Nomeado o primeiro desembargador comunista da Bahia
O advogado Lourival Almeida Trindade é o mais novo desembargador do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (TJ). Nomeado pelo governador Jacques Wagner na última sexta-feira (18/1), Trindade ocupa a vaga destinada à advocacia na composição do TJ-BA, qu
Publicado 23/01/2008 00:50 | Editado 04/03/2020 16:21
Vermelho – O que essa nomeação representou para senhor?
Lourival Trindade – Para mim representa uma oportunidade para que eu possa, dentro de um espaço institucional mais amplo, dar representatividade a um pensamento mais democrático perante o Poder Judiciário. Hoje existem operadores jurídicos que têm, como eu, um pensamento mais progressista, voltado para um direito novo, um direito insurgente. Porque existe um direito estatal que sempre representou a opressão de certos setores, é um direito que serve basicamente às elites dominantes. Por isso nós buscamos um direito que represente os anseios mínimos de justiça dos setores mais débeis e mais oprimidos da nossa sociedade. Eu trago essa visão, imaginando que possa dar a minha parcela mínima de contribuição, parcela essa calcada dentro da ética e com uma visão libertária e emancipatória do próprio direito. E agora na condição de desembargador, tendo sempre como escopo, como base do meu atuar, a vocalização desses setores mais reprimidos e mais desafortunados da nossa sociedade.
V – E para o município de Livramento de Nossa Senhora?
LT – Creio que Livramento deve estar feliz com essa nomeação. E também eu gostaria de fazer uma justiça em relação à terra onde eu nasci, porque na verdade eu nasci num município pequenininho chamado Água Quente. Como disse o escritor Adonias Filho em Corpo Vivo, ''todo adulto é uma criança voltada às suas raízes''. Essas raízes de Água Quente eu faço questão de ressaltá-las, porque a mídia, de maneira geral, tem me colocado como de Livramento. Em Livramento estão as minhas raízes de coração e é uma cidade da qual eu tenho um título de cidadão. Então eu faço questão de proclamar isso, porque entre os dois municípios o meu coração balança.
V – O Poder Judiciário tem recebido críticas que dão conta da necessidade de reformas, em que direção você acha que essas mudanças deveriam apontar?
LT – A crise não é só do Poder Judiciário, é do próprio Estado. Mas falando especificamente sobre o nosso Poder Judiciário, há três crises básicas que o afetam, que são de ordem institucional, estrutural e funcional. A primeira tem relação com o fato de o nosso Judiciário ter vivido dentro dos tempos da ditadura militar um processo de atrofiamento. Porque faltava vontade política por parte do poder Executivo, que foi se agigantando cada vez mais em detrimento do Poder Judiciário. Porque era conveniente manter um Poder Judiciário atrelado, dependente, rastejante; para que quem estivesse dominando continuasse dominando. Contrariando postulados históricos de que os Poderes são independentes. E nós agora estamos tentando esse resgate histórico. Para que o Poder Judiciário volte a ocupar no cenário da tripartição dos poderes o espaço que a ele é reservado em qualquer Estado democrático. Em relação à crise estrutural, trata-se de algo que todo mundo conhece, que é a falta elemento humano, equipamentos. Porque também há uma vontade política no sentido de deixar o Judiciário de cuia na mão, mendigando, justamente para que ele não se fortaleça. E finalmente a crise de funcionalidade, que tem uma relação com o nosso modelo, que é arcaico, obsoleto. Porque desde a formação dos nossos operadores políticos, eles são expostos a um paradigma liberal burguês. Nós temos essa má formação que nos faz julgar litígios individuais, quando a um consumidor jurídico que precisa e clama que o Judiciário traga respostas para as demandas coletivas. É uma nova visão que se deve ter do Judiciário para que ele se recicle.
V – Ao anunciar a escolha do seu nome, o governador Jacques Wagner ressaltou o fato de estar, talvez pela primeira vez na história da Bahia, nomeando um desembargador comunista. Que diferencial um comunista pode oferecer para o exercício da função de desembargador?
LT – Um comunista tem em primeiro lugar um exercício ético cotidiano, essa é uma das bandeiras intransigentes do partido. Eu não tenho uma grande experiência como militante, mas o ser comunista eu sempre carreguei comigo. E eu quero carregar essa ética que o partido tanto contribuiu para que eu pudesse aprimorá-la. E, em segundo lugar, a nomeação de um comunista, que advém dos quadros do PCdoB, para o Judiciário da Bahia, é sim um marco histórico relevante. Eu me sinto honrado com essa escolha do governador e vejo isso com muito orgulho e muita satisfação.