Bordadeiras descobrem arte de Bispo do Rosário
'Correntinha' e 'caviado'. Pontos simples do bordado e da costura, mas que juntos marcam o ineditismo da obra de Arthur Bispo do Rosário. A descoberta de quais pontos compunham a obra de Bispo do Rosário veio antes do início das filmagens de 'O Senhor do
Publicado 16/07/2008 19:34 | Editado 04/03/2020 17:20
“Precisávamos saber que ponto era esse que marcava a arte de Bispo do Rosário. Descobrimos que era um ponto muito básico, o primeiro ponto que as pessoas aprendem quando bordam, o ‘correntinha'. Mas o incomum da obra dele é que este ponto vem sobreposto pelo ‘caviado', aquilo que fazemos para fechar a casa de um botão, por exemplo”, explicou a cenógrafa do longa, Lana Benigno.
A partir da descoberta, era preciso começar a confecção das reproduções do material que faria parte do filme. A missão de refazer os caminhos do artista em Sergipe começou no fim do ano passado, quando foi iniciada a reprodução para as filmagens de aproximadamente 500 peças de um total de aproximadamente 800 que compõem o acervo de Bispo do Rosário.
Essa confecção foi feita a partir de oficinas envolvendo a mão-de-obra local, como a de Gilda Mathias. Moradora do município de Laranjeiras, ela deixou de confeccionar a renda irlandesa para produzir material com o ponto de Bispo do Rosário durante as filmagens. “Apesar de simples, é um ponto muito bonito. Eu faço parte da associação de bordadeiras de Laranjeiras, quando fui convidada para participar da oficina. Depois que acabou, me chamaram para continuar trabalhando no filme”, contou Gilda.
As vantagens em participar do trabalho foram muitas. “Aprendi coisas novas, conheci a obra desse sergipano. Ele é de Japaratuba e eu nem sabia que existia o Bispo do Rosário. Também foi muito bom porque ganhei um dinheiro extra, que serviu para pagar o curso de computação do meu filho mais velho. Ele está no último ano do colégio e antes de começar a faculdade queria ter um curso de informática. Só consegui pagar por causa do filme”.
Gilda nunca entrou em uma sala de cinema. Provavelmente, o primeiro filme que ela verá na telona será 'O Senhor do Labirinto', na estréia, marcada para o segundo semestre de 2009. “Quando me chamaram para participar, achava que era só para bordar, mas fiquei feliz em poder participar da filmagem também”, disse Gilda, que foi figurante em uma das cenas de Bispo quando criança.
Figurino
Uma parte do figurino também foi produzida utilizando a mão-de-obra sergipana. As costureiras confeccionaram 250 uniformes da Colônia Juliano Moreira, instituição voltada ao tratamento de pessoas vivendo com transtorno mental, localizada no Rio de Janeiro, onde Arthur Bispo do Rosário viveu por mais de 50 anos.
“Foi gratificante a experiência de reproduzir a arte de Bispo do Rosário na terra em que ele nasceu. A troca de conhecimento e cultura e a experiência foi intensa. Foi conhecendo a cultura dele, de onde ele veio, que a gente consegue entender melhor toda a criação. Eu acho que as costureiras também tiveram essa visão. Trouxemos Bispo do Rosário para a raiz, estamos reproduzindo a história dele para voltar para o mundo com a visão sergipana, brasileira, com a cultura dessas costureiras e bordadeiras”, opinou Simone Aquino, figurinista do longa.
Irene Santos de Jesus foi uma das costureiras que trabalhou na confecção dos 250 uniformes. Assim como Gilda, ela nunca foi a uma sala de cinema. “Foi uma experiência muito diferente. A gente vê o cinema como uma coisa muito longe da gente e, de repente, a pessoa vê que seu trabalho vai aparecer para todo o Brasil é muito bom”, acredita a costureira.
O dinheiro que Irene ganhou com o filme já tem destino certo. “Vou comprar a minha primeira máquina de costura. Sempre trabalhei com máquinas emprestadas e com as da associação da qual faço parte”, contou a moradora de Laranjeiras.
História
Nascido em Sergipe, Arthur Bispo do Rosário mudou-se para o Rio de Janeiro em 1925. Foi diagnosticado como esquizofrênico em 1938, depois de se apresentar em uma igreja dizendo ter poderes divinos. Bispo ficou internado durante 50 anos na Colônia Juliano Moreira, localizada no bairro de Jacarepaguá, no Rio. Foi lá que ele produziu todo o seu acervo, construído com a reciclagem de peças usadas, catadas no dia-a-dia da instituição.
A partir de sapatos velhos, linhas desfiadas de camisas usadas, canecas, latas e muitos outros objetos, Bispo do Rosário teceu os bordados colocados nas assemblages, mantos e uniu os pedaços que formam suas miniaturas, todos importantes peças inseridas na tarefa de reproduzir o seu universo particular.
Apoio
Através do Programa de Apoio Cultural desenvolvido pelo Banco do Estado de Sergipe (Banese), serão investidos R$ 500 mil na produção do filme. Em outro convênio, através do Fundo Estadual de Patrocínio de Projetos de Comunicação Social serão investidos R$ 270 mil, totalizando R$ 770 mil para a produção do longa-metragem.
O filme terá 95% de suas filmagens em Sergipe, contando com 80% de mão-de-obra local, entre elenco, integrantes da produção e equipe técnica. Além disso, a Tibet Filme, produtora do filme, vai doar o acervo das réplicas das obras de Arthur Bispo do Rosário para o Governo do Estado.