Crise: uma pedra no caminho chamada Meirelles
O presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, é o representante de uma era iniciada entre os anos 80 e 90, na definição do historiador Eric Hobsbawn, que precocemente entrou em colapso. Mas ele segue firme e forte no comando da política monet
Publicado 25/03/2009 14:06
Gustavo Franco, o mais arrogante dos presidentes do BC na “Era FHC”, pediu uma redução da taxa básica de juros (Selic) a 5% até o fim do ano. Segundo Franco, os efeitos da crise sobre o Brasil abriram a oportunidade para o país marchar em direção a juros de um dígito — o que não ocorre desde a criação da Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), instituição precursora do BC, em 1964.
Durante evento na sede da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP) sobre os ''15 anos do Plano Real: antecedentes, resultados e perspectivas'', Franco disse que isso seria uma “revolução”. ''Talvez estejamos no limiar de uma revolução semelhante à que a gente deflagrou com o fim da inflação, em 1994 e 1995'', afirmou. Para Franco, um dos pecados da sociedade no passado foi avaliar como normal juros muito elevados, o que ocorria também com a inflação.
Privatização dos portos
Gustavo Franco — certa vez definido por Paulo Batista Nogueira Jr. como ''Napoleão de hospício'' — pertence a uma linhagem de economistas moldada no nível mais alto nas principais universidades dos Estados Unidos. ''É a 'ortodoxia teórica', um pouco distante do mundo real, meio misteriosa, repleta de dúvidas, sutilezas e sofisticações'', escreveu Paulo Batista Nogueira Jr. ao definir o caráter da continuidade dos radicais neoliberais que se empoleiraram no comando da política monetária brasileira.
O ex-presidente do BC é um neoliberal fanático. Certa vez ele chamou Delfim Netto de ''porta-voz do Parque Jurássico'' para responder a críticas sobre a apreciação cambial. Em outra, comentou a resistência dos portuários à privatização dos portos chamando os trabalhadores de ''flanelinhas de navio''. Gustavo Franco era uma espécie de síntese da equipe econômica de FHC e o ex-presidente neoliberal o tratava como o porta-voz mais influente daquela política econômica.
Manifestações de insanidade
Mas nem o apelo de Gustavo Franco parece sensibilizar o presidente do BC, Henrique Meirelles, que manteve a mentalidade da “era FHC” no comando da política macroeconômica brasileira. Paulo Batista Nogueira Jr. definiu essa teimosia como ''ortodoxia de galinheiro'', representada por economistas treinados (a palavra certa talvez seja adestrados) em universidades norte-americanas. “São eternos alunos, sempre ansiosos para 'fazer o dever de casa' e receber o endosso dos seus mestres e mentores intelectuais. Mostram-se freqüentemente dispostos a ser mais realistas do que o rei e a aplicar com mais zelo doutrinas, não muito bem digeridas, aprendidas com os 'ortodoxos práticos''', disse ele.
Mais que isso: essa “ortodoxia” é filha daquilo que o historiador Eric Hobsbawn definiu como uma nova era iniciada entre as décadas de 80 e 90 e que agora, ao que parece, precocemente chega ao fim. Meirelles, o protetor e incentivar dessa linhagem de economistas, parece temeroso em dar um passo adiante e se afastar da proteção do sistema financeiro, de onde ele veio. Sua cabeça é regida pela lógica que surgiu quando o vendaval que ia tombando muros da Tchecoslováquia à Sibéria também soprava uma massa de capital errante, chamada de ''capital da nova era'', que passou a girar pelos países em velocidades jamais vistas e emprestou ao capitalismo nova feição.
Na definição do famoso economista norte-americano John Kenneth Galbraith, essa nova feição ''tornou o mundo mais vulnerável a manifestações de insanidade''. A trilionária massa de dinheiro opulenta passou a ser o personagem-chave das finanças internacionais. Como toda grande quantia de dinheiro que se preza, o ''capital da nova era'' apreciava a discrição.
Exuberância Irracional
Ele se originou nos fundos de pensão — especialmente os dos países centrais — e nos fundos mútuos de investimento — também dos países centrais —, formando uma legião de ''investidores'' sem face, unidos por instituições financeiras esparramadas pelo mundo afora — os chamados ''mercados''. Para se ter uma idéia do seu crescimento, em 1986 os investimentos em países ''em desenvolvimento'' somaram US$ 2,4 bilhões — oito anos depois, esses países, eleitos como ''mercados emergentes'', já recebiam US$ 180 bilhões.
Sabia-se que eram ''investimentos'' arriscados, mas as altas taxas de juros e seu imenso poder compensavam os riscos — para orientar os ''investidores'', os ''mercados'' criaram as famosas ''agências de risco'', no Brasil balizadas pelo movimento da Selic. Quando a farra especulativa começou a baixar a poeira, porque não encontrava mais contrapartida na economia real (pois, afinal, quem produz valor e excedente para alimentar a especulação é a economia real), surgiu a ameaça de insolvência, isto é, os créditos literalmente apodreceram.
Ao denunciar, no primeiro semestre de 1997, a ''exuberância irracional'' das bolsas de seu país, o ex-presidente do Fed (o banco central norte-americano), Alan Greenpan, estava constatando o esgotamento desse processo de especulação. A bolha estourou e seus ecos se espalharam por todo o mundo quando a Enron puxou a fila de empresas que protagonizaram verdadeiros escândalos financeiros nos Estados Unidos — mostrando quão grandes se tornaram os ''mercados'' especulativos. Hoje, seus efeitos ganharam dimensões de tragédia histórica.
Ponto de equilíbrio
Lamentavelmente, na “era FHC” o Brasil entrou na onda de que uma maré crescente eleva todos os navios. Mas o que se viu foi a ''globalização'' sob regimes neoliberais espalhando a tendência de estagnação econômica dos países centrais — sobretudo dos Estados Unidos — e gerando crises financeiras. É fácil perceber que por esse caminho indicado por Meirelles a economia brasileira fatalmente chegará ao precipício.
O Brasil, portanto, está diante de uma encruzilhada. Para pegar o caminho do desenvolvimento com progresso social, o desafio que se apresenta como fundamental é o rompimento definitivo com as relações econômicas determinadas pelo sistema financeiro internacional, do qual Meirelles é o legítimo representante.
O ponto de equilíbrio deve ser a definição de um parâmetro nacional para os índices macroeconômicos, centrado na geração e distribuição de riquezas. Administrar o país tendo em perspectiva um novo rumo significa aferir perdas e ganhos de cada medida adotada, considerando sua escala de contextos. E a realidade mostra que este momento histórico é propício para uma redefinição de rumo. Não iniciar já esse processo de mudança macroeconômica simplesmente não combina com o porte do desafio que se apresenta ao país.
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Em tempo: no evento na Fecomércio, o coordenador-geral de Operações da Dívida Pública, Guilherme Pedras, afirmou que os R$ 185,35 bilhões repassados no início do mês pelo BC ao Tesouro Nacional não serão usados para reduzir a dívida pública. Segundo Pedras, o dinheiro vai reforçar as reservas do Tesouro e só será usado em momentos de emergência.
Esse total equivalia a 13,4% do estoque da dívida pública federal, em fevereiro, quando somava R$ 1,381 trilhão. O repasse do BC ficará numa rubrica do Orçamento destinada ao pagamento de juros da dívida e à recompra de papéis, segundo Pedras.