Secretário reconhece falha nas estatísticas da SSPDS

O secretário da Segurança Pública do Estado, Roberto Monteiro, reconhece que o setor de estatística da pasta é ''amador'' e ''pouco confiável''. Em entrevista concedida ao Jornal O Povo, ele demonstrou desconhecimento sobre erros de números da Secretaria,

''Não temos na Secretaria nenhum estatístico. É uma fragilidade terrível''. Confirmando a pouca confiabilidade dos números divulgados pelo setor de Inteligência da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), o secretário Roberto Monteiro reconhece que a estatística da pasta é ''amadora''. A Secretaria informa, com base em números da Coordenadoria Integrada de Operações Policiais (Ciops), que aconteceram 987 homicídios em Fortaleza e Região Metropolitana em 2007, enquanto levantamento feito a partir de dados do Instituto Médico Legal (IML) da Capital aponta 1.316 mortes, 33,3% a mais.


 


 


Na entrevista, Roberto Monteiro demonstrou de início não acreditar na discrepância constatada pelo jornal, tanto que mostrou uma estatística arquivada no computador de seu gabinete que apresentava o número de 987 mortes. Numa série de telefonemas feitos a partir de seu celular para assessores, no entanto, o secretário vai descobrindo, no decorrer da entrevista, que os dados da Ciops não levam em conta uma série de situações, como alguns casos de homicídios realizados em cidades da Região Metropolitana e mortes de pessoas após atendimento médico em hospitais. E que, por isso, a estatística não reflete a realidade de violência na Grande Fortaleza.


 


 


Ao perceber o erro, Roberto Monteiro diz que o dado da Ciops não deve ser mais considerado como oficial. De acordo com o secretário, apenas a Coordenadoria de Inteligência (Coin), que checa dados de outros órgãos ligados à Secretaria, seria fonte fidedigna. Ele admite que o Estado perde por ter usado por muito tempo os números da Ciops como oficiais. ''A estatística é uma base não só para políticas públicas, mas também para operações'', explica.


 


 


A partir da divergência tão grande no número de homicídios na Região Metropolitana de Fortaleza, entre os dados do Ciops e do IML, por que a Secretaria da Segurança não consolida como seu dado confiável e definitivo o que é informado pelo IML?


 


Esse problema foi diagnosticado por volta de setembro (de 2007), de tal maneira que até chamou a atenção do governador. Nós nos reunimos lá pra tratar dessa temática das estatísticas. O que ocorre é que os registros do IML correspondem aos cadáveres que chegam lá. Aí temos cadáveres que chegam da Região Metropolitana de Fortaleza e também os que chegam do Interior. Lembro que conversamos com o governador só sobre estatística, estava o pessoal todo lá, ele preocupado. Foi discutido isso na hora e se concluiu que deveria unificar. O próprio governador achou estranho. ''Como é que é? O IML tem uma estatística e a Ciops outra?''. E havia outra, da Secretaria. Estava uma coisa desencontrada. E essas estatísticas são dadas, se forem de Fortaleza, em função de dados do Ciops. Porque a Ciops diagnostica só mortes de Fortaleza e Região Metropolitana.


 


 


No levantamento do O POVO, foi feita essa separação para chegarmos ao dado de 1.316 homicídios em 2007. Quem morreu em 2006 e só foi registrado em 2007 não entrou, quem não morreu em Fortaleza e Região Metropolitana não entrou no levantamento, nomes repetidos (falha de registro comum pelo IML). Fizemos essa triagem.


 


Tenho comigo a informação de todas as mortes ocorridas em 2007 (Capital e Região Metropolitana). Foram 987. Separei dessas as mortes por características de execução, que são 337 durante o ano. São dados nome por nome, fornecidos pelo Ciops. A gente tem nome, acusado, descrição do fato, de cada um, tintim por tintim.


 


 


O senhor acha que isso acontece por qual motivo, já que a morte é um dado incontestável?


 


Teria que conversar com o doutor Maximiano (Leite Barbosa, coordenador técnico científico da SSPDS) pra saber o motivo dessa diferença de registro. Temos centralizado toda essa parte de estatística na Coordenação de Inteligência (Coin). E estatística se refere ao total da Região Metropolitana e ao total do Estado. A gente separa. Mas desconheço essa discrepância. Sei que na época (da reunião com o governador) havia. O motivo foi dado como sendo o de que o IML atendia a mais cidades do que o Ciops. Mas essa diferença é muito grande, em termos de estatísticas é um absurdo.


 


 


Por que essa plataforma de dados de homicídios não é seguida a partir do IML?


 


 


É o seguinte: houve uma determinação de que as estatísticas de homicídio fossem centralizadas na Coordenação de Inteligência. Vou falar com o coordenador, porque o que sai no site é o que a Inteligência fornece, justamente para fazer a verificação de números, para ver a fidedignidade. Tanto que a gente não divulga mais número da Ciops.


 


 


Por essa situação, é possível a Secretaria mudar a plataforma de dados de homícidio?


 


Um momentinho, deixa só eu conversar com o homem da Inteligência para ver o motivo dessas divergências (neste momento, o Secretário liga a primeira vez do seu celular para o delegado Loredano Pontes, coordenador da Inteligência da SSPDS. Depois de alguns instantes, o secretário consegue completar a ligação. Expõe a ele a situação levantada pelo O POVO. ''Não é um desvio pouco não, viu doutor? É significativo. Acima de 30% a mais. O senhor sabe dizer o motivo dessa discrepância?'' A conversa se estende por cerca de cinco minutos. O secretário sugere falar com Maximiano Leite, coordenador técnico científico, para saber se ele corrobora com a hipótese levantada pelo telefone.) Olhe, ele (Loredano) me deu a seguinte explicação. Há ocorrências que são atendidas pela Polícia Civil e não são comunicadas à Ciops. O cidadão morre na Caucaia, avisa à delegacia da Caucaia, que manda o pessoal lá, chama o rabecão, expede guia e vai para o IML e a Ciops não fica sabendo. A Ciops não é um órgão de centralizar estatísticas. Foi um dos motivos até porque se retirou isso da Ciops. Estava havendo deformações não apenas em homicídios. Em furto, é gigantesco. É avisado à delegacia e a Ciops não tem conhecimento. Roubo é a mesma coisa.


 


 


Pelo nosso levantamento, há um terço de homicídios de 2007 que não está registrado na Inteligência. E estão no IML.


 


A base de dados que não se pode desconsiderar é o IML. Porque cada corpo é um dado, não se tem como negar. Na Ciops são ocorrências, a coisa virtual. Não baseado propriamente no que viu, mas no que recebeu de informação. A Ciops baseia-se nisso. O IML baseia-se num fato insofismável. Há um corpo que entra no necrotério, que gera uma estatística. Mas essa morte é Região Metropolitana ou é morte de fora? Isso já cabe à análise.


 


 


É o que nos foi dito. O dado da Secretaria é o dado da Ciops. A Assessoria de Imprensa pode confirmar. (Neste momento, a assessora de imprensa interina da SSPDS, Nadja Juvêncio, acompanhando a entrevista, explica ao secretário como a informação oficial, solicitada ao setor, foi repassada ao O POVO).


 



Nadja: Foi passado pela Ciops os dados de homicídios que os repórteres pediram. É tanto que o coronel Aristóteles Coelho, coordenador em exercício da Ciops, explicou para eles como é feito. Do jeito que o senhor está dizendo, o coronel explicou. O que tem na Ciops é essa quantidade e o que tem no site as guias cadavéricas. Então ele disse que o que registram é essa quantidade mesmo.



Monteiro: Mas a Ciops registra por exemplo o que entra no IML?



Nadja: Não. Ele disse que algumas mortes que sabem que realmente aconteceram.


 


 


Os dois dados, da Ciops e do IML, não estão equivocados. São metodologias diferentes. Mas a base de informações do IML não deveria ser considerada como a mais real, em relação aos homicídios?


 


Estamos com um problema sério, que foi diagnosticado na reunião de setembro. Estamos esperando urgente que saia a lei de modificação da estrutura da Perícia Forense, porque vai haver um remanejamento e surgir a condição da gente criar oficialmente uma coordenação de estatística, para ser um cargo privativo de estatístico. O senhor sabe que não temos na Secretaria nenhum estatístico? Nenhum. É uma fragilidade terrível. Essa base de dados é feita por dois majores da PM e um coordenador, o doutor Loredano, que também não é estatístico. É um delegado federal como eu. Em estatística a gente precisa ter cuidado. Não sou estatístico, mas tenho lido a respeito. E há uma série de nuances que podem levar a interpretações diferentes, se isso não for feito de forma precisa e científica. E aqui, isso é uma realidade, a gente tem feito de forma amadora. Porque só é feito por pessoas que não são profissionais de estatística. Digo com toda franqueza que estamos, nesse ponto de estatística, muito fragilizados. O que vocês estão dizendo, eu desconhecia realmente, porque não tenho tempo de olhar estatísticas. Estou mais preocupado em resolver outros problemas bem mais cruciais, embora reconheça que é um pecado meu, deveria também ver isso. Estou aguardando o momento para ter na Secretaria uma estatística confiável. Porque digo com franqueza, faltaria com a verdade, não seria ético se dissesse que nossa estatística é totalmente confiável. Não é, tem problemas sérios. Uma coisa é haver erro de estatística por coleta, interpretação etc. A outra coisa é haver erros por subnotificação. O que se comentou na época? No ano de 2006 ou 2005, o pessoal teria medo de publicar estatísticas altas, com medo de que se interpretasse que estava havendo insegurança muito grande. Aí mascaravam a estatística. A entrevista volta a ser interrompida, desta vez por ligação feita pelo delegado Loredano. O secretário volta a explicar como foi feita a matéria e pergunta como é consolidada a estatística de homicídios pela Coordenadoria de Inteligência) A questão já sei qual é (diz, ainda mantendo a ligação com o coordenador). É que os dados de homicídios que eles têm, acompanhando caso a caso, que são os 987, são os registrados pela Ciops, que são os dados que tenho.


 


 


Foi o que nos foi fornecido como oficial pela Assessoria de Imprensa.


 


(Continua na ligação com o delegado Loredano) Já esclareci o que é. Quando houve a operação Companhia do Extermínio, nós, para demonstrarmos a quantidade de homicídios que estava acontecendo… Tenho que fazer um mea culpa porque acompanho a quantidade de execuções desde abril, maio do ano passado. A minha fonte, eu Roberto Monteiro, com relação a homicídios por execução, é Ciops. Veja o que aconteceu: quando divulguei na época o número de homicídios e casos de execução, fiz questão de divulgar esses casos que eu tinha. Caso a caso, para demonstrar que não era chute. E divulguei também o número total de homicídios, baseado na Ciops. Só que agora, olhando e refletindo melhor, esse número meu, tanto de homicídios como de execuções, é maior. Então a estatística que eu pessoalmente tenho é maior, porque não a beberei no SIP e não vi no IML. Tá esclarecido. Estava até assustado com essa discrepância, mas está bem esclarecido. Meridianamente esclarecido. (Encerra a ligação com o delegado Loredano) O autor da confusão fui eu. Olhe só. O número oficial é o da Coin.


 


 


Qual é o número oficial?


 


O senhor peça à Coin que ela fornece. Vou explicar a razão desse quiproquó. O que faz a Coin para consolidar dados? Se abebera na Ciops, ele diz que nem vai no IML, pega Ciops e SIP. Aí consolida. Pode acontecer de um dado da SIP não estar na Ciops, e toda Ciops necessariamente tem que estar no SIP, como inquérito ou não. Às vezes nem instaurou inquérito ainda. (O secretário volta a explicar como armazenava seus dados de homicídios e de execuções. Neste momento, se dirige ao computador de sua mesa para explicar como recebia as informações)


 


 


A gente considerou o que nos foi fornecido oficialmente.


 


Claro, vocês têm razão.


 


 


Outra coisa: historicamente, a polícia sempre trabalhou com dados de homicídios fornecidos pela Ciops. Se a gente quiser comparar, por exemplo, ao número de mortes de 2006, qual será o dado oficial? Ciops.


 


O que era um erro. Há homicídios que não são registrados na Ciops. (O secretário passa a mostrar na tela um boletim da Ciops, com informações entre 1º de janeiro e 19 de dezembro de 2007. Até a data, 321 execuções. Total de homicídios, 943). Se o senhor olhar minha estatística do dia 31, vai ver 987 homicídios e 337 execuções.


 


 


Então não é necessário mudar a forma de divulgação? Passar a informar o que a SIP e Ciops somam?


 


No caso, o erro foi meu porque na hora que entreguei o documento, meu foco era mais o das execuções.


 


 


Esse é um erro histórico, sempre se divulgou assim. Se a gente pede oficialmente os casos de homicídios… 


 


Tá errado, tá errado. Também havia um pouco de bagunça aqui, quando houve a reunião com o governador para dar um pouco mais de ordem na coisa. O homem da Ciops, por ter amizade, divulgava. O da delegacia especializada divulgava a estatística dele. O IML divulgava a dele. Nossos dados estatísticos fornecidos à Secretaria Nacional de Segurança (Senasp) de 2006, se o senhor olhar lá, estão em branco. Eles vivem cobrando. Não há dúvida nenhuma que a exclusão de Fortaleza do Pronasci deveu-se a falha nas estatísticas. É falha e muito, mas não chegava a um número desses (refere-se ao levantamento feito pelo jornal). Esse número, de 987 homicídios, foi passado por mim sem ter refletido muito nisso. (Volta a ligar para o delegado Loredano e explicar como teria se dado o repasse de informações ao jornal. Pede que o coordenador informe ao O POVO o total de homicídios ocorridos em 2007. Os dados foram prometidos para ontem, mas não foram repassados.)


 



Fonte: O Povo