A vitória de Tropa de Elite, um Vidas Secas do Brasil urbano
Tropa de Elite ganhou o Urso de ouro, o grande prêmio do festival de cinema de Berlim. Ganhou porque é um filme espetacular. No Brasil, infelizmente, muita energia foi desperdiçada na polêmica inútil sobre o suposto viés ideológico da obra. At
Publicado 20/02/2008 21:14
Se se fizer um balanço de todas as críticas dirigidas ao filme, ele não foi acusado em nenhum momento de deficiência estética ou técnica. Nem foi dito que retrata uma realidade inexistente. Tropa de Elite é mais uma prova da superioridade do realismo sobre escolas artísticas de inspiração subjetivista e abstrata.
Tropa de Elite é o nosso Resgate do Soldado Ryan. E o José Padilha é um Steven Spielberg, só que com menos dinheiro e fazendo filmes falados em português. Se Machado de Assis tivesse produzido em inglês, seria um Shakespeare. Pouco ou nada tenho a acrescentar ao que escrevi a respeito de Tropa de Elite, antes mesmo de seu lançamento oficial:
Tropa de Elite é um filme espetacular. É um Vidas Secas do Brasil urbano. Como na obra de Graciliano Ramos, transportada para o cinema por Nelson Pereira dos Santos, a vida dos personagens não tem progressão real. São, literalmente, vidas secas, só que desta vez no asfalto e no morro do Rio de Janeiro da virada do século (21).
Os personagens de Tropa de Elite são somente peças de um mecanismo, que sobrevive para garantir o conforto e o vício da classe dominante. No Brasil rural de Vidas Secas, ela se confundia com uma oligarquia insensível e desumana. No filme de José Padilha, assume os ares de uma burguesia e uma classe média drogadas e filantrópicas. Trata-se de um ecossistema.
Bem, o filme não fica melhor por ter abocanhado o Urso de ouro. Só que num país como o nosso, de mentalidade colonizada, sempre é bom o cara obter o que aqui, sintomaticamente, é reverenciado como “reconhecimento internacional”. Vê lá se o americano ou o europeu estão preocupados com “reconhecimento internacional”.
O fato é o seguinte. Os americanos fazem cinema como ninguém. Só que desta vez, nesse assunto, alguém criou um filme melhor do que eles jamais haviam feito. E o prêmio de Berlim é superior ao Oscar. O festival alemão é internacional. É na capital alemã, mas poderia ser em Pyongyang ou em Buenos Aires. O Oscar é um troféu dado à indústria cinematográfica americana. De vez em quando, premia-se um filme em inglês feito fora dos Estados Unidos.
O Oscar é tão americano que tem uma categoria de “melhor filme estrangeiro”. Que deveria se chamar “prêmio ao melhor filme chato”. Como tem filme chato concorrendo ao Oscar de melhor filme estrangeiro! É um cercadinho, um puxadinho para a periferia saborear os restos da festa maior.