Roupa americana contamina meio-ambiente da China
O ano passado, investigadores do governo chinês meteram-se por um buraco no muro de cimento que cerca a fábrica de têxteis Fuan Textile Mill, no sul da China. Qual o objetivo? Uma inspeção de surpresa ao edifício. O que encontraram ligou os alarmes em dez
Publicado 17/09/2007 09:50
Os habitantes da aldeia próxima tinham protestado porque a fábrica, propriedade de Fountain Set Holdings Ltda, sediada em Hong-Kong, tinham feito com que a água do seu rio ficasse de cor vermelho escuro. As autoridades descobriram uma canalização enterrada debaixo do solo da fábrica, que vertia diariamente para o rio cerca de 22.000 toneladas de água contaminada pelos processos da tinturaria.
Nas décadas que decorreram desde que as empresas estadunidenses recorreram às fábricas chinesas para fazer produzir camisas, jeans e tênis baratas, usadas diariamente pelos seus clientes, que o ar, a terra e a água chineses tiveram que pagar um alto preço.
A China enfrentou duras críticas pela falta de segurança das suas exportações, desde a pasta dentífrica aos brinquedos tóxicos. Mas agora os ativistas ambientais e o governo chinês começam a destacar o outro lado do problema: o papel que têm as multinacionais no aumento da contaminação da China, quando procuram preços cada vez mais baixos para os produtos do país.
Por exemplo, os preços das exportações de tecidos e roupa para os Estados Unidos caíram 25% desde 1995. Isto deve-se, em parte, à pressão que as cadeias de lojas de venda ao público exercem por cada vez preços mais baixos. Uma das razões tradicionais por que as fábricas chinesas mantém os seus custos baixos é por lançarem as suas águas residuais diretamente nos rios. O tratamento da água contaminada custa 13 centavos por tonelada, de modo que as grandes fábricas poupam centenas de milhar de dólares por ano ao lançarem as água residuais nos rios, infringindo as leis chinesas sobre a contaminação da água.
“Os preços dos EUA são artificialmente baixos” disse Andy Xie, ex-economista chefe da Morgan Stanley na Ásia. “[Os EUA] não estão a pagar os custos da contaminação, e é por isso que a China é um desastre ambiental”.
A indústria têxtil é uma das mais poluentes da China. Além de metais pesados e alguns cancerígenos, as tintas das fábricas contêm altos níveis de materiais orgânicos e, amiúde, o fio é submergido numa solução de amido, antes de se incorporar no tecido. A decomposição de grandes quantidades destes compostos orgânicos pode absorver todo o oxigênio de um rio, matando os peixes e transformando a água num lodaçal estanque.
O principal produto da Fountain Set são as camisetas de algodão fino que empresas como a Gap, Target e Eddie Bauer Holdings vendem. Fountain Set também comercializa uma gama de tecidos não prejudiciais para o meio ambiente, como o algodão orgânico. A empresa, que está cotizada na Bolsa de Hong-Kong, tem 20.000 empregados e as suas receitas anuais superaram no ano passado os 900 milhões de dólares.
Desde a inspeção realizada em junho passado, a Fountain Set pagou 1,5 milhões de dólares de multas e investiu 2,7 milhões para atualizar as suas instalações de água.
Muitas empresas de roupa distanciam-se da Fountain Set, alegando que não são suas clientes diretas, mesmo quando utilizam os seus tecidos. As grandes cadeias de venda a público, normalmente, trabalham diretamente com o fabricante para fixação das cores e estilo dos tecidos de cada temporada, mas em última instância podem comprar os produtos da Foundation Set através de um fornecedor que talha e cose os produtos terminados.
A Nike foi a única empresa com quem se falou para fazer este artigo, e forneceu provas de ter supervisionado a fábrica Fuan por infrações ambientais, antes da investigação do governo chinês.
Desde 1999, a fábrica passou todas as inspeções de qualidade da água da Nike. Mas as provas eram voluntárias e exigiam que a fábrica entregasse as suas próprias amostras de água a um laboratório contratado pela Nike. A empresa disse que era pressuposto que a empresa “recolhia amostras significativas das águas residuais”, mas reconhece que “seria possível falsificar a amostra”.
Fountain Set assegura que as amostras que apresentou não estavam falsificadas.
Muitas outras empresas estadunidenses reduziram os seus pedidos àquela fábrica ou suspenderam durante algum tempo a sua relação com ela.
A inspeção da Fountain Set faz parte de uma campanha cada vez mais intensa do governo chinês para travar a poluição, depois de três décadas de expansão industrial. A província de Guangdong, na China, onde esta sediada a Fountain Set, está submersa numa nuvem tóxica. A sua paisagem é feita de chaminés industriais, auto-estradas de oito pistas, onde umas 50.000 fábricas produzem brinquedos, telemóveis e produtos eletrônicos. Aqui, em Dongduan, um importante centro de produção, o ar cheira a borracha queimada. Por pressão de Pequim, o governo provincial realizou uma enérgica campanha contra as indústrias contaminantes, para estimular um crescimento mais ecológico. Entre 20% e 30% da contaminação da água na China provém de bens que se fabricam para a exportação, segundo os cálculos de Xie, o economista.
Os ativistas chineses estão a tentar que a cadeia de fornecimento da indústria têxtil seja mais transparente. Para isso, querem estabelecer vínculos entre as fábricas chinesas e as multinacionais que compram os seus produtos. “Queremos que saibam que na China estamos atentos”, asseguar Ma Jun, um conhecido ativista chinês responsável por um website que compila dados sobre as fábricas poluidoras.
* Este artigo foi publicado no The Wall Street Journal e publicado pelo site Diario.info