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Rio: relutância de Cesar Maia favorece epidemia de dengue

O número de pessoas atingidas pela dengue no município do Rio segue crescendo de forma assustadora. De segunda para terça-feira a cidade teve mais de 1.100 casos. Desde janeiro, 20.269 pessoas ficaram doentes em decorrência da dengue. A média de casos

Numa em entrevista à Rádio Globo, o prefeito Cesar Maia (DEM) disse à tarde que “já houve uma epidemia e que sempre que um óbito é informado, ele se refere a 40 dias ou 30 dias atrás, porque há necessidade de exames laboratoriais”. “O momento hoje é de declínio”, afirmou o prefeito, sem reconhecer que a falta de ação da prefeitura que ele administra é a principal responsável pelo caos na área de saúde no Rio de Janeiro.



Para Roberto Medronho, que é professor de epidemiologia e fez mestrado em dengue, do ponto de vista técnico os índices divulgados pela prefeitura estão equivocados. De acordo com o site da Secretaria municipal de Saúde, para que seja considerada uma epidemia, a incidência de casos deve ser de 470 por cem mil habitantes, que é a média dos anos epidêmicos.



“Se contabilizar os anos epidêmicos, nunca mais haverá uma epidemia de dengue no Rio. Não podemos ter como parâmetro um ano como 2002, quando foram registrados 138.027 casos”, explica Medronho. “Não existe uma taxa de incidência determinada. Cada local deve analisar a sua base histórica”.



O infectologista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Edmilson Migovski vai ainda mais longe no alerta. Segundo ele, o número oficial de casos de dengue no Rio de Janeiro pode ser 30 vezes maior do que o anunciado pelos órgãos de saúde, isso porque apenas um em cada dez casos é notificado pelos médicos que fazem atendimento nas emergências dos hospitais.



Além disso, nem todos as pessoas infectadas apresentam os sintomas da doença. De acordo com o infectologista, este pode ser o caso de dois em cada três pacientes. “O que nós vivemos hoje no Rio de Janeiro é uma catástrofe. Um médico de emergência que precisa atender 40 ou 50 pacientes em uma manhã não consegue parar para notificar todos os casos. Ou ele atende, ou ele notifica”, afirmou Migowski.



Equipes reduzidas



Segundo o Ministério da Saúde, uma das razões do alto número de casos de dengue no Rio, ao contrário da queda de registros da doença no restante do País, pode ser a baixa cobertura do Programa Saúde da Família (PSF). Segundo especialistas, a ação de agentes comunitários visitando casas o ano todo ajudaria a controlar o avanço da doença.



Levantamento do próprio ministério mostra que o Rio tem uma das menores proporções do País de agentes de saúde e de equipes do PSF com médico e enfermeiro em relação à população: 14,4% e 8,1%, respectivamente (números de janeiro). De acordo com os dados mais recentes, o município acumula 19.169 notificações de dengue em 2008, com 28 mortes.



Mas o prefeito Cesar Maia diz não ver relação entre o número de equipes do programa e a prevenção da doença. Apesar de o Ministério da Saúde arcar com metade dos custos das equipes, aumentando assim os repasses federais para a cidade, a prefeitura do Rio não tem demonstrado interesse em ampliar a rede. Aos técnicos da pasta, as autoridades municipais se queixam do custo do programa, cerca de R$ 30 mil mensais por equipe.



Sindicato culpa poder público



O Sindicato dos Médicos do Rio vai apresentar uma notícia crime contra a prefeitura para responsabilizar o poder público pela epidemia de dengue. O presidente do sindicato, Jorge Darze, chamou, durante entrevista coletiva no próprio sindicato nesta quarta-feira (19), a situação de crime sanitário.



Para não parecer que é uma ação política contra o prefeito Cesar Maia, o Sindicato também incluiu as esferas estadual e federal na denúncia. Para Jorge Darze, a prefeitura não pode oferecer uma estrutura tão precária, o governo do estado tem que exercer o poder regulador e fiscalizador junto aos municípios, já que é ele que gere toda a rede através do Sistema Único de Saúde, e o governo federal não pode apenas liberar o dinheiro, mas deve monitorar em que tipos de investimento a verba vem sendo usada.



A gravidade da situação fez o governador em exercício Luiz Fernando Pezão suspender o ponto facultativo de quinta-feira na rede estadual de saúde. O mesmo aconteceu com a rede municipal de saúde, que teve o ponto facultativo suspenso.



O aumento do número de mortes pela dengue levou ainda a Secretaria estadual de Saúde e a Defesa Civil a pedir às Forças Armadas que ajudem no combate à doença , oferecendo leitos para a população civil. Representantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica negaram inicialmente o pedido, alegando que os leitos já estão ocupados por militares e seus dependentes com sintomas da doença, mas na próxima semana, será dada uma resposta definitiva.



Por enquanto, autoridades do estado e do governo federal criaram uma central de regulação de leitos para pacientes com dengue – 164 vagas já estão disponíveis em hospitais estaduais e, nos próximos dias, mais 85 leitos serão criados em nove unidades federais.


 


Na mídia: dois pesos, duas medidas



Ao contrário do estardalhaço feito pela imprensa quando se noticiou, no início do ano, o aparecimento de alguns casos isolados de febre amarela, desta vez parece que a mídia não vê nada de anormal na epidemia de dengue no Rio.



Os jornais fluminenses têm dado destaque ao assunto, mas em São Paulo e outras regiões, o tema é tratado com discrição.



O próprio ombudsman da Folha de S. Paulo´, Mário Magalhães, registra isso em sua crítica diária do jornal. “A Folha não saiu hoje com chamada sobre dengue na primeira página. Nem na Folha Corrida, que se configura como a primeira página número 2, com as notícias e opiniões que sobraram da capa. Nem em alto de página. Nem em meio. Nem em rodapé. Nada. Nem uma linha”, registra MAgalhães.


 


Ele considera que o fato de o jornal ter dedicado um editorial ao assunto na edição de hoje (19) mostra como o tema é importante, mas ao mesmo tempo revela a contradição do jornal que não levou o assunto para as páginas de notícias. 


 


“A Folha é o diário mais nacional do país, com mais leitores fora do Estado onde é editado. Na quinta-feira, noticiou na primeira página uma morte por febre amarela adquirida em área rural do Paraná. Neste ano, as mortes por febre amarela já foram manchete. Mas todos os casos decorreram de transmissão longe de região urbana. Houve mais mortes por dengue só no RJ do que por febre amarela em todo o país. A dengue campeando na segunda cidade do Brasil não mereceu uma só linha.
É o que se chama de insensibilidade jornalística”, completa Magalhães.


 


O que para o ombudsman parece ser apenas insensibilidade jornalística, pode na verdade esconder uma opção editorial do jornal que não está disposto a revelar as mazelas de uma administração do DEM, partido do prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, protegido de José Serra, a quem a Folha sempre soube proteger de más notícias.