OAB nacional cobra informações sobre arquivos do Araguaia
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) encaminhará ao Superior Tribunal Militar (STM) uma notícia-crime para que seja investigada a denúncia de que foram destruídos documentos do serviço secreto das Forças Armadas do período de 1964
Publicado 20/02/2008 20:56
O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) quer uma investigação sobre destino dos arquivos militares de 1964 a 1985, que podem revelar a forma como operou o governo brasileiro durante a Guerrilha do Araguaia, movimento guerrilheiro de resistência à ditadura, encabeçado pelo PCdoB na década de 70 na região do rio Araguaia, que abrange os estados do Pará e Tocantins. A dura repressão militar ao movimento provocou a morte de dezenas de guerrilheiros. Os restos mortais da maioria deles até hoje não foram encontrados.
Uma notícia-crime será encaminhada ao Superior Tribunal Militar (STM) pedindo uma “investigação profunda” sobre o que ocorreu com a documentação.
De acordo com o relator da proposta, o conselheiro Nélio Machado, o extravio desses documentos “é uma tentativa de se apagar da história do País algo de escabroso que, efetivamente, ocorreu, com violências, sevícias, torturas e mortes na chamada Guerrilha do Araguaia”. A proposta de apuração de responsabilidades nesse caso foi feita pelo jurista Fábio Konder Comparato e aprovada, por unanimidade, pelos conselheiros da OAB. “Essas pessoas devem responder pelo crime de extravio de documentos, contemplado pelo Código Militar e que prevê pena de reclusão de 2 a 6 anos”, afirmou Machado.
“A OAB tomou depoimentos, inclusive de pessoas que atuaram do lado da repressão, e de jovens soldados, que alegam que têm sequelas em função de tudo o que aconteceu. Essa prova vai ser apresentada ao Superior Tribunal Militar”, informou o conselheiro.
Parentes de desaparecidos e mortos durante a guerrilha também já entraram com um processo contra a União há 10 anos, na 1ª Vara Federal de Brasília, pedindo a abertura dos arquivos.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinou no final do ano passado a volta do caso à instância de origem.
Atualmente, a 1ª Vara Federal aguarda parecer do Supremo Tribunal Federal (STF), já que o processo foi desmembrado em dois – um (recurso especial) foi para o STJ e outro (recurso extraordinário), para o STF – e a União recorreu de um deles na Corte Suprema.
O governo criou, em 2003, uma Comissão Interministerial para identificar os desaparecidos da Guerrilha do Araguaia. A comissão concluiu, no ano passado, que os documentos foram destruídos. O que a OAB quer agora é justamente encontrar responsáveis pelo desaparecimento dos arquivos.
“O Estado responde pelos excessos de qualquer dos seus funcionários, e militares são funcionários públicos. Mas, na verdade, o que a OAB está priorizando é a questão específica do crime em si, correspondente ao extravio da documentação oficial”, explicou Nélio Machado.
Dirceu: a verdade precisa aparecer
Em comentário publicado em seu blog, o ex-deputado José Dirceu apoiou a iniciativa da OAB, que qualificou de “oportuna”. Segundo ele, “a apuração da repressão, tortura, mortes, assassinatos e desaparecimentos políticos no Brasil, naquele período da ditadura militar, é a única forma de se virar esta página e colocar os fatos no devido patamar que devem ter na história”. “Os familiares dos mortos no Araguaia só querem saber como seus parentes morreram, localizar os corpos e dar-lhes a cova a que tem direito todo ser humano”, diz Dirceu.
O ex-ministro comentou ainda que “devemos, civis e militares, com espíritos desarmados, sem ódio e sem revanchismos, desencadear esse processo de apuração, porque não há outra alternativa – ou o fazemos ou continuamos com essa mancha e com esses cadáveres insepultos por toda a nossa vida como nação”.
Países vizinhos como Argentina, Chile e Uruguai, também vítimas de ditaduras militares à mesma época, já desencadearam esse processo. Abriram seus arquivos e deram início à apuração e à revisão histórica daquele período. Os Judiciários da Espanha e da Itália já solicitaram informações ao Brasil – no caso da Itália há um pedido judicial para que sejam presos 13 brasileiros que participaram das operações conjuntas de eliminação de adversários das ditaduras no continente.
“Não tenhamos ilusões, não há como fugir a responsabilidades. A verdade, mais cedo ou mais tarde, aparecerá e eu entendo que quanto mais os militares brasileiros resistirem e demorarem a contar esta história – o que sabem, aquilo a que tiveram e têm acesso – pior”, finaliza Dirceu.
Da redação,
com agências