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Patrus Ananias: Os pobres não podem pagar a conta da crise

O sistema financeiro está, novamente, em crise. São ondas cíclicas, alimentadas pelos movimentos especulativos, pela instabilidade dos mercados. Com tamanha volatilidade, chega o tempo em que o capital, sem compromisso para além do lucro, se perde nas

A incerteza é parte da regra do jogo desse sistema e aqueles que especulam sabem bem disso. Os que ganharam excessivamente no tempo das vacas gordas devem ser os primeiros a perder um pouco de suas gorduras. O problema é quando resultados desastrosos ameaçam aqueles que sequer participam dos sobejos do banquete do capital. A crise foi gerada no centro do sistema capitalista; ela parte dos países mais desenvolvidos para atingir, de maneira ameaçadora, as economias de países mais pobres e dos emergentes, daqueles que estão conseguindo organizar e promover o crescimento, como é o caso do Brasil. 



O enfrentamento da crise deve ser planejado de modo a manter um patamar razoável de justiça social para que os mais pobres não paguem a conta. A gravidade da situação impõe ao mundo a necessidade de refletir sobre o momento que estamos vivendo, para buscar alternativas mais sustentáveis de desenvolvimento, na qual os países devem ser respeitados em sua soberania. Da mesma maneira, internamente os países precisam resguardar os mais pobres, em função de um compromisso ético de defesa da vida, mas também como forma de reagir ao problema. 



O Brasil não está de fora do risco, embora nossa economia já tenha demonstrado que está mais forte e com mais condições de reação do que em tempos anteriores. Foi-se o tempo em que um “espirro” no mercado americano provocava uma pneumonia em nossa economia. Um problema um pouco mais grave e éramos afetados com impactos desastrosos, com reduções nos investimentos sociais e nos salários dos trabalhadores. 



Nossa economia, agora, dá sinais claros de estabilidade. Ainda assim estamos adotando necessárias providências, implementadas especialmente pelas autoridades da área econômica, em conformidade com as diretrizes presidenciais. Mas uma coisa é certa, como já afirmou o presidente Lula em vários encontros internacionais: os pobres não podem, mais uma vez, pagar a conta da crise e os programas sociais devem ser consolidados e ampliados. 



Temos uma situação que aponta para esse caminho. Nosso crescimento tem sido “pró-pobre”, para utilizar uma expressão dos economistas, que combina a força do mercado interno com o vigor das exportações. No entanto, a crise internacional poderá enfraquecer o pilar das exportações e, portanto, temos o desafio de manter o mercado interno aquecido, com seus efeitos positivos sobre o crescimento. Sabemos que um dos pontos que temos a nosso favor é o elevado potencial de nosso mercado interno que durante muitos anos foi ignorado no país. Os investimentos nas políticas sociais estão mudando esse quadro. Em conjunto com outras políticas de proteção do poder aquisitivo dos trabalhadores de baixa renda, como a política de valorização do salário mínimo, o governo federal estimula a formação de novos consumidores. Podemos evitar que a crise amplie os efeitos no país por meio da manutenção dos recursos destinados à área social, evitando o arrefecimento do consumo popular. 



A crise externa é sobretudo de liquidez e os efeitos se propagam em cadeia. Bancos e grandes investidores, na incerteza, migram para investimentos mais seguros, financiando menos as empresas e emprestando menos às pessoas. Isso significa menor oferta de crédito interno, que por sua vez significa menos consumo; por conseqüência, as vendas se reduzem e cai a produção. Ou seja, a crise financeira chega ao mundo real, e é na segunda parte dessa seqüência que os efeitos se propagam para a maioria da população porque menor produção gera menor crescimento e redução dos empregos. 



Sob o aspecto ético e humano, a manutenção das políticas sociais impede que a fatura chegue até os que não têm como pagar. São justamente aqueles que, se confrontados com a exigência de pagamento, comprometem suas próprias vidas. Mas mesmo do ponto de vista instrumental, manter o consumo das classes pobres é uma alternativa para buscar saídas dessa situação. Certamente não se apresenta como solução definitiva, mas reduz os impactos negativos porque é um mecanismo para minimização dos efeitos da crise, como mencionei. 



A consolidação de uma rede de proteção e promoção social traduz um compromisso ético e moral do nosso governo, coerente com sua tradição política, mas também com os princípios da nossa Constituição que completa 20 anos e incorpora as grandes conquistas do Estado de bem-estar no que se refere aos direitos dos trabalhadores, dos pobres, das minorias, dos mais fragilizados, apontando também para vigorosas políticas de inclusão social, como estamos hoje implementando no Brasil. 



Certamente, muito dos investimentos previstos deverão ser reordenados por uma exigência de resposta à crise. Mas que seja preservado o dinheiro dos pobres, que é um dinheiro sagrado que lhes assegura acesso a bens e serviços básicos possibilitadores do direito à vida. O Brasil já fez sua escolha e vai mantê-la. Queremos o bem de todos, o desenvolvimento harmônico do país, mas sempre preservando o direito dos mais pobres. 



* Patrus Ananias é ministro do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 



Artigo publicado no Valor Econômico (12/11)