A habitação levou os EUA à crise; e pode tirar o Brasil dela
Os Estados Unidos de George W. Bush começaram a entrar na crise pela porta da habitação, com o colapso das hipotecas subprime. O Brasil de Lula começará a sair dela pela mesma porta habitacional? A declaração do presidente ao lançar o programa
Publicado 25/03/2009 22:07
''Companheiros governadores, companheiros prefeitos, companheiros deputados e senadores, neste Programa nós não vamos ter problema de gastar, nós queremos gastar esse dinheiro, o quanto antes, melhor'', proclamou Lula no lançamento do programa ''Minha casa, minha vida''. E ainda repetiu o ''o quanto antes melhor''.
Gastar quanto? R$ 34 bilhões. Gastar em quê? O programa ''quase emergencial'' de Lula prevê a construção de 400 mil moradias para famílias brasileiras na faixa até três salários mínimos, outras 400 mil para a faixa de três a seis mínimos e mais 200 mil para a de seis a dez mínimos. A prestação pode chegar a meros R$ 50 mensais.
O tucanato contra o ''pactóide habitacional''
A oposição mais uma vez torceu o nariz. O presidente nacional do PSDB, senador Sérgio Guerra, divulgou nota no mesmo dia sob o título O pactóide habitacional.
''Quanto vai custar essa aventura?'', indaga o indignado tucano. ''O PSDB avalia o pacote como mais um plano de caráter emergencial com toque de marketing'', bombardeia – embora tenha o cuidado de não prometer oposição ao projeto, para não ter que morder a língua mais tarde, como aconteceu com o Bolsa Família e o PAC, entre outros.
Com seu ''quanto vai custar?'', o senador Guerra parece não ter entendido que a crise global capitalista jogou no lixo da história os dogmas neoliberais, que ele e seus correligionários repetiram como um mantra durante as últimas três décadas. Foi para o espaço a crença de que uma ''mão invisível'' conduz o ''livre mercado'' para a virtude e o melhor dos mundos.
Keynes e as políticas anticíclicas
Com o curto circuito no que já foi chamado pensamento único, abre-se a temporada para a busca de alternativas. Entre os trabalhadores de todo o mundo, cresce a convicção de que é o sistema capitalista como um todo que está enfermo e precisa ser superado. Karl Marx está altamente na moda. Em um plano mais restrito, de reformas dentro dos marcos do sistema, o lema é a ''regulação'' e o economista do momento é Keynes.
O britânico John Maynard Keynes (1883-1946) tornou-se um clássico da economia graças a outra megacrise, a Grande Depressão dos anos 30. Ele nunca escondeu que preferia ''a burguesia e a intelligentsia'' ao ''grosseiro proletariado''. Mas isto não o impediu de tirar lições da depressão; reconhecer que o mercado ''livre'' de qualquer controle conduz inevitavelmente às crises; e preconizar um resoluto intervencionismo estatal, através de políticas públicas anticíclicas.
Cavar buracos para tapar buracos…
Quando Lula lança o programa de 1 milhão de casas populares e proclama que ''nós (o governo) queremos gastar'', está lançando mão de uma típica política anticíclica: investindo pesado com recursos estatais, na contramão do ciclo da crise, para estimular a produção, o emprego, a renda, o consumo, impedir que a crise corra solta e apressar a recuperação. Franklin Roosevelt fez coisa parecida nos anos 30 com as obras públicas no Vale do Tennessee.
Keynes chegou ao extremo de dizer que, na falta de coisa melhor, pagar gente para cavar buracos num dia e tapá-los no outro seria um bom gasto (embora esclarecesse que preferiria um plano coerente de investimentos públicos). A lógica do raciocínio é que os cavadores-tapadores de buracos receberiam salários, comprariam coisas e com isso ajudariam a quebrar o círculo vicioso da recessão.
Faz sentido. Faz sentido, economicamente, portanto o ''Minha casa, minha vida'' – para além do que ele irá representar em qualidade de vida para milhões de brasileiros.
Políticas anticíclicas que Lula está devendo
Muito mais sentido fará, porém, se o governo Lula aproveitar o embalo para ajustar as contas com os bolsões de ortodoxia que perduram no seu governo. Não faz sentido – na crise bem mais do que antes – a política de juros altos do Banco Central, nem o atentado dos spreads bancários, nem o superávit primário.
Romper estes nós seria um tonificante da atividade econômica à altura do problema representado pela queda de 3,6% (!) do PIB no último trimestre de 2008. Funcionaria no mesmo sentido do programa habitacional – com o benefício extra de energizar a economia em seu conjunto e não apenas um setor. Ao lado deste, e do PAC, abriria caminho para o Brasil de fato fazer do limão da crise uma limonada, como fez aliás, face à depressão de 1929 (quem lembra dos 78 milhões de sacas de café compradas e queimadas [!] por Getúlio?): keynesianamente.
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