Wallerstein: O que Obama pode mudar?
Parece agora bastante provável, embora ainda não seja seguro, que Barak Obama será o candidato democrata à presidência. E parece muito provável que poderá ganhar a presidência contra John McCain. Também se afigura seguro que crescerão as maiorias democ
Publicado 19/03/2008 18:27
Este é o ponto que parece ter encontrado eco entre os eleitores, inclusive muitos que nunca tinham votado antes. Claro, “mudança” é um termo ambíguo e seu significado varia conforme quem o use. Mas parece que o assunto “mudança” corresponde a um grande incômodo nos Estados Unidos com a atual situação do país e do mundo. As zonas de maior incômodo são a Guerra do Iraque e o estado da economia.
Os atrativos de Obama: mudança e estilo
O que a maioria dos eleitores parece estar dizendo é que considera a Guerra do Iraque como um atoleiro, e que foi um erro ter invadido aquele país. Quanto à economia, os eleitores parecem dizer que seu nível de vida vem caindo e têm muito medo que despenque ainda mais. Assim, rejeitam basicamente as principais linhas de argumentação do regime de Bush, a quem responsabilizam em grande medida por seu incômodo.
Está menos claro quais são as mudanças específicas que os eleitores desejam. Porém algo desejam.
Obama tem um segundo atrativo além da ênfase no tema da mudança. É uma questão de estilo. Ele afirma que deseja falar com todo mundo. Em nível internacional, com as supostas forças inamistosas e com os supostos aliados; e em nível interno com pessoas de todas as facções políticas. Isso contrasta com a insistência de Bush em dizer que há grupos com quem os EUA não deveriam negociar jamais.
Há um segundo tipo de atrativo estilístico de Obama. Ele diz e repete que “sim, podemos!”. Este é um lema que retomou de César Chávez, o legendário líder hispânico dos trabalhadores agrícolas dos EUA, cujo lema era “Sim, podemos!”. Este ponto atrai particularmente todos aqueles que têm se sentido marginalizados no sistema político estadunidense, para os quais o lema lhes dá poder.
Um debate sobre a pergunta errada
Assim, agora que Obama parece perto de se converter no presidente, começou uma considerável discussão, na imprensa, na internet e no mundo político, sobre o tipo de mudanças que Obama de fato pretende fazer. Esta me parece a pergunta errada. A verdadeira questão é totalmente diferente: qual tipo de mudanças ele pode fazer.
O histórico de Obama é o de um democrata liberal, que se opõe à Guerra do Iraque e cujo jeito de trabalhar sempre foi de centro-esquerda, às vezes com ênfase e em outras com muita prudência. Está claro que ele tenta conferir um estilo diferente à Casa Branca. Mas está bastante menos claro em que as políticas que pretende implantar são tão radicalmente diferentes. Mas mesmo supondo que Obama seja mais radical politicamente do que parece à primeira vista, a pergunta permanece: O que ele poderia fazer?
Sem dúvida os presidentes dos EUA podem afetar significativamente a política – George W. Bush o demonstrou –, mas eles também ficam prisioneiros do seu cargo. Por isso é importante revisar quais são as opções adotadas, em política externa, em política econômica e naquele âmbito mais fluido que poderíamos chamar política cultural.
O turbilhão do Oriente Médio
Em política externa, o tema mais imediato e avassalador é o Oriente Médio – seja pelo Iraque, seja também pelo Afeganistão, o Irã, o Paquistão e Israel-Palestina. Bush trabalhou duro para deixar seu sucessor com as mãos amarradas. Mas cometeu o erro de pensar que a política estadunidense no Oriente Médio está em primeiro lugar nas mãos do governo dos EUA. Já eu não penso assim. Há um turbilhão de forças na região que ultrapassa a limitada capacidade de Washington para direcioná-lo.
No Iraque, lenta mas seguramente, o nacionalismo antiamericano acumula energia. No Afeganistão, os talibãs regressaram subrepticiamente ao poder de fato e, como subproduto, ameaçam o funcionamento da Otan enquanto força internacional. No Paquistão parece que os EUA estarão reduzidos a rezar em silêncio para que seu amigo Pervez Musharraf, cada dia menos popular, consiga fazer frente ao temporal. Os iranianos simplesmente decidiram que podem desafia os EUA sem correr com isso nenhum perigo real. E tanto Israel como a Autoridade Nacional Palestina pisam em terreno mais movediço que nunca, interna e externamente.
Em grande medida, Condoleezza Rice é ignorada por todos. Terá o secretário de Estado de Obama um outro tratamento?
Se o turbilhão desmancha as políticas estadunidenses no Oriente Médio, e ainda que as tropas americanas se retirem do Iraque, irão a Europa Ocidental, a Rússia, a China e a América Latina se aproximar de fato dos EUA, por mais que apreciem o estilo mais amigável e inteligente de Obama? As tendências geopolíticas subjacentes estão contra os EUA. Obama pode ser melhor que Bush; mas será tão melhor assim?
O caso não é diferente se olhamos o estado da economia estadunidense. Sem dúvida, uma administração democrata terá políticas diferentes quanto a impostos, saúde pública e meio ambiente. E provavelmente 80% da população mais pobre viverá melhor. Mas os empregos industriais não retornarão, mesmo que os EUA quebrasse os seus próprios tratados neoliberais de comércio. Também aí há um turbilhão, talvez ainda mais possante que o do Oriente Médio, fora de controle dos EUA.
Uma força popular que ganha ímpeto
Isso deixa uma esfera onde Obama pode contar com certa margem: aquele que chamo informalmente o âmbito cultural. Sua campanha mobilizou uma força popular que ganha ímpeto e autonomia. É essa gente que diz “Sim, podemos”.
Obama pode ter ajudado a despertar essa força, mas ela ganha impulso próprio e terá grande impacto sobre o que ele faça como presidente. Em um sentido amplo, é uma força que tende a empurrá-lo, enquanto presidente, para a esquerda, diretamente e através dos congressistas.
É muito difícil dizer com exatidão até onde essa força empurrará Obama. Porém seu impacto pode vir a ser comparável ao que a chamada direita religiosa teve sobre as políticas do Partido Republicano nos últimos 30 anos.
Martin Luther King disse: “Eu tenho um sonho”. O sonho de um país diferente, com outras prioridades e instituições mais igualitárias. Caso o próximo período conduzir nem que seja à realização parcial de um sonho assim, terá, claro, um impacto de longo prazo no papel que os EUA jogam no sistema-mundo, e no que desejam jogar. Terá também um impacto de longo prazo sobre o tipo das estruturas econômicas que os EUA mantêm para si, e que o mundo mantém.
A mudança de fato é possível, e é potencialmente uma mudança positiva. Tudo depende muito menos de Obama que do resto de nós. Mas Obama poderia, apenas poderia, dar-nos o espaço para que o “nós” do “sim, podemos”, empurrasse a ele e aos Estados Unidos.
* Sociólogo e escritor norte-americano; texto tomado do diário mexicano La Jornada (http://www.jornada.unam.mx); intertítulos do Vermelho