Hartung precisa do equilíbrio de forças no Espírito Santo

Para manter-se no topo da política capixaba o governador não pode errar na mão ao distribuir os espaços de poder entre as forças políticas regionais.

Por Namy Chequer*


 


Pela primeira vez na história recente do Espírito Santo poderá haver uma combinação eleitoral entre o interior e a região metropolitana da Grande-Vitória, com as forças distribuídas de tal modo que ninguém terá seu domínio aumentado ou diminuído além do que parecer razoável ao governador Paulo Hartung.  Esta é a pretensão dele, que deseja tranqüilidade para emplacar com segurança o seu sucessor em 2010. Combinação eleitoral? Isto existe?


 


A resposta é sim. Deu certo pela primeira vez na região metropolitana nas eleições de 2004 e não foi o governador quem inventou. Na verdade, antes, nas eleições municipais de 1992 tinha havido uma tentativa, empreendia pelo então governador Albuíno Azeredo. Naquela época a idéia era uma distribuição de forças da base do governo Albuíno, eleito dois anos antes, que se daria da seguinte maneira: o PT elegeria João Coser para prefeito de Vitória, tendo como vice João Luiz Tovar, do PDT do governador. Em Vila Velha o candidato a prefeito era Arnaldo Mauro, do PSB, ficando como vice Cláudio Vereza, do PT. Pela combinação, o PTB elegeria a prefeita de Serra, Penha Feu Rosa, tendo como vice Tadeu Motta, do PCdoB. E em Cariacica se daria o inverso, com o candidato a prefeito do PDT, Aloízio Santos, tendo como o vice alguém do PTB.


 


Deu tudo errado, porque partidos e lideranças importantes ficaram de fora do combinado e o PT e o PDT estavam rachados. O resultado foi o que se viu: em Vitória deu Hartung, do PSDB, com o apoio do então prefeito, Vitor Buaiz, do PT. Em Vila Velha Vasco Alves, do PMDB, saiu vitorioso porque soube se aproveitar da dissidência aberta pelo sobrinho de Arnaldo, Max Filho, do PDT. Em Cariacica Aloízio venceu, mesmo com a dissidência aberta pelo então petista Juca Alves. E em Serra, ganhou Vidigal, do PDT dissidente do governador. Aquela foi, portanto, a primeira tentativa de uma combinação eleitoral na região metropolitana.


 


Já a combinação eleitoral na Grande-Vitória de 2004 foi um sucesso total. PT, PDT e PSB articularam um acordo, pelo qual os petistas elegeram os prefeitos de Vitória e Cariacica e o PDT elegeu os de Vila Velha e Serra. O PSB ficou com a vice dos quatro. Deu tudo certo, sobretudo porque o governador Paulo Hartung estava naquele ano sem filiação partidária e prometendo que não iria interferir nas disputas municipais – exceto nos casos em que o pessoal do crime organizado estivesse ameaçando vencer em algum município importante. O êxito do combinado foi tão espetacular que o governador, preocupado, tratou de desmanchar a aliança vitoriosa de 2004. Em 2006 chamou Renato Casagrande para ser seu companheiro de chapa para o Senado e com isto atraiu Coser para a aliança. Coser se encarregou de travar a candidatura de Vereza. Este acabou se conformando em indicar a primeira suplente de Casagrande, escolha que recaiu sobre Ana Rita, de Vila Velha, terra do concorrente, o velho Max Mauro. Hartung, na seqüência, puxou Ricardo Ferraço para sua vice, derrubando as pretensões senatórias de Luiz Paulo, acomodou os projetos eleitorais das lideranças de menor porte e, por fim, isolou o PDT. Vidigal e Max foram até ousados ao pretenderem encarar a colossal aliança, mas o resultado foi uma derrota esmagadora da oposição.


 


Agora, em 2008, o quadro é diferente. Mas o projeto de uma eleição combinada entre as forças governistas está presente e, desta vez, articulado pelo próprio governador. A novidade é que a combinação pretende alcançar a um só tempo a região metropolitana e os principais municípios do interior. Assim, a força que obtiver posições vantajosas na região metropolitana cederá espaço aos aliados no interior. O caso mais notório é o do PSB, que deverá ceder ao PMDB as vices que possui atualmente em Vitória, Velha Velha, Cariacica e Serra. A compensação acenada é o apoio dos demais partidos para os seus projetos em Colatina, São Mateus, Guarapari e outros municípios onde o PSB reúne condições para competir. Por isto fala-se tanto que Coser e Helder Salomão terão vices indicados pelo PMDB, da mesma forma que em Serra, inclusive mesmo na hipótese de Vidigal ser o candidato a prefeito pelo PDT.


 


Mas será que Vidigal entrou no combinado? A resposta é sim. Não que ele tenha acertado detalhes da operação com o governador. É que os aliados do governador, PT e PSB, estão levando para Vidigal exatamente esta proposta, já previamente acordada entre eles. A Vidigal não interessa um confronto com as forças reunidas pelo governo estadual e nem Paulo Hartung pretende criar embaraços à eleição dele para a prefeitura de Serra, desde que lá permaneça durante a sucessão de 2010, quando poderá até tirar proveito da condição de principal eleitor de um dos mais importantes municípios do Espírito Santo. A prefeitura de Serra estaria de bom tamanho para Vidigal. Ao mesmo tempo, seu antecessor, Audifax Barcelos, poderá virar depois secretário estadual, posto político de projeção que Vidigal não teria condições de oferecer a quem, afinal, não lhe faltou quando quis voltar à prefeitura. Vidigal sabe que Audifax se fará merecer do prêmio pela sua opção pela resignação, após ter sido tão instado a trair seu criador.


 


Enfim, para cada disputa municipal há uma história de alianças de combinações para 2008. Em Vitória, por exemplo, Coser está aberto à indicação do PMDB, que deverá se dar numa combinação com o PSDB. Ou seja, tanto o presidente do PMDB, Lelo Coimbra, poderá indicar um nome que agrade ao mesmo tempo ao PSDB, como o inverso pode acontecer e o vice de Coser ser alguém do PSDB que contemple simultaneamente ao PMDB. E Renato Casagrande concordaria se todos apoiassem as pretensões do PSB pelo interior afora. A pergunta é: de onde poderia vir eventuais resistências ao que está sendo combinado?


 


Ora, a resposta é simples: viria daqueles que pretendem nacionalizar as eleições municipais de 2008. Círculos nacionais do PSDB e do PT querem manter a polarização da política brasileira em torno destes dois partidos. Portanto, a nacionalização das eleições só interessa a ambos os partidos e a mais ninguém. É claro que existem políticos em outros partidos menores que raciocinam com a cabeça ou dos tucanos ou dos petistas. O PT exerce forte influência sobre membros de partidos que considera periféricos porque sobre os quais sempre buscou impor a submissão política e ideológica. Da mesma forma, os tucanos estão acostumados a rebocar como linha auxiliar um outro conjunto de forças acomodadas diante da liderança do PSDB. Por isto o presidente do PSDB, Luiz Paulo Veloso Lucas, claudica perante da proposta lançada à mesa pelo governador. Já Coser não tem estes pruridos, quer é se reeleger e vem fazendo qualquer concessão, deixando petistas mais ideológicos – e que sabem das vantagens proporcionadas pela polarização – arrepiados. Assim sendo, em cada cidade os arranjos têm suas peculiaridades, mas seguem o mesmo padrão.


 


Mas os tempos são outros e cada força pretende atuar de forma mais protagonista. Em 1992 o projeto de Albuíno não funcionou porque deixou de fora forças emergentes com projetos administrativos mais avançados para os municípios. A disputa ficou imprevisível e a imprevisibilidade na política incomoda bastante. O governador Paulo Hartung investe na busca do equilíbrio, a fim de que nenhuma força viva da política capixaba fique de fora. Não vai ser fácil. Não há unanimidade na delegação oferecida ao governador para que ele exerça papel de juiz ou maestro. Por mais reconhecimento que haja sobre a sua legitimidade e liderança para harmonizar os interesses, haverá questionamentos. De concreto o que há é um consenso de que a política capixaba está sendo refundada e até agora Paulo Hartung aparece como o líder mais adequado pilotar o processo.


 


A refundação da política no Espírito Santo decorreu do esgotamento do formato anterior, no qual os políticos já não mais representavam interesses de segmentos sociais ou de setores econômicos – o que é legítimo, nos dois casos, numa sociedade democrática onde as classes estão em disputa permanente. No que se convencionou classificar como a era do crime organizado no Espírito Santo, os políticos andavam representando tão somente a eles mesmos, da forma mais mesquinha e desconectada do elemento coletivo. Hoje não. O que se vê são políticos representando, alguns até organicamente, a grande indústria (Vale, Aracruz, Arcelor Mittal, etc), os servidores públicos, os agricultores, os policiais, comunidades populares, sindicalistas, empresários, igrejas, e uma enormidade de interesses concretos. Na democracia a política serve exatamente para isto. Cada qual no seu cada qual.


 


Assim, se o governador quer ter êxito na sua engenharia e com isto manter-se no topo de política capixaba, terá que ter sabedoria e parcimônia na distribuição dos espaços das forças. Não subestimar ninguém e reconhecer que os partidos, por menores que estejam hoje, se pretendem protagonistas, até para crescerem um dia. O governador precisa mostrar capacidade de perceber quem está em decadência e em ascensão. Caso contrário pode, ou sofrer uma derrota que atrapalhe seus planos de uma sucessão tranqüila em 2010 ou reforçar uma certa tendência à oligarquização do poder com a manutenção da indesejada polarização tucano/petista. Já perguntava Garrincha: combinaram com os russos?


 


*Namy Chequer é Jornalista Comunista.