Pádua Martins – O desafio da saúde secundária em Fortaleza
O sistema de saúde no Município de Fortaleza é montado desde época do Brasil Império até a década de oitenta do século passado. No ano de 1851, em plena epidemia de febre amarela nasce a Santa Casa de Misericórdia, sendo aberta duas enfermarias para as ví
Publicado 16/09/2007 11:56 | Editado 04/03/2020 16:37
Neste primeiro momento, este nosocômio realizava um papel generalista, abrangendo o que hoje nós chamamos de saúde primária (cuidados básico), o secundário ( cuidados de média complexidade ) e o terciário ( aqueles cuidados de maiores complexidade em saúde ) respeitando a tecnologia em saúde da época.
Com o advento da república, começa a ser formado uma rede de postos de saúde bem distribuída feita em meados do século passado, como também surgem os hospitais federais de alta complexidade, como exemplo cito o Hospital de Maracanaú trazendo serviços de Tisiologia.
Posteriormente, já na era dos militares estando na década de 1960, surgem o Hospital Geral de Fortaleza e o Hospital Geral de Messejana, através grande investimento em saúde por parte do Governo Federal.
Então tínhamos várias unidades de saúde ( os postos de saúde), atingindo uma boa capilaridade na cidade, bem distribuídos, obedecendo uma geopolítica necessária em saúde, com um sistema de saúde onde tínhamos bons hospitais terciários que também realizava papel de assistência primária e/ou secundária, devido ausência do secundário e um sistema primário ineficiente, acrescido a um total isolamento entre estas duas redes, se poderíamos falar em rede.
Foi da década de 80 do século passado que o secundário passa a ser constituído com o advento dos “Gonzaguinhas”, unidades do Estado nomeado em homenagem ao governador da época, Gonzaga Mota e os “Frotinhas”, unidades da Prefeitura e nome devido a sua vinculação que mantinha com a Assistência Municipal, isto é, o Instituto Dr. José Frota, hospital especializado na emergência e urgência.
Estas unidades secundárias, bem distribuídas geograficamente, mas não seguia um rito gerencial racional e sim interesses “politiqueiros” sendo elas de baixa eficiência e alto custo, com poucos leitos tendo difícil sustentabilidade.
No início da década de 90, o então Prefeito Ciro Gomes com sua secretária de saúde Dra. Ana Maria, aplicou uma política de revigoramento nas unidades de saúde primária como concursos e equipamentos neste setor. Após isto, um esquecimento no secundário se instaurou com o prefeito Juraci Magalhães, houve um desmonte no que Alcaide anterior havia realizado, associado a falta de planejamento e visão de futuro. Irresponsavelmente, com visão somente eleitoral, o “grande advento” da reforma e ampliação do IJF for a realizado, apesar da necessidade e importância, a falta de uma pactuação com o Estado, já que serve a outras cidades, levou a um consumo financeiro, sacrificando o primário e secundário, agravado com a explosão populacional da cidade que num período de sete anos teve um acréscimo de setecentos mil, passando de dois milhões para dois milhões e setecentos mil aproximadamente. A combinação desses fatores históricos descrito favoreceu decididamente a formar uma cultura hospitalocentrica, com a população não mais acreditando no sistema primário e voltando-se aos hospitais para suas necessidades de baixa, média e alta complexidade, determinando a estas unidades o seu estrangulamento e perversão de sua missão.
É nesta conjuntura de uma rede primária baseado em postos de saúde desaparelhados e carentes de recursos humano, também como secundários sofrendo por falta de pessoal, equipamentos além da ausência de políticas estratégicas em saúde e hospitais terciário perto de um colapso, outros com portas fechadas (Frotinha da Parangaba e HNSC que havia fechado por 15 dias suas portas) que assume a prefeita Luiziane Lins e convida o médico Odorico Monteiro a ser o secretário de saúde, profissional com larga experiência em gestão no setor primário, tendo passado por várias cidades como secretário.
Ao assumir a pasta, faz-se a elaboração de um planejamento estratégico, com uma visão fortemente voltada ao setor primário, baseado no PSF, realizando concurso e preenchimento de vagas para médicos, dentistas e enfermagem. Houve neste momento um grande acerto em voltar-se para a medicina preventiva e primária, um grande impacto na saúde e novo olhar na elaboração de políticas de saúde, mas associado a um erro na sua execução, sem um preparo logístico, como também a falta de um planejamento anterior de racionalização do setor secundário. Estes fatores determinaram uma elevação de consumo orçamentário, pois no ano de 2006 chegou-se a mais de vinte e cinco por cento, mesmo assim colocando os hospitais secundários em difícil situação, pois ganhara também complexidade, sendo reequipados. Exemplos, temos um frotinha de Antônio Bezerra ganhando uma UTI adulto, o HNSC leitos de UTI neonatal e médio risco, reequipou-se as UTUs dos demais hospitais. Novos equipamentos de diagnósticos foram adquiridos, assim como aparelho de ultra-sonografia, radiologia, equipamentos de suporte de vida avançado em várias unidades do secundário. Há um paradoxo na saúde que o ganho de novas tecnologias não leva a uma diminuição de custeio e sim, o seu aumento. Acresce-se a isto, as unidades de saúde secundária compostas de hospitais com 50 leitos, a exceção fica por conta do HNSC com 98 leitos credenciados, mas trabalhando realmente com 122 leitos.
Todo este relato nos arremete para a necessidade da realização de um plano diretor da saúde secundária voltando-se a racionalização sem perder a perspectiva de humanização, este sendo um grande desafio que necessita de uma ampla discussão com os técnicos da saúde, políticos e a população. A Secretaria de Saúde aproxima-se intensamente das políticas de humanização do Ministério da Saúde, onde vários seminários e treinamentos são realizados e posto em práticas, apesar das adversidades estruturais, financeira e cultural.
Estudos na Inglaterra foram feitos revelando a insustentabilidade de hospitais com menos de 120 leitos e em sua reforma sanitária houve extinção ou fusões desses pequenos hospitais. Um comparativo desta verdade encontra-se em nossa cidade como, por exemplo, nós temos o Gonzaguinha da Barra e o HNSC, tendo os dois praticamente a mesma quantidade de pessoal, e sabe-se bem que o peso do grande custeio em saúde são os recursos humanos. Esta comparação é marcante e a decisão das fusões elevaria o número de leitos ofertado na cidade, em cima de um real sustentabilidade financeira, como também a eficiência de sua estrutura física e de recursos humanos.
O caminho está posto para uma política da saúde no município de Fortaleza em referência ao secundário: A fusão destas unidades de porte secundário em quatro grandes hospitais secundários, oferecendo um número bem maior em leitos para a cidade, em seu total O remanejamento de seu pessoal para estas novas unidades, sendo que os espaços deixados, na geopolítica de saúde, por estes hospitais menores seriam preenchidos através de unidades primárias de pronto atendimento (UPPAs), além de um sistema de transporte como fortalecimento da rede em verdadeiros links entre o primário e secundário.
Esta abertura e análise têm a pretensão de provocar um grande debate em torno do que seria melhor à população, em se tratando de atendimento secundário, trazendo tanto as melhores cabeças pensantes em saúde, como a própria população para opinar em seu destino.
Antônio de Pádua Martins é médico