América Latina: Entre a crise e a mudança climática
Se não atacarmos o problema da mudança climática, “a vida cotidiana vai mudar muito”, com desastres naturais cada vez mais assíduos e intensos, alertou o economista John Nash, ao apresentar ontem no Uruguai o preocupante informe do Banco Mundial sobre
Publicado 20/03/2009 14:39
“O Banco tentará implementar o programa de empréstimos para apoiar os problemas imediatos causados pela crise, mas, ao mesmo tempo, também trabalhará para que não sejam reduzidos os investimentos de longo prazo”, afirmou diante de uma consulta da IPS. “A solução não é simples, embora os mercados continuem funcionando. Não há dúvidas de que as transações de bônus verdes (créditos de carbono) sentirão o impacto no curto prazo”, alertou, embora se dizendo otimista quanto aos planos de longo alcance. O Mecanismo de Defesa Limpo (MDL), previsto no Protocolo de Kyoto assinado em 1997 e que entrou em vigor em 1995, permite a governos e empresas de nações industrializadas obterem créditos investindo em projetos de energia limpa no Sul para cumprir em parte com sua obrigação de reduzir suas emissões de gases causadores do efeito estufa.
Na apresentação do estudo “Desenvolvimento com menos carbono: respostas latino-americanas ao desafio da mudança climática” não faltaram comentários de tom crítico de parte de algum palestrante sobre a recomendação de que a América Latina tem de contribuir para a solução do problema apesar de sua escassa responsabilidade no desastre. Como disse Luis Santos, coordenador dos Programas de Mudança Climática e Ozônio no Ministério de Ordenamento Territorial e Meio Ambiente do Uruguai, não se deve esquecer que o MDL é um mecanismo inovador que tem aspectos muito positivos, mas alguns negativos, como jogar nas costas dos países em desenvolvimento um problema de responsabilidade principal do mundo rico.
Precisamente, Nash admitiu à IPS que a dúvida mais importante de alguns funcionários governamentais da região se refere à mensagem do informe de que as nações em desenvolvimento devem participar do esforço para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. “Há uma constante nas negociações internacionais que é: este é um problema criado pelos países ricos e, então, eles que resolvem”, afirmou. “Mas, em resposta a esta posição – por entendermos bem essa crítica e concordarmos que o mundo rico tem maior responsabilidade e mais capacidade para resolver o problema – enfatizamos haver muitas medidas que podem ser tomadas pelos países em desenvolvimento para reduzir as emissões e que não são incompatíveis com seus planos de crescimento e redução da pobreza”, afirmou.
No contexto de sua viagem à América Latina para apresentar o informe do Banco Mundial, do qual também são autores Augusto de la Torre e Pablo Fajinzylber, o economista norte-americano disse que os governos “responderam de maneira muito favorável”. Os objetivos são ajudar as nações a entenderem melhor o contexto mundial e as negociações em curso, bem como colocar a perspectiva da região nesses âmbitos, e “creio que os governos, segundo pude ver nos encontros, avalizam e atendem ao informe”, assegurou.
Do fórum realizado no Congresso uruguaio participaram, junto com Nash e Santos, o diretor do Escritório de Planejamento e Orçamento, Enrique Rubio; a diretora Nacional de Meio Ambiente, Alicia Torres; o representante do Banco Mundial no Uruguai, David Yuravlivker; o presidente da Câmara de Deputados, Roque Arregui, e o economista Pedro Barrenechea, consultor de assuntos de Mudança Climática. Nesse contexto, o visitante destacou como muito importante o programa anunciado pelo presidente uruguaio, Tabaré Vázquez, que cria um fundo para atender os efeitos da mudança climática, no contexto de um trabalho conjunto com os governos dos 19 distritos em que se divide o país.
“Focado mais na adaptação à mudança climática do que na mitigação, creio que o nível de descentralização, com os municípios, é o critério mais apropriado para responder a estes desafios”, destacou. Também considerou positivo o papel das entidades de pesquisa uruguaias, “chaves para responder à mudança climática”. Alguns desses programas de estudo e desenvolvimento sustentável já contam com apoio do Banco Mundial, como é o caso de um plano-piloto relacionado com o setor costeiro, explicou Santos.
Outro ponto de atenção neste país é o setor agropecuário. Sobre isso, Santos disse em tom crítico que estes informes não atendem como deveriam os “eventos severos” em nível local pela variação climática, como a seca de vários meses que o Uruguai acaba de sofrer, a maior das últimas décadas, com os conseqüentes e elevados prejuízos. Mas Nash disse que entre os maiores efeitos negativos da mudança climática está o impacto sobre a produção agroalimentar, ao mudar o regime de chuvas e estender-se às secas. por isso entende que o comércio do setor deve permanecer liberado no mundo para assim equilibrar a oferta entre os países que temporariamente aumentarem a oferta e os que perderem ou deixarem de produzir.
O informe do Banco Mundial alerta que a agricultura poderia entrar em colapso na região, com redução de 12% a 50% na América do Sul até 2100. No caso do Uruguai chegaria à perda de 34% nesse período, enquanto no México desapareceriam entre 30% e 85% das propriedades agropecuárias. A pesquisa mostra que a temperatura média na América Latina e no Caribe aumentou um grau no século XX, e só mente na década passada esse aumento foi de 0,1 grau. Até 2050, pode crescer até 1,7 grau e até 2100 pode chegar aos quatro graus. Enquanto isso, o nível do mar aumentou de dois para três milímetros anuais desde os anos 80.
A mudança climática também causa a perda das geleiras da cordilheira dos Andes, que podem desaparece nos próximos 20 anos devido ao aumento da temperatura que pode situar-se em 0,6 grau por década. A frequência das tempestades e secas aumentam, se expandem as doenças tropicais, a destruição da biodiversidade e dos ecossistemas, entre eles os mantos de coral no Caribe, e cresce a devastação da infra-estrutura costeira da região, em particular no golfo do México, segundo o estudo do Banco Mundial.
Outro capítulo preocupante é o desmatamento, já que as florestas tropicais no Amazonas poderiam desaparecer entre 20% e 80% de sua atual extensão. As áreas de maior risco de inundações estão no Brasil, Peru, Uruguai e Argentina. Para se defenderem dessas nefastas previsões o Banco exorta os países da região a tomarem medidas para compatibilizar o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente. Assim, detalha a necessidade de aumentar a eficiência energética, reduzir o desmatamento evitável, melhorar os sistemas de transporte público e o manejo do lixo, desenvolver as fontes de energia renovável, especialmente a hidrelétrica, e a produção de biocombustíveis sustentáveis nas nações com vantagens comparativas.
Apesar da más previsões, o Banco Mundial é otimistas sobre a capacidade da região para produzir respostas globais construtivas. Os antecedentes quanto a políticas adequadas para minimizar a mudança climática assim o demonstram, com é o caso, entre outros, do México e seu plano para reduzir a emissão de gases de efeito estufa no setor energético, o desenvolvimento de fontes alternativas para produzir energia no Brasil, Uruguai e na Argentina. Isto e muito mais será necessário para que a vida continue sendo possível na região.