Aldo Rebelo: De portas abertas
País receptivo, aberto a imigrantes de todas as nacionalidades, o Brasil tem dificuldades para compreender as restrições impostas aos nacionais que se mudam à procura de trabalho. A emigração é um fenômeno recente em nossa história — avolumou-se a part
Publicado 31/03/2008 12:41
Os recentes incidentes com brasileiros na Espanha fizeram com que se invocasse o princípio diplomático da reciprocidade. Se as normas da União Européia passam a ser aplicadas ao pé da letra, deveria o Brasil fazer o mesmo. Uma olhadela individual nos espanhóis que queriam entrar no país pelo aeroporto de Salvador, antes examinados por amostragem de um em cada grupo de 10, revelou o quão escancarada é nossa política de portas abertas. Muitos não atendiam as exigências mínimas feitas aos turistas. Vieram sem dinheiro ou documento em dia ou passagem de volta, porque sabiam que somos há séculos uma nação hospitaleira. De 1890 a 1920, entraram no Brasil 551.384 espanhóis, e enriqueceram a onomástica brasileira com nomes como Ramirez, Bueno, Godoy, Martinez, Onilla, Toledo, Rodriguez. Ninguém nota que são estrangeiros.
Até ao bater à porta somos diferentes. Se os brasileiros barrados na Espanha sofrem humilhações e detenções injustificadas de dias e dias, os espanhóis aqui indesejados são despachados de volta imediatamente, se possível no mesmo avião em que vieram. Do alto da tradição de hospitalidade, o Itamaraty cobra do governo da Espanha tratamento mais adequado aos nossos compatriotas. Estão longe os tempos xenófobos do caudilho fascista Francisco Franco. Que seria, por exemplo, do futebol da Espanha sem a presença distintiva de artistas da bola como Ronaldinho e Robinho? Fala-se muito de ilegais e prostitutas, mas se o assunto é este, convém lembrar a resposta do então presidente Fernando Henrique Cardoso quando lhe perguntaram por que tantos travestis brasileiros emigravam para a Europa: “Porque a procura é grande”.
Ao mercado interessa a mão-de-obra estrangeira, mais barata e passiva. O ideal para o capitalista seria uma força de trabalho sanfona, que ele admitisse e deportasse de acordo com o ritmo da produção. O Brasil não está imune ao fenômeno, pois o gigantismo de sua economia atrai trabalhadores dos países vizinhos, dos quais os estimados 100 mil bolivianos ilegais em São Paulo são o maior exemplo.
Ao Estado, com uma visão estratégica superior à dos empresários, cabe o papel clássico de harmonizar os interesses dominantes e, no caso, observar a composição da população e prevenir impactos, não só nos serviços públicos, como os de natureza geopolítica. Os países europeus, sob o fantasma de uma taxa de fecundidade abaixo dos 2,1 de reposição da população, pagam para que seus nacionais tenham mais filhos.
Na Alemanha de 82 milhões de habitantes, vivem 2 milhões de turcos, pressionados pelo governo a integrar-se à cultura germânica. Recentemente, o primeiro-ministro da Turquia, Tayyip Erdogan, incentivou-os a resistir à “assimilação”. Na França, em 2005, a revolta da periferia, ou seja, os distúrbios provocados pelos filhos de africanos, especialmente magrebinos, acendeu o farol amarelo e desde então as autoridades da União Européia redobraram a atenção na entrada de estrangeiros. A Espanha, que tem o problema de acomodar várias nacionalidades num país, e não se destacou pela miscigenação, só recentemente passou de exportadora a importadora de mão-de-obra.
Não é problema nosso. A tradição brasileira é receber de braços abertos os Manuéis, Giovannis, Tanakas e Mohammads do passado e os Juans do presente. Consultado por uma revista da Bolívia acerca do futuro de seus nacionais no Brasil, opinei que o Itamaraty deveria facilitar a concessão de vistos de trabalho e conceder cidadania, de forma a que contribuam, como os trabalhadores vindos da Europa e da Ásia, para enriquecer o caldeirão étnico que tornou o Brasil uma nação mestiça única no mundo.
* Deputado federal pelo PCdoB-SP. Foi presidente da Câmara dos Deputados e ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República. Integra a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara.