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Para Jandira Feghali, o Rio hoje é uma cidade doente e órfã

Indignada com o descaso com que a questão da dengue tem sido tratada na cidade do Rio de Janeiro, a pré-candidata do PCdoB à prefeitura, Jandira Feghali, aponta a falta de ações na área de saúde como a principal causa da “epidemia anunciada” que apavor

De acordo com dados da Secretaria Municipal do Rio de Janeiro – atualizados no último dia 18 – apenas em abril a cidade registrou 5.059 casos. Ao todo, desde janeiro, foram 56.919, com 54 mortes. No estado, já são 90 as vítimas fatais, número que se aproxima da epidemia de 2002, quando foram registradas 91 mortes. “A irresponsabilidade e o descompromisso com a vida foram muito grandes”, salienta Jandira.


 


Médica experiente e com amplo conhecimento dos problemas da saúde na cidade, a secretária de Ciência e Tecnologia de Niterói, Jandira Feghali aponta, nesta entrevista ao Vermelho, as causas e as formas de lidar com uma doença de tratamento fácil e que, no entanto, tirou a vida de dezenas de cariocas. E fala também da disputa eleitoral de outubro.


 


Embora ainda seja cedo para falar de plano de governo, a pré-candidata do PCdoB – que já aparece empatada em primeiro lugar com Marcelo Crivella (PRB) com 18% das intenções de voto – deverá calcar sua plataforma no binômio saúde-educação, essenciais hoje na capital fluminense.  


 



Epidemia anunciada
A dengue é uma epidemia anunciada, prevista pelos gestores e por todos aqueles que conhecem a realidade da saúde e as condições sócio-ambientais do Rio de Janeiro. A crise na cidade é sobejamente debatida. Já houve a intervenção de 2005, que não foi uma intervenção de fato. Na verdade, foi a quebra da gestão plena do sistema de saúde daqui pela impossibilidade de o município cumprir esse papel. O gestor pleno é exatamente aquele que comanda a política de saúde e integra as ações do estado e do governo federal e comanda os recursos da saúde. O município do Rio não conseguia cumprir sequer com sua parte de gestor pleno da saúde. Por isso o ministério da Saúde, na época, tomou a atitude que tomou, rompendo a gestão plena, assumindo e repassando ao estado aquela responsabilidade. Muitos hospitais foram refederalizados e um acordo se estabeleceu entre os três níveis de governo. E mais uma vez o município não cumpriu sua parte, nem no que se chama central de regulação, muito menos no que diz respeito à parte de prevenção de epidemias e à atenção primária de saúde.


 


A prevenção que deveria ter sido feita
É aí que reside a grande razão de a epidemia ter chegado onde chegou e com a força que chegou. Não só (a prefeitura) não cumpriu com a parte da prevenção, de combate ao vetor e aos criadouros do mosquito como também não estruturou adequadamente a atenção básica. A dengue é uma doença de tratamento muito fácil. Não precisa treinar ninguém para isso. Qualquer estudante de medicina trata a dengue: é preciso hidratar. Se você treinar agentes comunitários de saúde e orientar essas pessoas a prevenir a dengue; se tiver de fato um quadro de prevenção sócio-ambiental e uma estrutura educacional; se impedir o acúmulo de água, ou seja, se for feito o trabalho de prevenção que deveria ter sido feito e não foi e se a pessoa, apesar de tudo isso, tiver a doença e for prontamente atendida, se houver um laboratório à mão e uma rede hospitalar minimamente estruturada para atender a estes pacientes, as pessoas não morreriam de dengue como estão morrendo.


 


Descompromisso com a vida
O que aconteceu aqui é que faltou tudo isso junto. A irresponsabilidade e o descompromisso com a vida foram muito grandes. Na epidemia de 1986, ficou conhecida aquela célebre frase do sanitarista Sérgio Arouca: “o mosquito não é municipal, estadual ou federal”. De fato, mesmo hoje, todos os níveis de governo têm responsabilidade porque a epidemia era anunciada para todos. Então as ações, o cuidado e a preocupação deviam ser de todos e se o município não vinha cumprindo com a sua parte, deveria haver um chamamento, uma fiscalização de todos os níveis. Mas sem dúvida a responsabilidade maior é do município do Rio de Janeiro.


 



A atitude irônica do prefeito
O comportamento dele (César Maia, prefeito do Rio de Janeiro) neste período foi de negação permanente de que a cidade passava sim por uma epidemia e de que os casos iam se agravando. Ele teve uma atitude irônica com a população e esteve ausente em todo esse processo. Numa hora dessas, o prefeito não pode comandar o combate à epidemia de seu gabinete. Devia estar próximo à população, fiscalizando o que a secretaria estava fazendo; comandando diretamente e integrando as ações; abrindo escolas e clubes; procurando parcerias com o estado e o governo federal; colocando telhado em casas onde não há; orientando a companhia de limpeza urbana a recolher sucatas; trabalhando a questão sócio-ambiental com urgência; fiscalizando ferros-velhos. Devia haver uma grande ação integrada, um mutirão. A prefeitura tem televisão transmitida em rede aberta e não fez nenhuma campanha usando esse meio que pertence ao município. Quer dizer, há uma distância muito grande com relação ao sofrimento da população e ao compromisso que a gestão municipal tem dentro desse processo todo.


 



O Rio é uma cidade doente
O Rio hoje é uma cidade doente sobre todos os aspectos, apesar da alegria que o carioca mantém como característica sua. O carioca é, em essência, otimista, de bem com a vida, com uma auto-estima elevada. Por mais que ele fique magoado com o que está acontecendo com a sua cidade, ele não quer que ninguém fale mal dela. Ele quer a melhoria do Rio, mas a cidade sofre com a doença do abandono. Acho que hoje o sentimento da população é o da orfandade. O povo não sente a cidade sendo comandada. Falta aquela batuta que comanda a orquestra, que percebe quando um instrumento desafina e vai lá e conserta, sabe? A saúde envolve a forma, o espaço e as condições sócio-ambientais em que as pessoas vivem. E o carioca não sente a gestão perto dele e percebe o abandono desde as mínimas coisas até as mais graves, como o cuidado com a própria vida de cada cidadão.


 



Embate eleitoral pesado
O (Marcelo) Crivella (PRB) certamente tem o privilegiamento da Record. O (Fernando) Gabeira teve um privelegiamento de mídia nas páginas e na tevê das organizações Globo, mas não podemos afirmar que ele é o candidato da Globo, mesmo que ele tenha sido defendido por alguns colunistas, como o Merval Pereira. Existe também, para ser enfrentada, a máquina do município e há o candidato do PT (Alessandro Molon) que, em tese, está com o PMDB. Com essa aliança, no entanto, há o risco de o PMDB rachar pelo menos em três e de o PT não marchar unido com seu candidato. Não sabemos ainda qual o tamanho da força que o governador (Sérgio Cabral) e o presidente da República darão a essa candidatura. Ainda é uma incógnita o que vai ocorrer com as candidaturas do Gabeira e do Molon e como o eleitorado receberá uma candidatura apoiada pelo César Maia.


 



Percentual animador
O que posso dizer é que, sem termos tido nenhum privilegiamento de mídia e sem que boa parte da população conheça a pré-candidata Jandira Feghali – que hoje não tem mandato na cidade do Rio – alcançar esse percentual (18% das intenções, segundo último DataFolha)  é muito animador porque mostra o sentimento de identidade do eleitorado conosco e a forte viabilidade dessa pré-candidatura. Agora não podemos, com isso, achar que as coisas estão resolvidas. Precisamos garantir uma campanha absolutamente empolgante e próxima da sociedade justamente porque nos faltam todas essas estruturas. Por isso, estamos trabalhando por uma aliança ampla.


 


Maior protagonismo do Bloco
O esforço que estamos fazendo agora é o de trazer o Bloco de Esquerda para a nossa pré-candidatura. Ainda que ele não venha inteiro – já que o PRB é do bloco, mas tem como candidato o Crivella – estamos fazendo um esforço enorme de aproximação com o PDT e o PSB, respeitando sempre suas pré-candidaturas. Achamos que este é o momento do bloco assumir papel protagonista no Rio de Janeiro, que não é uma cidade de peso pequeno no Brasil. O cenário carioca pode interferir muito no arranjo político brasileiro e isso tem peso especial no atual ciclo histórico pelo qual o Brasil está passando. Além disso, o Rio de Janeiro pode cumprir um papel de referência na área das políticas públicas avançadas.


 



Frente ampla
Estamos também conversando com o PMN e com legendas menores que estão entusiasmadas por se somar à nossa candidatura. Esperamos compor uma frente boa e ampla. Queremos ganhar e governar juntos. Acho que esse é um grande desafio. Mas tenho a expectativa de que isso vai ocorrer e de que num curto espaço de tempo a gente vai conseguir a adesão de outras legendas. Queremos fazer uma frente empolgante, que crie um pólo forte para que possamos ir para essa disputa com muita força.


 



Sem atropelos
As conversas estão avançando rapidamente. Estamos tendo muita delicadeza com a candidatura própria do PDT para não haver atropelos. Também estamos conversando com o PSB local, mas principalmente montando reuniões nacionais. Acho que a questão com o PSB vai se dar muito mais pelo que vai se montar nacionalmente, mesmo considerando as opiniões regionais. Então, há um esforço para marcarmos uma reunião com as executivas do PSB e do PCdoB no Rio ainda em abril.


 



Contra preconceitos e moralismos
Acho que a campanha para o Senado teve mais acertos do que de erros, mas em campanha eleitoral a gente sempre aprende. Apesar de todas as mentiras usadas contra nós com relação ao aborto, não acho que foi essa a razão da derrota. A razão da derrota está por ser explicada. De qualquer forma, estamos nos preparando bem para as eleições deste ano. Estamos trabalhando de um outro jeito. Esta também é uma campanha majoritária, mas é para o Executivo e no plano municipal. Então, será uma campanha politizada, que vai tratar de muitos temas, focados mais em um projeto para a cidade do que em um projeto nacional, diferentemente do que acontece nas eleições para o Senado em que, apesar de discutirmos muito o estado, discutimos também temas nacionais. Estamos nos preparando para lidar com assuntos polêmicos, mas abrindo outros tipos de contatos e de conversas para evitar que tais temas sejam centrais e para evitar que a transformem numa eleição preconceituosa, moralista e desconectada do real significado das eleições no contexto de 2008.


 



Campanha torpe
Se os institutos de pesquisa até hoje não conseguem explicar a eleição para o Senado do Rio de Janeiro, o que diremos nós. Se até à noite da véspera das eleições tínhamos uma distância larga com uma tendência de queda do segundo colocado (o hoje senador Francisco Dornelles), algo aconteceu da noite para o dia. Ou algo já estava programado para acontecer. Muitas irregularidades ocorreram como boca de urna eletrônica por celular.  Tivemos, ainda, uma proporção fixa de votos do início até o final da apuração e isso é matematicamente impossível de ocorrer. Sem falar em todas as mentiras, a campanha torpe, o poder econômico usado naquelas eleições. Além da boca de urna eletrônica – ação que está na Polícia Federal – existiram fatos de última hora que nos chamou atenção. Fizemos várias petições na justiça eleitoral, todas sem resposta.