“Não abrirei mão do direito de criticar o governo”

De volta ao Legislativo, 22 anos depois, Luciano Siqueira (PCdoB) chega à Câmara do Recife com o discurso de um “otimista irrecuperável”, como o definiu Miguel Arraes. Acredita que pode mudar a histórica relação de subserviência dos Poderes e assegura que

Jornal do CommercioO início da gestão do prefeito João da Costa – o governo da continuidade – foi marcada pelo polêmico debate de uma possível herança, nada positiva, do antecessor João Paulo. O senhor participou ativamente da gestão anterior, considera equivocado esse debate?



Luciano Siqueira – Quando João da Costa fez o discurso no início da legislatura da Câmara, um discurso brilhante na minha opinião, ele fez as considerações que cabia fazer. Falou sobre a relação Executivo-Legislativo, a intenção de respeitar a independência da Câmara, as diferenças entre oposição e situação, mas manifestou a expectativa de que a Câmara tenha o reconhecimento da população, do seu papel. E falou na crise. Seria irresponsável se não citasse, porque nos primeiros 20 dias a prefeitura perde logo um orçamento de R$ 40 milhões. Não dizer isso à sociedade seria absurdo. Ele disse, mas, ao mesmo tempo, disse que está fazendo os ajustes necessários no custeio e que vai investir R$ 1 bilhão. É muita coisa! Ele colocou ações importantes que estão em curso na cidade e fez uma convocação à Câmara para compartilhar com a prefeitura e a sociedade um grande debate: o de um plano estratégico para o Recife para os próximos dez anos. Isso tem enorme importância. É uma visão larga, não diria de estadista, para não ser exagerado, mas ele fez um discurso republicano.



JCO senhor concorda com Carlos Wilson, de que ele vai trabalhar para deixar uma marca de gestor?


 


Luciano – Ele tem consciência de como chegou ali, do processo dramático no PT. Nas conversas que tivemos, ele falou que teria dito ao PT que não iria usar o governo para resolver as divergências do partido, que tinha a consciência de que o governo tinha de ser menos PT e mais plural, e que não tinha pressa para afirmar um jeito próprio de governar. Mas ele tem consciência de que é preciso se afirmar como governante e como líder de uma frente. E tem sido assim. Às vésperas da abertura da Câmara, ele convocou a bancada e teve uma conversa em tom elevadíssmo. Levou o secretário de Finanças para expor as razões da criação do comitê (anticrise) e mostrou com dados que era preciso cortar despesas de custeio sem prejudicar os investimentos.



JCO senhor enxerga uma gestão de continuidade do governo João Paulo? A manutenção de Lygia Falcão (Comunicação e Gestão Estratégica) personifica esse caráter continuísta?




Luciano – Acho que haverá algumas mudanças na secretaria dela. Agora mesmo vai a mensagem para a Câmara com os ajustes na administração. A secretaria entregou o PAC. Não estou dizendo que Lygia perdeu com isso. Ela continua na equipe, é trabalhadora, faz parte do grupo de João da Costa e João Paulo, mas ele criou, com status de secretaria, o Gabinete de Gestão Estratégica. Numa conversa que teve com Eduardo Campos, disse que ia conversar com esse instituto (INDG) que deu ao governador um modelo de gestão. Quer dizer, ele não fará o que João Paulo fez. João Paulo trabalhava de domingo a domingo. João da Costa dá sinais de que organiza as coisas de uma outra maneira.



JCO senhor disse, numa emissora de rádio, que o debate de 2010 é agora. A sucessão já está na pauta?




Luciano – Com eleição a cada dois anos, quando uma termina a outra começa. Mas essa afirmação “2010 é agora” tem duas leituras. Uma é que os partidos já devem se preparar para 2010. O PCdoB pretende, até início de março, esboçar o projeto eleitoral Estado por Estado. Mas há duas eleições que o partido prefere discutir antes. Sobretudo quando se avizinha uma disputa da magnitude da de 2010: em que estará em jogo a continuidade do rumo que o Brasil está ou o escolhido pelo PSDB, PFL, PPS. Não quer dizer que os governantes entrem no debate. Um governante sensato não entra. Mas há coisas (nesse debate) que não são sensatas como as de gente do nosso lado dando palpite sobre se fulano ou cicrano é forte ou não.



JCO senhor se refere a avaliações sobre uma possível candidatura do senador Jarbas Vasconcelos?




Luciano – Jarbas, Raul Henry, Sérgio Guerra… De vez em quando vejo declarações de gente do nosso lado desqualificando essas pessoas. É desrespeito aos adversários. E se estiver embutida uma subestimação deles é muito ruim. Começa-se a perder uma guerra no momento em que subestima-se o adversário. Depois, é cair na armadilha de propor o debate eleitoral agora. Temos que nos preparar para 2010 sem polemizar com os adversários. Só quem está fora do governo, e não tem o que apresentar, e tem dificuldade de criticar quem está apresentando algo, adora fazer isso.



JCA eleição do Congresso antecipou 2010. E PCdoB foi, mais uma vez, derrotado pelo PT…




Luciano – O PT vendeu a alma ao diabo para eleger Arlindo Chinaglia (2007). Agora o diabo cobrou a fatura. Havia um acordo para a reeleição de Aldo (Rebelo) e o PT rompeu com o acordo e se aliou com o que se chama de “banda podre do PMDB”. Assumiu o compromisso de dar a presidência a Michel Temer que é da turma do toma lá, da cá. Se tinha um compromisso e quis honrar é até meritório. Mas tem de ter consciência do que fez. A candidatura de Aldo não tinha expectativa de vencer. Mas era preciso sinalizar que o bloquinho, formado pelo PCdoB, PSB, PRB do vice-presidente, não estava de acordo (com a eleição de Temer).



JCO bloquinho estará de acordo com uma aliança PT/PMDB para 2010?




Luciano – Depende dos termos em que ela seja estabelecida. Temos dito que não temos rejeição ao nome da Dilma Rousseff. Nem a nenhum outro nome. Agora é preciso que o PT, Lula, e a própria Dilma, se vier a ser candidata, compreendam que uma candidatura à Presidência tem de ser construída. E uma pedra de toque na construção dessa candidatura tem de ser a atualização daquilo que se convencionou chamar programa de governo. Tem que se apontar para um novo pacto social que substitua a carta aos brasileiros. Em seis anos de governo, Lula dotou o País de condições para enfrentar essa crise econômica pelo viés da produção, não pelo endeusamento da política monetária. Mas Lula ficou preso a essa carta aos brasileiros. Uma nova candidatura do PT terá que atualizar esses compromissos.



JCComo o senhor acompanhou a movimentação do ex-prefeito João Paulo pós-governo? Ele foi inábil na condução de que tarefa ou cargo pode assumir a partir de agora?




LUCIANO – Ele nunca conversou comigo. Quem disse que ele ia para um cargo? Eu em lembro que quando vocês especularam que ele viraria ministro, Lula veio aqui e disse que não mudaria o ministério. Depois saiu que ele iria para outro cargo no Planalto. Nunca ouvi ninguém dizer que isso aconteceu.



JCMas João Paulo saiu de duas gestões bem avaliado, fez o sucessor, não era para ser melhor tratado?




Luciano – E ele está sendo mal tratado? Ele não é militante do partido? Não é da direção do partido? Quando você cumpre uma função pública que se encerra, você tem de aguardar uma outra oportunidade. E lembrem-se de que João Paulo não é da corrente do presidente Lula. Mas não sei o que pode acontecer. Eu tenho a impressão de que o melhor é ficar quieto. João Paulo é um quadro precioso para todos nós, tem que ser fortalecido, não submetido a isso.



JCE a Câmara Municipal? Já tem planos para o mandato?




Luciano – Minha expectativa é a de que, neste semestre, a Câmara cumpra um papel importante. Pela pauta que virá à tona, o Plano Plurianual (PPA) e a Lei Orçamentária, que são matérias da maior importância. Também vamos ter que atualizar a Lei de Uso e Ocupação do Solo e a oportunidade de contribuir com o Estatuto da Cidade, que é uma lei federal e coloca nas mãos do gestor público e do Parlamento municipal instrumentos muito importantes de intervenção sobre o território. Por aí já teremos uma agenda de trabalho que qualifica a Câmara. Não movi uma palha para ser nada na Câmara. Não quis ser presidente, especularam a liderança do governo, e eu disse que a Câmara deveria discutir uma agenda.



JCO senhor quis, com isso, ter autonomia em relação ao governo?




Luciano – Uma autonomia relativa o PCdoB tem que ter. É a mesma conduta que temos em qualquer lugar, inclusive no governo Lula: uma conduta propositiva e ao mesmo tempo crítica. Nos esforçaremos para viabilizar as políticas do governo, mas sem abrir mão de nosso direito de criticar e de manifestar nossas diferenças. Serei líder da bancada e vou presidir a Comissão de Desenvolvimento Econômico. Farei o que fiz quando fui deputado (1983-1987), quando presidi a Comissão de Saúde. Na ocasião, me reuni com os deputados da comissão e disse: “Aqui não é para destacar ninguém, vamos fazer tudo juntos”. E a comissão funcionou. Vamos honrar os compromissos assumidos na campanha, que convergem com os assumidos pelo prefeito. Mas o PCdoB não se eximirá de, se tiver uma discordância importante, declarar o voto. Quero trabalhar com todos. Inclusive manter com a oposição a relação fraternal e respeitosa que mantive durante os oito anos como vice-prefeito. Devo me somar aos outros para fortalecer o Legislativo.



JCDe fato é um Poder muito restrito na atuação. E um dos instrumentos que ajudaria a desbloqueá-lo – o pedido de informação – a oposição reclama que o Executivo inviabiliza…




Luciano – Há um compromisso de João da Costa de responder sempre em tempo hábil e não no último dia do prazo. Ele, inclusive, colocou isso para a bancada de governo. Mas a Câmara pode dialogar intensamente com a sociedade. Uma iniciativa importante, seja através das comissões ou do plenário, é trazer gente de governos, sociedade civil, consultores, técnicos, analistas, representantes de trabalhadores e empresários para discutir temáticas como a da nova fase econômica que vive Pernambuco.



JCO senhor enxerga uma Câmara disposta e preparada para esse debate?




Luciano – É natural, não por desleixo ou atraso, que alguns vereadores não se sintam motivados para debater essa temática. Mas tanto na situação como na oposição há vereadores sensíveis a iniciativas dessa ordem. Porque isso reforça o mandato de cada um, valoriza a Câmara e credencia os vereadores a apreciar iniciativas do Executivo com mais consistência.



JCVoltar ao Legislativo, 22 anos depois, com o discurso da autonomia dos poderes, quando a prática é de interferência brutal do Executivo sobre o Legislativo, não é otimismo excessivo?




Luciano – A independência (entre os poderes) é um preceito constitucional, mas não exatamente uma realidade. Mas há de ser construída a cada legislatura. Depende muito do respeito dos governantes com o Legislativo e da maneira como se conduzem a mesa dirigente e as bancadas. Ao contrário do que parece, a relação de subserviência é ruim para ambos. Abre espaço para o tráfico de influência. João da Costa tem dito que quer observar isso. Mas depende muito dos detentores de mandato e do nível de acompanhamento da imprensa e da sociedade. Acho ruim quando a imprensa noticia que a pauta da Câmara está trancada e só será desobstruída quando for nomeado o diretor de uma estatal indicado por tal partido. Isso é péssimo para o Executivo, para o Legislativo e para democracia.



JCMas é um fato.




Luciano – Você tem razão. Mas há momentos em que o Legislativo ergueu a cabeça. Porque Márcio Moreira Alves foi cassado? Porque houve o Pacote de Abril? Porque a Câmara dos Deputados se negou a autorizar o governo a processar Márcio Moreira Alves?



JCNos desses oito anos de Executivo, o senhor viu alguma atitude altiva do Legislativo?




Luciano – Houve. (…) Peraí, viu? Veja bem…A que se pode atribuir a demora na revisão do Plano Diretor? Pela vontade do governo ela teria acontecido com muito mais rapidez. Mas a Câmara exerceu sua autonomia e estabeleceu seu próprio ritmo. Eu não diria que isso foi negativo, necessariamente. Confesso que não conheço peça final (do Plano Diretor).



JCO senhor não está otimista demais em relação ao Legislativo?




Luciano – Arraes (ex-governador Miguel Arraes) sempre dizia que eu sou um otimista irrecuperável. Diante de uma situação muito delicada, saí da casa dele com a missão de construir a unidade de nossas forças, e ele dizia que não seria possível. Voltei com a unidade conquistada. Não tenho razões para achar que essa será uma legislatura ruim. Acho que cada um pode ajudar com suas características, sua base social. Mas de fato há o problema histórico da autonomia entre os poderes que jamais foi plenamente exercida. Vamos ver o que vai acontecer.


 


Do Jornal do Commercio, domingo (08/02)
Ana Lúcia Andrade e Joana Rozowykwiat