PCdoB lança primeira candidata travesti do Amapá

Débora Lyon é uma jovem travesti de 32 anos. Apesar da pouca idade, é experiente militante do movimento GLBT. Agora, a atual presidente da Associação dos Gays, Travestis e Transexuais do Estado do Amapá (AGTEAP) resolveu disputar uma vaga na Câmara de

Débora, como você iniciou sua militância no movimento GLBT?



Bem, eu já era gay, e em 2000 era subgerente de uma empresa de confecções e quando já estava quase chegando a gerente, fui vítima de discriminação no meu trabalho. Demitida, entrei na justiça contra a empresa e ganhei a causa. Depois disso, fiquei dois anos sem trabalho. Daí percebi que tinha que lutar contra todo e qualquer tipo de preconceito.


 



E sem trabalho você passou a dedicar todo seu tempo ao movimento?



Primeiro, deixei o ramo das confecções e passei a trabalhar como decoradora, mais isso agora. Antes, depois dos dois anos sem emprego, fui convidada pelo apresentador Ivo Canutti que apresentava um programa chamado “Cultura na cidade”. Neste programa eu participava de uma enquete que falava sobre direitos humanos. O programa tinha boa audiência, mas por dificuldades em manter a equipe, teve que sair do ar.


 



Qual a sua avaliação do movimento GLBT quando você começou a sua militância?



O movimento era muito disperso e despolitizado, por uma série de questões. Primeiro, a sociedade tinha uma visão negativa do movimento. Segundo, as próprias pessoas do movimento tinham vergonha de se assumir, parecia que vivíamos em guetos. Para se ter uma idéia, as boates homossexuais na época não faziam propaganda das suas programações em rádio e televisão e em terceiro lugar as pessoas mais politizadas do movimento usavam as demais em beneficio próprio.  Para elas os homossexuais na política serviam no máximo para fazer uma animação em comícios, uma verdadeira vulgarização do travesti perante a sociedade.


 


E, em sua opinião, quando isso começa a mudar?



Alan, isso começou a mudar com a organização da Parada do Orgulho Gay em 2004. É bom que se entenda uma coisa: este movimento já acontecia desde 2000 e tinha o nome de Marcha da Cidadania. Porém, a partir de 2004 o movimento resolveu adotar uma nova tática para integrar outros setores da sociedade na luta contra a discriminação contra os homossexuais e dar mais visibilidade ao movimento. Esta parada teve grande apoio do poder público e da iniciativa privada. Por conta disso, foi uma das maiores paradas do orgulho gay da história do movimento no Amapá e também se transformou num divisor de águas porque depois dela houve uma explosão da aceitação do movimento. Muitos travestis assumiram publicamente sua orientação sexual, muitos gays assumiram sua sexualidade e acabaram deixando suas casas, pois as famílias não estavam preparadas para aquela enorme mudança. Da mesma forma, o estado e os municípios não estavam preparados para esta mudança no que diz respeito a políticas públicas de inclusão e valorização deste segmento. Assim, logo começou a surgir a prostituição destes travestis que precisavam se sustentar.


 



Alcançado o objetivo da parada de 2004, qual foi o próximo passo?



Como já disse antes, a explosão da aceitação da homossexualidade provou que algumas das nossas instituições sociais não estavam preparadas para tamanha mudança. Porém, na opinião do movimento, o que nos era mais caro era perceber o quanto o poder público tinha dificuldade de oferecer condições para que os homossexuais tivessem acesso a todos os direitos básicos aos quais todos os cidadãos têm direito. Por isso, sentiu-se a necessidade de criar um instrumento de organização do segmento para fomentar o debate sobre políticas públicas para o movimento GLBT. Foi assim que, em 2005, nós criamos o AGTEAP (Associação dos Gays, Travestis e Transexuais do Estado do Amapá).


 


 


O que de mais positivo aconteceu com a criação da AGTEAP?



Nosso primeiro objetivo, que era dar visibilidade ao movimento, já havíamos alcançado com a parada de 2004. Depois disso, tínhamos como meta travar debates que contribuíssem na formulação de políticas públicas para o movimento. Por isso, criamos a Agteap com base em um programa nacional, o Amapá sem homofobia, que foi um programa que continha mais de 70 propostas do movimento. Dessas propostas, oito ligadas às áreas de saúde, educação e trabalho foram aceitas pela Secretaria de Inclusão e Mobilização Social (SIMS) e foram incluídas no PPA do estado. Logo no ano de 2007 foi a vez de organizar a primeira Semana do Orgulho GLBT. Este evento foi direcionado ao público acadêmico e fazia parte de mais uma etapa planejada pelo movimento de valorização e da busca por novos e mais politizados espaços de debate da questão dos diretos homossexuais.


 


 


E quais as principais vitórias da AGTEAP?



A principal foi a realização da primeira Conferência Estadual de Políticas Públicas para GLBT. O Amapá foi um dos poucos estados que organizou conferências em todos os municípios. A conferência foi toda coordenada pela AGTEAP. E ao final conseguimos ampliar o programa “Amapá sem homofobia”, com 180 propostas elaboradas em todos os municípios. O programa, agora, deixou de ser uma reivindicação do movimento e passou a ser o programa de Estado para políticas públicas para a população GLBT. Apresentamos também a proposta de criação da Secretaria de Estado de Políticas Públicas para GLBT e do Fundo de Combate à Discriminação, que tem por finalidade financiar as ações contra todo e qualquer tipo de discriminação. No caso específico dos homossexuais, ele servirá para financiar ações já aprovadas e que constam no programa “Amapá sem homofobia”, mas que sua execução esbarra na ausência de verbas destinadas à sua aplicação. O Fundo já foi aprovado na Assembléia Legislativa, mas a proposta da criação da secretaria está em fase de discussão. 


 



Com toda esta história e com passagem por outros partidos de esquerda, por que a opção por filiar-se ao PCdoB?



Sempre fui uma pessoa com convicção e ideologia de esquerda. Minha luta sempre foi a favor dos direitos humanos e contra todo e qualquer tipo de preconceito e discriminação. Percebi que nos partidos que passei o movimento sempre foi massa de manobra e apenas valorizado com fins eleitoreiros. Nunca um governante, seja estadual ou municipal, apresentou uma frase em seu programa de governo que tratasse da questão GLBT, e eu sempre lutei para convencer os meus companheiros de militância que é só através da militância política que é possível promover de fato as mudanças. Então, conheci o PCdoB e percebi que o partido discutia mais abertamente a questão dos homossexuais, me aproximei e percebi que até a aceitação era diferente, então em 2005 eu me filiei e estou até hoje no partido.


 



O que você destaca na atuação do PCdoB e que faz com que você permaneça no partido?



A unidade do PCdoB é algo que você não encontra em outro partido. Aqui os temas são amplamente debatidos, toda a militância participa dos processos de debate e defendem suas idéias, mas depois que o partido define a política, todos os militantes unem-se na ação política. Não existem grupos no PCdoB, não existem tabus no PCdoB, não existem caciques no PCdoB, me senti à vontade no partido porque me sinto parte dele é isso o que eu mais admiro no PCdoB. Milito na frente de movimentos sociais do partido e percebo que a questão GLBT no PCdoB tem muita importância, tanto que o partido criou um fórum nacional de debate permanente sobre o segmento. E o Amapá tem papel de destaque na construção da ação política do movimento em nível nacional.


 


Por que você decidiu se candidatar a uma vaga na Câmara de Vereadores de Macapá?



Na verdade, já era objetivo do movimento participar mais ativamente da vida política do nosso estado. Tivemos em poucos anos vitórias importantes, grande avanço no nível de maturidade e politização do movimento e hoje gozamos de certo respeito por parte de outros segmentos do movimento social organizado e do próprio poder público. É claro que, antes, algumas pessoas ligadas ao movimento já haviam se lançado como candidatos. Mas não tiveram êxito e nem mesmo o apoio porque o movimento não estava esclarecido da importância de se ter um representante do movimento na política. Hoje é diferente. O movimento está mais maduro, sabe da necessidade de ter maior representação e está mais unido neste objetivo.



 


Para finalizar, gostaria que deixasse uma mensagem aos leitores do Vermelho e aos eleitores de Macapá.



Gostaria de agradecer ao Vermelho pelo espaço aberto não à candidata Débora, mas sim à ativista e lutadora que tem feito de sua militância um exemplo de luta na defesa dos direitos dos homossexuais. Aos eleitores de Macapá, gostaria de dizer que não usarei meu mandato em favor de um único segmento da sociedade. É claro que como travesti sofri na pele toda sorte de preconceito e discriminação. Sei da responsabilidade que tenho para com meus companheiros de movimento. Porém sei também que discriminação não é restrita aos homossexuais. Por isso, se eleita, serei  a vereadora dos negros, das mulheres, dos trabalhadores assalariados, dos ambulantes, dos índios, da juventude, dos afro-religiosos, enfim onde houver preconceito Débora Lyon estará lá combatendo.