Ricardo Carneiro: O que esperar da reunião do G20?
A reunião dos chefes de estado das 20 maiores economias do mundo, a ser realizada em Washington neste final de semana, tem despertado esperanças de mudanças no quadro econômico global e no desenrolar da crise financeira. O fato de a iniciativa ter part
Publicado 15/11/2008 11:43
Para analisar essas possibilidades comecemos com uma distinção na natureza das questões envolvidas. De um lado, temos os problemas de curto prazo de como lidar com o aprofundamento imediato da crise e de outro, assuntos de maior profundidade relativos à construção de uma ordem internacional mais estável e harmônica. Nesses dois planos, cruciais para chegar a um encaminhamento de saídas menos traumáticas e soluções duradouras, os EUA têm demonstrado uma postura distinta dos demais países.
Tomemos a questão mais imediata referente a como evitar o aprofundamento da crise. Aparentemente, os EUA seguiram o padrão dos demais países, pois o eixo da ação foi ampliar a liquidez e evitar o colapso do sistema financeiro. Mas as distinções da forma das ações foi essencial: a Europa preferiu a ação direta, assumido parte da propriedade dos bancos, enquanto os EUA só aderiram a esse princípio relutantemente. Na Ásia em desenvolvimento, o padrão de intervenção é distinto porque, exceto no Japão, o peso do sistema financeiro estatal é muito expressivo.
As ações de liquidez, se bem coordenadas terão como resultado evitar que a crise se aprofunde por meio da perda de valor ainda maior dos títulos, ou seja, a denominada deflação de ativos. Essa perda de riqueza financeira e imobiliária não é inócua, pois o número de participantes do jogo era muito elevado, sobretudo nos EUA. Assim, as empresas e as famílias estão se vendo diante de uma nova realidade; sua riqueza diminuiu enquanto as dívidas permaneceram. Logo, a reação natural será contrair os gastos de consumo ou investimento para pagá-las.
Para compensar o aperto do gasto privado e evitar uma recessão profunda há apenas uma ação eficaz: a elevação dos gastos públicos. Novamente, a postura dos EUA tem sido diferente dos demais países. A Europa, com a França em destaque anunciou uma ampliação expressiva do investimento público. Para não falar da China cujo acréscimo dos gastos públicos da ordem de US$ 600 bilhões é o mais significativo. Essa diferença de postura deverá conduzir a trajetórias distintas na resposta a crise acentuando o desempenho diferenciado dessas economias.
No plano estrutural, o conjunto dos países do G20, – exceto os EUA – tem defendido a necessidade de uma maior regulação do sistema financeiro. Na prática isso significaria ampliar o controle do Estado sobre os preços-chave do sistema capitalista – taxas de juros e de câmbio – e limitar as ações especulativas nos mercados de títulos evitando a formação de bolhas. Para fazer isto não basta regular os sistemas financeiros nacionais. Dada a sua interligação, a ação para ser efetiva necessita alcançar o plano internacional, ou seja, deverá atingir os fluxos de capitais internacionais impedindo a evasão aos controles domésticos.
Até que ponto os EUA estariam dispostos a aceitar uma regulação dos fluxos de capitais internacionais cujo efeito seria restringir a globalização financeira? Isto significaria limitar o poderio do dólar, lastreado na dimensão e diversificação dos seus mercados financeiros garantido em última instancia pelo poder das armas. Prospectivamente, é possível imaginar uma perda de importância relativa da economia e moeda americanas, em razão do desempenho diferenciado das economias. Mas, seria razoável admitir que os EUA optariam por enfraquecer a sua moeda sacrificando-a ao altar da cooperação internacional? Essa opção não parece crível. O mais provável é que a ação proposta pelos EUA escamoteie algumas questões centrais apontando para a ampliação do peso das soluções nacionais ou regionais no desdobramento da crise.
* Professor Titular do Instituto de Economia e Pesquisador do Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica da UNICAMP.