Rede de proteção social contra a violência – parte 2
Veja a segunda parte do artigo ''Rede de proteção social contra a violência'', publicado no jornal Diário da Manhã em dezembro de 2008, por Luiz Carlos Orro, presidente do PCdoB goiano e secre
Publicado 08/01/2009 20:03 | Editado 04/03/2020 16:44
Mas a criminalidade não medra apenas nesses guetos sociais, verdadeiros bolsões de miséria. Essa mesma ideologia do individualismo, da ganância pelo vil metal, do vencer a qualquer preço, leva também outros milhares, que até são “bem nascidos” – banqueiros, negocistas, políticos –, às fraudes, corrupção, sonegação, os crimes de colarinho branco. Aliás, os membros das classes médias e os ricos acham que nada têm a ver com essa realidade da violência, com os assassinatos diários que acontecem no sistema de produção, transporte, distribuição e venda de drogas, com o crescimento das ocorrências de assaltos à mão armada e latrocínios. Partem para as soluções ilusórias dos condomínios fechados, monitorados por câmeras de TV, segurança particular, carros blindados etc. Pura bobagem, porque não podem ficar presos ali o tempo todo. Têm que sair para trabalhar, levar os filhos para a escola, passear, e quando saem, dão de cara com a violência que está entranhada na sociedade, que está aí por toda a cidade, nos sinaleiros, 38 na cara e o carrão, carteira e bolsa que vão embora, e em casos mais trágicos, a própria vida. E vamos botar a mão na consciência: não são justamente os usuários das classes mais ricas os que possuem mais dinheiro também para comprar drogas? Exato, então os usuários de drogas da zona sul do Rio de Janeiro, por exemplo, de certa maneira sustentam o poder paralelo dos morros, das favelas, onde tem pouco Estado e muita presença e até ação social e política dos traficantes. No intrigante filme Tropa de Elite, o diretor rasgou esse véu de hipocrisia e provocou um bom debate. A garotada bem vivida que quer viver livre, de boa, no embalo do pó, ecstasy, fumo, crack, sei lá mais o que, compõe o outro lado da mesma moeda da violência do tráfico, um não vive sem o outro, são carne e unha. Com um pouquinho de boa vontade, cada um pode imaginar como isso ocorre aqui em Goiânia, em quais setores ditos nobres, ou no Plano Piloto e Lago Sul e Norte de Brasília e em outras grandes cidades.
A polícia é necessária, sem dúvida, mas também precisa ser qualificada, com mais investimentos em ações e estruturas de inteligência, por exemplo. Por que os repórteres investigativos conseguem saber onde funcionam os pontos-de-venda de drogas, até fotografam e filmam, e a polícia não? Por essa linha de ação, pode-se chegar aos peixes grandes, os barões do tráfico, pois está visto que as apreensões e prisões no varejo, da raia miúda, pouco resolvem. E justo agora que, principalmente, a polícia, Ministério Público e Justiça federais têm realizado eficiente trabalho, os membros da elite econômica e política se assanham para impedir a polícia e a Justiça de utilizar meios modernos e eficientes de investigação, como o monitoramento de telefones, alardeiam que há um excesso de grampos, fazem CPI, blablablá.
Mas, sinceramente, sem por fim ao apartheid social, ao abismo da péssima distribuição de renda, sem ampliar e aprimorar os programas sociais, a nossa dita sociedade do bem continuará a enxugar gelo, como comprovam a criminalidade e a violência crescentes. A solução do problema passa pela continuidade, ampliação e aprofundamento das políticas de distribuição de renda implementadas pelo governo do presidente Lula – Bolsa Família, reforma agrária, aumento real do salário mínimo, bolsa para universitários e expansão das universidades federais e Cefets (as antigas escolas técnicas). Passa também pela decisão do prefeito Iris Rezende de construir centros de educação infantil para todas as crianças com até 6 anos de idade e de ampliar as escolas de tempo integral. Para fevereiro de 2009, estão previstos para Goiânia o início do Programa Segundo Tempo – parceria com o Ministério do Esporte – e outros programas de esporte educacional pela Secretaria Municipal de Esporte e Lazer, que poderão atender cerca de 17 mil crianças e adolescentes, com aulas em 12 modalidades esportivas, material esportivo e lanche três vezes por semana. Outras ações na educação, cultura, assistência, meio ambiente e saúde vão também ampliar a presença do poder público no dia-a-dia das populações em situação de risco social, proporcionando atividades saudáveis, acesso ao conhecimento, integração e convivência social positiva. E ainda se faz necessário levar a elas a esperança de uma vida melhor, a perspectiva de empregos.
Nessa questão, quanto mais faltarem recursos, mais sobrará a violência. É preciso ter vontade política e construir na sociedade brasileira o consenso para dar a essa rede de proteção social os recursos necessários e a importância devida, inclusive o apoio da iniciativa privada e das classes médias. E é preciso dizer que a decisão do Banco Central de manter os altíssimos juros em 13,75% e o lero-lero neoliberal de que não podem os governos aumentar os investimentos públicos são medidas anti-sociais e antipovo, que travam o crescimento da economia, diminuem a geração de empregos e a produção de riquezas, são medidas que vitaminam o caldo de cultura que faz crescer a violência. E na revista CartaCapital dessa semana, vê-se que tramita no Congresso Nacional o projeto de lei 443/08, do senador Delcídio Amaral (PT-MS), que pretende repatriar cerca de US$ 70 bilhões que estão aplicados ilegalmente no exterior, dinheirinho de muitos brasileiros bacanas, gente da mais fina elite, que pratica evasão fiscal já há muitos anos. Esse pessoal precisa passar a acreditar no Brasil, tornarem-se empresários com responsabilidade social.
Não vale dizer que é devaneio relacionar as causas da violência e da criminalidade com a desigualdade social. Se é, por qual razão a Suécia, por exemplo, apresenta índices infimamente menores de violência que a nossa terra brasilis? O certo é que, sem um projeto de Nação, de desenvolvimento e soberania, fundado na solidariedade, na igualdade, na valorização do trabalho, na universalização do acesso aos bens culturais, esportivos, conhecimento e saúde, nosso País continuará atolado no caos social, que gera e alimenta a violência diária. E antes que briguem comigo, argumentando que a realidade do país europeu é bem diversa da nossa, pensem na notícia divulgada essa semana: no continente americano somente Cuba, Venezuela e Bolívia cumpriram até agora um dos compromissos do milênio, o de erradicar o analfabetismo. Todas essas três economias são bem menores que a do Brasil, como se sabe.
Então, a questão é recursos? Ou vontade política? Ou um projeto de Nação?
* Luiz Carlos Orro é Secretário Municipal de Esporte e Lazer e presidente estadual do PCdoB