Messias Pontes: Tortura é crime contra a humanidade (II)

A grande imprensa conservadora, venal e golpista continua tentando manipular a opinião pública através de sofismas e mentiras, como é da sua tradição. O alvo agora é atingir os democratas que exigem a abertura dos arquivos da ditadura militar (1964 a 1985

Essa imprensa é a mesma que divulgou à exaustão o famigerado Plano Cohen, escrito pelo  capitão Olímpio Mourão Filho e divulgado em 30 de setembro de 1937 pelo general Góis Monteiro, então chefe do Estado Maior do Exército. O “plano”, que seria orientado pela Internacional Comunista, consistia na tomada do poder no Brasil para implantar uma ditadura de esquerda. Essa artimanha serviu para justificar o golpe de Estado e massacrar os comunistas. Depois ficou provado que tudo não passava de uma grosseira armação da extrema direita.


 


Essa imprensa é a mesma que no início dos anos 1950, a soldo da Standard Oil, divulgou à exaustão que não havia petróleo no Brasil; é a mesma que se posicionou contra o monopólio estatal do petróleo; é a mesma que participou da trama que acabou levando o presidente Getúlio Vargas ao suicídio em 24 de agosto de 1954; é a mesma que, depois da renúncia do presidente Jânio Quadros, em 1961, tramou contra a posse do vice-presidente João Goulart como presidente da República; é a mesma que, financiada pelo imperialismo norte-americano, incentivou e apoiou o golpe militar de 1º de abril de 1964.


 


Essa imprensa é a mesma que ajudou a fraudar a consciência do eleitor brasileiro, elegendo Fernando Collor de Mello em 1989; é a mesma que ajudou a eleger o Coisa Ruim em 1994 e a defendeu a emenda da reeleição que garantiu mais quatro anos para o Coisa Ruim; é a mesma que defendeu ardorosamente o desmonte do Estado e a entrega do patrimônio nacional na bacia das almas ao capital internacional; é a mesma que tenta desestabilizar o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva dede 1º de janeiro de 2003.


 


Hoje, essa mesma imprensa tenta jogar as Forças Armadas contra o governo Lula, em especial contra os ministros Tarso Genro, da Justiça, e Paulo Vannucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, que levaram a cabo um amplo debate na audiência pública realizada no final de julho último, sobre a responsabilização dos agentes do Estado, durante a ditadura militar, que praticaram crimes contra a humanidade previstos em todos os tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário.


 


Essa imprensa conservadora, venal e golpista mente mais uma vez quando diz que aqueles ministros querem rever a Lei da Anistia de 28 de agosto de 1979 e atingir as Forças Armadas. O que se quer, na realidade, é que a verdade seja tornada pública e que os que cometeram crimes comuns, como a tortura e o assassinato sob tortura, militares ou civis, sejam julgados pela Justiça comum, pois tortura não é crime político em nenhum país civilizado do mundo. Os mais renomados juristas brasileiros – e de todo o mundo – entendem que os chamados crimes conexos, previstos na Lei de Anistia de 1979, não são crimes como a tortura, que é crime contra a humanidade.


 


A ferida continua aberta e o melhor remédio para cicatrizá-la é fazer o acerto de contas com o passado, até para que um grande número de famílias  possa enterrar com dignidade os seus mortos. Para tanto é imperioso que se abra os arquivos da ditadura militar como foi feito na Argentina, no Uruguai, no Chile e em outros países do continente que passaram por tragédia pior que a nossa.


 


A humildade é uma das maiores virtudes do ser humano. No Chile os militares deixaram o orgulho de lado reconhecendo os crimes cometidos durante a ditadura militar e pediram perdão à nação. Lá, os arquivos da ditadura foram abertos e a partir de então todas as famílias tiveram o direito de enterrar os seus entes queridos covardemente assassinados.


 


O radicalismo precisa ser combatido. O bom senso manda que declarações fascistas como a do deputado Jair Bolsonaro, capitão da reserva do Exército, sejam condenadas pelos próprios militares. Até porque esse elemento, quando diz que “o erro foi torturar e não matar”, não representa o pensamento da esmagadora maioria dos integrantes das Forças Armadas que, hoje, são instituições republicanas.


 


É oportuno lembrar que, se o comandante do II Exército, general Ednardo D’ávila, não tivesse sido demitido pelo presidente Ernesto Geisel logo depois do assassinato do operário Manoel Fiel Filho, em 26 de janeiro de 1976, no DOI-Codi de São Paulo, novos assassinatos teriam ocorrido no quartel da rua Tutóia.


 


Antes, em 25 de setembro de 1975, o jornalista Vladmir Herzog foi torturado e morto no mesmo quartel, tendo sendo o general Ednardo D’ávila advertido por Geisel que, se outro crime semelhante fosse cometido, ele seria demitido. O comandante do II Exército não deu bolas para a advertência e continuou a incentivar a barbárie que se praticava na rua Tutóia. Como não foi punido pela morte de Herzog, a impunidade alimentou a prisão ilegal, a tortura e a morte de Manoel Fiel Filho.


 


Quando em 1978 a Justiça responsabilizou a União pela prisão ilegal, tortura e morte de Vladmir Herzog, os inimigos da liberdade e da justiça protestaram, afirmando se tratar de revanche. Nem por isso a decisão foi revogada, e o mundo não caiu.


 


A palavra revanche não existe no dicionário dos democratas brasileiros. Os democratas e patriotas respeitam e querem o fortalecimento das Forças Armadas que foram sucateadas pelos neoliberais tucano-pefelistas.  Esse fortalecimento é imprescindível, notadamente agora com o iminente perigo representado pelo ressurgimento 4ª Frota norte-americana que ronda as águas do Atlântico Sul.


 


 


Messias Pontes é jornalista