viam meu esforço, conheciam meu pai. Apoio formal ou informal de governo, nada.
Você começou a temporada com uma contusão grave (tendinite no joelho esquerdo), que quase o tirou do Pan-americano do Rio. Depois disso, voltou a ser top 100 no ranking mundial e ganhou medalhas no Pan. O que vem pela frente ainda neste ano?
O começo deste ano foi conturbado. Fiquei completamente desamparado. Sofri uma tendinite no joelho esquerdo no final de 2006 e, nessa época, eu estava jogando por um clube na Alemanha que não viu com bons olhos a lesão. Eles não viram que a coisa mais normal do mundo é um atleta se machucar. Fiquei sem salário por oito meses e realmente passei por um aperto no início do ano. Mas dei a volta por cima, voltei a jogar bem e a ficar entre os top 100. Hoje, o objetivo é fazer uma boa temporada pelo meu clube aqui da França, porque estou voltando agora e eles abriram as portas para mim. Quero jogar o Circuito Mundial para me manter entre os 100 do mundo e tentar melhorar minha posição. Lógico, sempre com o pensamento nas Olimpíadas (de Pequim 2008).
Como foi esse período de oito meses sem receber salários por conta da lesão?
Quando eu me lesionei, eles (alemães) cancelaram meu contrato, pararam de me pagar. Quando tentei fazer alguma coisa a respeito já era tarde, por causa da legislação alemã. Não sabia como agir e acabei perdendo meus direitos. Além disso, com a lesão, fiquei sem poder jogar o Pré-Pan, sem saber quando poderia voltar a jogar no meu melhor nível e sem ter nenhuma fonte de renda. Mas isso me deu força. Acredito que os vencedores se fazem nas adversidades. Apesar de, no começo, ficar preocupado, tratei logo de usar isso como motivação a mais para me superar e, hoje, consegui meus objetivos.
Você cogitou a possibilidade de retornar ao Brasil nessa época?
Nunca, pelo contrário. Fiquei aqui treinando, me preparando, porque tinha condições melhores de me preparar, de dar a volta por cima.
E com relação ao Pan. Como você avalia a sua importância no ouro por equipes? Você ficou chateado com o bronze no individual?
O Pan foi dividido em etapas. A primeira era a disputa por equipes, que era a grande chance ganharmos o ouro e também pela questão do recorde do Hugo (Hoyama), que se tornaria o maior medalhista de ouros (do Brasil) em pans (nove medalhas no total). Vencermos seria importante para o tênis de mesa. Nós éramos favoritos, mas foi bom. Isso porque, apesar de toda a pressão, soubemos administrar bem a pressão e conseguir essa medalha. A segunda etapa era o individual. Primeiro, eu queria chegar na luta pelas medalhas. Mas, no fundo, minha meta era ganhar o ouro. Tinha sido vice no Pan (Santo Domingo) passado, já havia ganho dos principais jogadores que estavam ali e não queria nada além do ouro. No individual, terminei frustrado. Tentei não demonstrar tanto, porque a torcida estava ali presente. Mas, realmente, saí abatido. A exposição que tivemos durante o Pan foi importante para divulgar o esporte. O fato de ter sido no Brasil, no Rio, ajudou muito. Só tenho a agradecer, principalmente à imprensa cearense, que me apoio muito.
Pelo que você viu no Pan, o Rio de Janeiro possui condições de sediar uma Olimpíada, como a cidade almeja em 2016?
Uma Olimpíada no Brasil poderia trazer muita coisa boa para a sociedade em si, mas se as metas forem cumpridas. Porque não é só você ter ginásio para os jogos, envolve outras coisas. O que eu posso dizer é que, na questão das arenas, dos locais de competição, o Brasil não deixou nada a desejar a Olimpíada de Atenas (Grécia), que é a única que eu participei. Nossa Vila Olímpica (Pan-americana, na verdade) estava muito melhor que a de Atenas e os locais de jogos no mesmo nível. Agora, a cidade em si, acredito que precisa melhorar para ter chances reais de pleitear ser sede de uma Olimpíada.
Como você imagina a disputa de Pequim 2008? Dá para pensar em medalhas?
A Olimpíada você divide em três grupos: os que são favoritos; os que vão para passear; e o que eu me encaixo, que é o dos jogadores que podem surpreender. Estou distante de me considerar favorito, mas me recuso a ir para uma Olimpíada ou qualquer torneio para participar. Acho que não é mentalidade de vencedor. Isso nunca aconteceu comigo. Não coloco limite na minha capacidade.
Você não é oriental, que possui fama de concentrado. Então o que faz o Thiago Monteiro, um cearense de sangue quente, ser mais compenetrado do que muitos orientais?
Eu diria que é um pouco do treinamento e da personalidade. No tênis de mesa, os atletas têm que ser concentrados porque o jogo é muito rápido, termina um ponto já tem que focar no outro. No meu caso, eu me policio muito nessa questão e jogo melhor assim. Quando estou isolado, consigo mentalizar o jogo e visualizar as jogadas. Além disso, tem um pouco da minha personalidade. Sempre fui tímido, introvertido. E uma coisa encaixa perfeitamente com a outra.
E o que você leva do Ceará quando está nas competições?
Eu sou orgulhoso de ser cearense, de falar como o povo cearense, de ter uma mentalidade de garra, de uma pessoa que quer se superar, que reflete a mentalidade do nosso povo. O povo do Ceará é sofrido, mas carrego comigo essa necessidade de quebrar esses paradigmas e mostrar que aí também tem gente capaz de fazer algo de bom e trilhar novos caminhos. Sempre que estou jogando, tento lembrar das minhas origens e ver como foi difícil estar onde eu estou hoje.
O que o Ceará precisa para ter outros ''thiagos monteiros''?
É uma pena eu ter que falar sempre que temos talentos, material humano. Mas falta estrutura de uma forma geral. Gostaria de chamar atenção para a falta de treinadores, de pessoas capacitadas para ensinar o tênis de mesa. E, infelizmente, no Ceará é difícil se viver disso e essas pessoas acabam tomando outro rumo na vida. Falta um trabalho nas escolas, de levar o tênis de mesa, uma mobilização geral da federação e da Secretaria do Esporte do Estado.
Você possui algum projeto social em mente para quando parar de jogar?
Eu já pensei nisso várias vezes. Mas, para mim, ainda é um sonho distante. Estou com 26 anos e para um tipo de projeto desse ser feito eu teria que estar presente e, no futuro próximo, a minha presença é difícil. Mas acho que, mesmo eu não estando presente, a federação tem capacidade de começar alguma coisa.
Thiago, você é torcedor do Ceará, mas que tipo de torcedor é o Thiago? Você acompanha de que maneira teu time do coração?
Acompanho através do meu pai e do meu irmão (Alexandre). Gosto de ir ao estádio quando estou em Fortaleza. Mas escutar em rádio eu não sou fã. Não consigo nem entender direito o que o pessoal fala. Mas assistir ao jogo ao vivo eu gosto e vou sempre que posso. Ligo para casa, geralmente toda quinta e domingo, e uma das primeiras coisas que meu pai me fala são os resultados o Ceará.
Em entrevista ao O POVO, em 2003, após o Pan de Santo Domingo, você falava que tinha orgulho de fazer o que gosta, de ter transformado um hobby em profissão. Até quando o Thiago vai continuar fazendo o que gosta pelas mesas do mundo afora?
Espero que seja por muito tempo ainda. Eu me sinto privilegiado de ter no hobby a profissão, o que é muito difícil hoje. Eu sempre tive muito claro isso na cabeça e quero prolongar ao máximo. E, depois de parar de jogar, fazer alguma coisa pelo tênis de mesa, estar no meio.
Fonte: O Povo