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Ronald Freitas: Raposa do Sol, uma questão de soberania

Várias notícias de conteúdo aparentemente sem conexão têm ocupado ultimamente as principais páginas dos veículos de comunicação de massas. Destacam-se, entre outras, as seguintes: o conflito envolvendo a definição do status da Reserva Raposa do Sol; as

Que relações existem entre esses fatos e como eles se ligam com a luta, atualmente em ascenço, pela construção de um Brasil soberano, democrático, desenvolvido e socialmente justo?



A conexão entre os fatos citados e o processo de consolidação do estado nacional brasileiro, em sua atual fase de construção é a de que a mídia dominante, segmentos da academia, certas ONGs, se posicionam sobre os mesmos, sem levarem em consideração os mais profundos, legítimos e soberanos interesses nacionais.


 


Consideremos, antes de mais nada, que os fatos  citados foram amplamente veiculados pela mídia nacional e estrangeira, geralmente em tom alarmista e com um viés de que impera em nosso país um governo sem rumo, que não respeita o meio ambiente e as culturas dos povos indígenas. E mais grave , que o povo brasileiro vem demonstrado, ao longo do tempo, sua histórica incapacidade de respeitar a cultura dos índios que vivem em nosso território, e de gerir um dos maiores, e um dos últimos patrimônios ecológicos da humanidade, o bioma amazônico.


 


Pontos emblemáticos dessa orquestração midiática foram os editoriais do diário americano The New York Times, e do londrino Financial Times, que afirmam, sem reservas, que com a saída da ministra Marina Silva, fica patente a incapacidade dos brasileiros de cuidar da Amazônia. Pois segundo esses jornais, os europeus, os norte-americanos, e demais países ricos do planeta, ficariam, em decorrência dessa incapacidade brasileira, sem o seu precioso ar, para respirar e fruírem suas confortáveis vidas.


 


Para nós brasileiros, que durante séculos, com muita luta, dificuldades e heroísmo, construímos nossa pátria e erguemos aos trancos e barrancos o atual Estado Brasileiro, não podemos observar essas notícias como fatos corriqueiros, isolados e que não guardam entre si relações de causa e efeito, e dizem respeito à continuidade ou não desse processo de construção e consolidação do Brasil como país desenvolvido, democrático e socialmente justo.


 


A situação política que atualmente se desenvolve em nosso país é parte de um longo processo de construção — pelos brasileiros de todas as latitudes, e de todas as extrações sociais — da nação e estado nacional brasileiros. Sendo que a argamassa, o cimento capaz de dar consistência a esse saga, foi a defesa intransigente da nossa soberania.


 



Esse processo é por sua própria natureza contraditório e se desenvolve por meio de agudas disputas e lutas entre os vários setores da sociedade.



Em certos momentos prevaleceram interesses de setores que consideram que o Brasil, pela sua história, natureza da colonização que sofremos, e acima de tudo para manter privilégios que esses setores detinham e continuam detendo, deve ser um país subalterno, dependente das potências hegemônicas do momento, ora Portugal, ora Inglaterra, atualmente Estados Unidos. Que foi explicitado na subserviente frase de um ex-chanceler: “o que é bom para os EUA, é bom para o Brasil”.


 


Em outros momentos, prevalecem embora que parcialmente, os interesses dos setores sociais que buscam a construção de um Brasil próspero e desenvolvido. Atualmente vivemos um desses períodos.


 


Nesse luta pela construção nacional, o aspecto negativo por excelência foi o caráter concentrador da riqueza produzida e a conseqüente exclusão social daí derivada.  Foi construído durante esse período um passivo social gigantesco, que macula de forma indelével o processo e construção nacional, e faz com que a sua continuidade e consolidação só seja possível com uma forte componente de reparação das injustiças que se acumularam ao longo do tempo, como as que persistem na atualidade.


 


Das frentes de luta pela superação das desigualdades sociais e problemas ambientais que existem em nosso país, a defesa do bioma amazônico e o correto tratamento às populações indígenas, estão entre as mais importantes.


 


Elas têm adquirido crescente relevância na medida em que avançam em nosso país as liberdades democráticas, e merecem apoio e engajamento em sua defesa de todas as forças progressistas e de esquerda em nosso país. Mas esse engajamento e esse apoio devem ter como eixo condutor políticas que tenham na defesa da soberania nacional um ponto inegociável.


 


O exercício da soberania nacional é condição fundamental para que exista no Brasil uma política indigenista capaz de uma verdadeira emancipação dos índios, bem como para a existência de um desenvolvimento sustentável da Amazônia.


 


Pois não passam de mistificação as versões de que governos de potências estrangeiras e as ONGs por eles financiadas, são mais interessados e capazes na preservação do bioma amazônico e de defenderem os índios. Pelo contrário, a história está repleta de fatos que mostram que as potências estrangeiras — em suas múltiplas formas de agir — sempre procuraram subjugar os povos do mundo. E, com isso, massacraram milhões de ameríndios, de asiáticos e de africanos, e que construíram seu ‘progresso’ devastando os biomas existentes em seus espaços nacionais.


 


Manter o bioma amazônico, defender a cultura e as tradições indígenas, só serão tarefas realizadas com êxito, se estiverem dentro de um processo de consolidação do Brasil como nação independente, soberana, desenvolvida, democrática e socialmente justa. Imaginar que a Amazônia e os Índios, serão salvos pela ajuda de potências estrangeiras e ONGs por elas financiadas, pode ser para alguns uma enorme ingenuidade, mas para os divulgadores e implementadores dessa política, é uma ação consciente de recolonização de nosso país.  
    
    
    
Ronald Freitas é advogado e secretário de Relações Institucionais e Políticas Públicas do PCdoB.