Diário do NE tenta impedir jornalistas de participarem de protesto contra achatamento salarial
Segurança reforçada para tentar intimidar os jornalistas
Publicado 31/12/2008 10:35 | Editado 04/03/2020 16:35
Em plena antevéspera de Natal, no dia 23 de dezembro, jornalistas do Ceará realizaram uma manifestação que durou mais de três horas. O ato, que ocorreu na entrada principal do Diário do Nordeste, jornal de maior circulação no Estado, foi um protesto contra o achatamento salarial imposto pelos patrões aos profissionais de impresso, que estão em campanha salarial desde 1º de setembro de 2008.
As intimidações e ameaças de demissão começaram na véspera da manifestação. “Não nos responsabilizamos pelos empregos daqueles que descerem” e “quem está no horário de expediente não desce” eram as orientações passadas aos jornalistas.
No dia do ato, a segurança do Sistema Verdes Mares foi reforçada para barrar o acesso dos diretores da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e do Sindjorce, que foram impedidos de entrar no Diário, convocar a Redação para participar da manifestação e distribuir o informativo do sindicato.
Até os funcionários da empresa, como a diretora da Fenaj, Adriana Santiano, a secretária geral do Sindjorce, Cristiane Bonfim, e o diretor executivo da entidade, Claylson Martins, foram impedidos de entrar. Os crachás estavam bloqueados. “O meu crachá não vale nada? Estão desrespeitando a Convenção Coletiva de Trabalho que assegura o livre acesso dos dirigentes sindicais aos locais de trabalho”, criticou Cristiane, coordenadora do Comitê pela Democratização da Comunicação no Ceará.
Vários seguranças se alinharam na recepção da empresa para barrar o acesso da presidente do Sindjorce, Déborah Lima, tesoureira da Fenaj. Num contato telefônico com o presidente do Sindicato das Emissoras de Rádio e Televisão do Ceará, Edilmar Norões, Déborah conseguiu autorização para entrar.
O diretor-editor do Diário do Nordeste, Ildefonso (Dudu) Rodrigues, desautorizou a liberação e ainda disse que os jornais do sindicato só entrariam na empresa depois de passar pelo seu crivo. “Isso é censura”, protestou a diretora Cristiane Bonfim. Após o “exame” do conteúdo, a publicação foi distribuído na redação por um contínuo do jornal.
Apesar das ameaças feitas aos jornalistas que descessem da redação para participar do ato, a manifestação reuniu cerca de 100 pessoas. Mais de 30 jornalistas (um terço da redação), entre eles colegas com cargo de chefia, ignoraram a ordem dos patrões, cruzaram os braços e se juntaram ao seu sindicato na porta da empresa. Jornalistas do jornal O Povo, TV Jangadeiro, TV Cidade, Rádio Verdes Mares, assessores de imprensa, estudantes de Jornalismo e sindicalistas também reforçaram o ato.
Bom humor contra o terror
Na tentativa de intimidar os profissionais a não participarem do protesto contra o achatamento salarial, o diretor Administrativo do Sistema Verdes Mares Igor Queiroz, o diretor superintendente do Diário do Nordeste Pádua Lopes, o diretor Industrial Capibaribe Neto, o gerente Administrativo Lídio Fernandes e o supervisor de Pessoal Girlano Gadelha rondaram pela redação durante o protesto.
O clima de terror, contudo, não contaminou a redação. Mesmo com todo o cerco, os humoristas da Trupe Tramas de Teatro Quitéria Estupefalda (Carlos Alves) e Cícero Macedo conseguiram driblar a segurança do Diário do Nordeste e subir até a redação do jornal para convocar pessoalmente os jornalistas a descerem. “Apesar dos seguranças seguindo a gente com aqueles rádios nas mãos, foi um arraso!”, comemorava Quitéria se referindo à performance da Trupe dentro da redação.
O ato foi animado pelos músicos da banda Só Folia; pelos emboladores Jotinha (Josairton de Freitas) e Marreco (Luciano Pereira); pelo papai Noel dos patrões, o “Maumau” Noel; pelos bonecos gigantes Ronaldo Salgado e Ivonilo Praciano, “editores” do bloco de carnaval dos jornalistas “Matou a Pa… ta!”; e pelo “Milhão do Patrão”, o mascote da campanha salarial 2008/2009.
O Milhão do Patrão e a Polícia
Aos manifestantes também foram oferecidos pipoca, milho cozido e picolé de milho, uma crítica bem humorada ao contraste entre o reajuste oferecido aos jornalistas pelos patrões (R$ 2,41 por dia) e os lucros obtidos pelas empresas no ano passado (o jornal O Povo lucrou R$ 1,78 milhão e o Diário do Nordeste ampliou o patrimônio líquido em R$ 2,5 milhões).
“Nós fazemos uma avaliação extremamente positiva do ato. Conseguimos impedir a entrada e saída de carros de reportagem, embora tenham chamado a Polícia”, aponta a presidente do Sindjorce, Déborah Lima, referindo-se à presença de policiais no local, provavelmente chamados pela empresa. “Ao tentar impor o terror na redação, o Diário do Nordeste desmoraliza-se perante a categoria e a sociedade. Nós, jornalistas e movimento sindical, saímos fortalecidos da manifestação. Esse é só o começo dessa briga”, avalia a presidente.
Repercussão imediata no jornal O Povo
Os patrões estão com medo. Sinal disso foi o recado dado pela chefia do O Povo (OP), jornal mais antigo do Ceará e a segunda maior redação do Estado, aos jornalistas logo após a manifestação no Diário do Nordeste, no dia 23 de dezembro. Na tentativa de esfriar os ânimos dos jornalistas, indignados com a proposta de achatamento salarial, a chefia anunciou, em nome da empresa, que o reajuste de 6,3% (abaixo da inflação) será depositado na conta dos jornalistas até o 5º dia útil de janeiro de 2008 em valores retroativos a 1º de setembro de 2008.
Embora os prepostos dos patrões tenham afirmado que as negociações com o Sindicato dos Jornalistas “continuam”, o comentário entre repórteres e editores na redação na noite da manifestação do Diário era de que esta é a nova estratégia do O Povo: dar um “cala boca” aos jornalistas e evitar novas manifestações na empresa.
No dia 10 de dezembro, a redação do O Povo parou por mais de uma hora em protesto contra a proposta de achatamento salarial. Editores, repórteres, repórteres fotográficos, diagramadores e ilustradores aderiram em massa ao movimento. No dia seguinte, houve atraso na distribuição do jornal.
A proposta do Sindjorce é 11,22% de reajuste para o piso, mesmo percentual oferecido pelos jornais do Rio Grande do Norte, e de 9% para salários acima do piso, índice intermediário entre o concedido pelos jornais de Pernambuco (8%) e pelo Correio da Paraíba (10%). Mas o patronato cearense oferece apenas 6,3%, índice abaixo da inflação dos 12 meses que antecedem a data-base (7,15%). Os jornalistas reivindicam ainda vale refeição, adicional por veiculação de matérias em outras mídias e campanha de sindicalização para novos contratados.
Presença de 15 sindicatos, 3 centrais, 2 federações e 1 confederação
A manifestação do dia 23 no DN contou com a presença de representantes de 15 sindicatos, entre eles Comerciários, Bancários, Construção Civil, Têxteis, Transporte de Valores, Gráficos, Vigilantes, Eletricitários, Metalúrgicos, Trabalhadores da Saúde; três centrais sindicais – CUT, Conlutas e CTB; duas federações – Fenaj e Federação dos Trabalhadores no Comércio (Fetrace); e da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e Serviços (Contracs).
Os sindicalistas que apóiam a luta dos jornalistas consideram que os patrões estão sendo intransigentes e apresentam propostas de reajustes que fecham os canais de negociação com a categoria. “Muitos peões ganham mais do que um jornalista na cidade”, comparou o secretário de formação do Sindicato dos Gráficos, Juarez Alves. “Esse é só um dos vários atos que nós vamos realizar”, reforçou o presidente do Sindicato de Transporte de Valores, Wellington Nascimento.
Nessa mesma linha de embate com o patronato, a presidente do Sindjorce reafirmou que o Sindicato vai continuar combativo e encaminhando as deliberações tomadas em assembléia, como a manifestação no Diário, deliberada por unanimidade em assembléia da categoria no dia 18 de dezembro. “Vamos denunciar à sociedade cearense as condições de trabalho e de remuneração oferecidas aos jornalistas. Não temos pressa para fechar acordo ruim para a categoria”, concluiu Déborah Lima.
Ato falho e discurso inconsistente das empresas
Um dos argumentos das empresas de comunicação do Ceará para não oferecer um reajuste digno aos jornalistas de impresso é a crise financeira mundial e seus possíveis efeitos sobre a economia cearense. Mas o discurso empresarial foi mais uma vez posto em xeque. A secretária-geral do Sindjorce, Cristiane Bonfim, mostrou aos participantes da manifestação matéria publicada pelo Diário do Nordeste no domingo, 21 de dezembro, que trata da expectativa para 2009 na avaliação dos empresários cearenses. O material destaca, entre outros pontos, que “o otimismo prevalece para a maioria” e que os empresários estão “confiantes”. “Diante desse cenário, é no mínimo risível que os patrões ofereçam 6,3% de reajuste”, definiu Cristiane Bonfim.
O discurso da crise para justificar menores reajustes aos trabalhadores é também desqualificado pelo deputado federal Chico Lopes (PCdoB), que compareceu à manifestação para apoiar a campanha salarial dos jornalistas . “A solução da crise não passa por redução de salários, mas em aumentar empregos; e defendemos a redução da jornada de trabalho, mas sem perda de salários”, falou Chico Lopes para a categoria. O deputado também esteve presente no ato organizado pela Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), em 17 de setembro deste ano, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF), para pressionar os ministros do STF a manterem a obrigatoriedade do diploma para o exercício profissional do Jornalismo.
Fonte: Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Ceará