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ONU esclarece: não há nada contra o etanol feito no Brasil

Após semanas de desentendimento, finalmente alguma autoridade das Nações Unidas veio a público esclarecer que a entidade, quando ataca o biocombustível, não se refere ao produto feito no Brasil. ''Quando falamos da influência dos biocombustíveis na econom

''Não temos nada contra o etanol brasileiro'', garante o economista, que antes trabalhou na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e no Fundo Monetário Internacional (FMI). Entretanto, pondera, isso não quer dizer que, no futuro, não possa haver relação, ainda que indireta, entre a produção de etanol no Brasil e a redução de terras para a criação de gado e, com ela, o avanço dos pastos na Amazônia.



Em entrevista a O Estado de S. Paulo, Abbassian reconhece que os subsídios nos EUA e na Europa inviabilizam projetos de biocombustíveis em países pobres. Mas estima que, independentemente dos subsídios, com exceção do Brasil e outros poucos que podem produzir álcool da cana, é ''discutível'' que países da África ou a Índia venham a ter produção comercialmente viável de biocombustíveis, como quer o presidente Lula.



A partir da revolução verde, há 30 anos, dizia-se que o mundo passou a produzir alimentos mais que suficientes para a população mundial, e o problema era de distribuição e de renda. Isso deixou de ser verdade?
Não. O problema principal, seja no Haiti ou no Egito, continua sendo o mesmo: acesso. A fome existia antes do boom de biocombustíveis e segue existindo com ele.



O fato de os asiáticos estarem comendo mais não mudou isso?
Não. A produção mais do que triplicou nesses 30 anos, acompanhando o crescimento da população e da renda e a mudança na dieta tanto na Ásia quanto no resto do mundo.



A produção de biocombustíveis pode prejudicar a de alimentos?
Pode. Os biocombustíveis introduzem uma nova demanda. Mas nossas afirmações têm sido tiradas do contexto e por isso estamos nessa confusão. Em junho, quando expusemos nossa posição sobre a influência dos biocombustíveis na economia dos grãos, não mencionamos açúcar. Quando citamos etanol, estávamos falando do derivado do milho.



Mas fomos alvo de um bombardeio do Brasil: ''O que vocês têm contra o nosso etanol?''
Nada. Leiam o relatório. Não falávamos do Brasil, que tem uma história de 30 anos de produção sustentável de álcool de cana-de-açúcar. Quando falamos de grãos, estamos falando dos Estados Unidos – o maior produtor, consumidor e exportador de milho. É lógico que, quando uma demanda tão forte de grãos emerge tão depressa, terá de ter implicações. Quem disser que não, deve morar em Marte. No ano passado, 84 milhões de toneladas de milho foram destinadas ao etanol. O comércio mundial de milho é de cerca de 90 milhões de toneladas. Em quatro anos, a produção dobrou. Os fazendeiros americanos foram capazes de aumentar a produção tão rapidamente que não só houve milho suficiente para a expansão dos biocombustíveis, mas os EUA ainda exportaram mais, destinaram mais milho à ração de animais e aumentaram ligeiramente seu estoque.



Então, qual o problema?
Os EUA tiveram de reduzir sua produção de soja e de trigo na mesma proporção em que aumentaram a de milho. A partir de março do ano passado, há um gargalo de suprimento de soja. A produção de trigo dos EUA e de outros países também caiu. Resultado: os preços dos dois grãos subiram. E o milho, apesar da produção recorde nos EUA, começou a subir também. Na safra 2007-2008, os biocombustíveis foram um dos principais fatores, não o único. Houve seca também. Na próxima safra, os biocombustíveis podem ser o fator determinante, se os preços continuarem altos.



A soja brasileira pode entrar substituindo o milho para alimentar rebanhos?
O aumento da demanda do milho para o etanol (nos EUA) pressionará o preço da soja. O Brasil é um dos poucos países com potencial de crescimento da produção de praticamente qualquer coisa, e talvez aumente a produção de soja, para atender à demanda da China e dos EUA, que têm capacidade limitada de expandir o uso da terra. O que acontecerá com as terras destinadas ao pasto? Se elas se deslocarem, irão para onde? Muitos ambientalistas têm nos dito que terão de avançar na floresta. Sabemos que o desmatamento não é para plantar cana. Essa é a cadeia que torna o biocombustível responsável. O grau de influência dele é assunto para futuras pesquisas. É um fenômeno recente demais para fazermos análises estatísticas. O que não se pode dizer é que o biocombustível é irrelevante.



No Brasil se argumenta que há terras improdutivas suficientes para a expansão da produção.
É possível. Mas, com o crescimento da demanda por grãos, as terras para pasto vão encolher, o preço da terra vai subir e a fronteira agrícola subirá para o norte. Não será do dia para a noite, não há relação direta e depende de quanto crescerá a demanda por soja e biocombustível no mundo.



O governo brasileiro se defende dizendo que os subsídios e barreiras americanos e europeus prejudicam muito mais o acesso dos pobres aos alimentos do que o biocombustível, porque impede a venda de produtos agrícolas aos seus mercados, que aumentaria a renda dos países em desenvolvimento. O que o senhor acha desse argumento?
Os subsídios foram a causa dos preços baixos no passado. De repente, o mundo está tentando ver esses preços baixos com simpatia, mas é uma falácia. Eram preços artificialmente baixos, que prejudicaram os países em desenvolvimento, que não puderam aumentar sua produção por causa desse dumping. Seus preços eram sempre mais altos. Mas isso tem mudado sob a Rodada Doha (da Organização Mundial do Comércio) nos últimos dez anos. Não vamos chegar a nenhum lugar discutindo o que é pior: subsídios ou biocombustíveis. Ambos são prejudiciais.



E quanto à possibilidade de os países pobres gerarem renda produzindo biocombustíveis?
Há cerca de um ano, a FAO recebeu propostas de projetos nesse sentido. Isso nunca foi adiante porque os EUA, a União Européia e mais alguns países desenvolvidos começaram a dar enormes subsídios para seus fazendeiros produzirem grãos. Se não fosse isso, seria válido pensar em estimular a produção de grãos na África e na Índia, que fixaria o homem no campo e geraria renda. Quando começou esse boom, houve muita discussão sobre o volume de recursos necessário para criar as condições de os países pobres produzirem biocombustíveis para os EUA e a Europa. Eu mesmo tenho três pequenos projetos de sorgo na Ásia, mas o que existe são projetos-piloto para fixar agricultores aqui e ali. Nada na escala do Brasil ou dos EUA. E provavelmente continuará assim, porque os subsídios e todos os mecanismos de dedução de impostos que os EUA colocam na produção de milho tornam impossível para esses países competir. Se é a isso que o presidente Lula se refere, faz sentido. Mas há outra questão: faz sentido para os africanos e indianos destinar a sua terra e água à produção exclusiva de matéria-prima para biocombustíveis? Isso tem implicações econômicas e ambientais, e ainda está em estudos. A economia terá a palavra final, e não a emoção ou o interesse nacional.