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Para ator global, Rouanet pune bom teatro e favorece Piauí

Um dia depois da divulgação do projeto de reformulação da Lei Rouanet, o meio cultural ficou com a respiração suspensa. À noite, a frase era: “Deu até no Jornal Nacional“. Muitos não entenderam muito bem o que é, de fato, a proposta do ministé

Enquanto um grupo se organiza para dizer A Lei Rouanet É Nossa, outro, ligado ao teatro engajado de São Paulo, clama pelo fim da Lei e pela criação de fundos públicos, considerado um meio mais democrático de distribuição dos recursos.Procurei, alguns produtores e artistas para comentar o projeto. Veja a seguir o que disseram.


 


O ator Claudio Fontana acha natural que a cultura reproduza as distorções regionais do País. Para ele, não cabe à cultura resolver a desigualdade social e econômica: “A reforma da Lei não pode punir os produtores e artistas que fazem teatro de qualidade só porque moram no Rio ou em São Paulo.


 


O que governo quer? Tirar os 100% de abatimento da gente e transferir para o Piauí? Além disso, é um mistério como será julgado quem merece ter abatimento de 100% ou 60%. Não é papel do ministério da Cultura resolver a desigualdade social brasileira.”


 


Eduardo Tolentino de Araújo, diretor do Grupo Tapa, um dos mais longevos e respeitados do País, acha que a insistência nas leis de incentivo faz mal à cultura brasileira:


 


“Não sei muito bem o que é o projeto, e não estou muito interessado. Estou preocupado em como sobreviver independentemente das ações do governo. Se não fosse o dinheiro dos prêmios públicos, o Tapa também não teria sobrevivido. Mas não gosto dessa relação de eterna dependência.


 


Enquanto não encararmos o teatro como uma atividade profissional, que deve ser exercida seis dias por semana, o Estado, sozinho, não vai dar conta de atender todo mundo.


 


A subvenção deve existir para que se produza e não para que nossa ‘genialidade’ seja alimentada. Somos ‘gênios’ financiados para o nosso deleite. O público, simplesmente, parece ter sido esquecido pelo teatro.”


 


O ator Ney Piacentini, integrante da Companhia do Latão e presidente da Cooperativa Paulista de Teatro, lidera um movimento chamado “27 de Março”. O objetivo do grupo é pressionar o MinC para que o Estado retome as rédeas da cultura:


 


“A nós interessa a cultura como direito do cidadão. Se as mudanças propostas pelo ministério vão atrapalhar alguns negócios, o problema é dos negociadores, não da cultura.


 


A nossa luta é pelo fundo público. Uma certa parcela dos produtores tem medo que o Estado controle a cultura a partir da distribuição das verbas dos fundos. Mas, hoje, quem controla as verbas é o capital. O cidadão tem instrumentos para fiscalizar a ação do Estado. A do capital, não.


 


Preparamos essa manifestação porque estamos cansados de esperar. O teatro recebe pouquíssimos recursos. Dissemos ao governo que só apoiaríamos as mudanças na Lei se eles se comprometessem a recuperar a Funarte.”


 


Ana Garcia, produtora do festival No Ar Coquetel Molotov, que acontece em Recife, diz que entre as empresas que pagam imposto em PE, muitas não sabem sequer do que se trata a Lei Rouanet:


 


“Já li duas vezes a nova Lei Rouanet, mas continuo sem entender direito o que vai acontecer. Posso falar da minha experiência, de uma forma objetiva e prática. O fato é que poucas empresas pagam imposto de renda em Pernambuco. As que pagam não podem nos apoiar através da Lei Rouanet ou por não estarem aptas ou porque não sabem direito do que se trata.


 


Pesquisei no começo do ano todos os projetos que conseguiram apoio através da Lei Rouanet no Recife e percebi que a maioria conseguiu através de editais, como o da Petrobras Cultural. Poucos conseguiram diretamente com uma empresa local.


 


Lendo sobre a nova Lei, tudo soa muito bonito e vejo várias palavras como ‘democracia e transparência, já utilizadas por outras instituições daqui e que, na prática, não funcionaram.Acho que as empresas deveriam ter renúncia fiscal no Estado de onde estão. A maioria das empresas aqui é filial, e a renúncia fiscal é no Sul.”


 


A despeito da possibilidade de haver maior controle do governo sobre o dinheiro aplicado pelas empresas, Lárcio Benedetti, gerente de desenvolvimento sociocultural do Instituto Votorantim, vê com simpatia o projeto:


 


“Considero uma evolução as mudanças propostas para a Lei Rouanet. Em 2006, após um amplo diagnóstico, lançamos o Programa de Democratização Cultural Votorantim, que patrocina projetos de todas as áreas culturais, de todas as regiões brasileiras, de pequeno, médio ou grande porte, de conteúdos renomados ou locais, mas que tenham como objetivo tornar a população participante da cultura, oferecendo acesso a experiências artísticas.


 


Acesso é a nossa causa. Partimos do princípio de que uma ação cultural só se completa quando é acessada pelo público. E esta parece ser a essência dos aprimoramentos sugeridos pelo MinC.”


 


João Leiva, sócio de uma empresa de produção cultural, diz que o MinC baseia as mudanças em dados irreais (que o MinC diz ter disponibilizado, mas que são, de fato, incompletos). De acordo com ele, o diagnóstico do governo é primário:


 


“Precisamos dar início a uma discussão de qualidade. O ministério ataca algumas das grandes produções, mas, entre 440 projetos de teatro, há apenas nove musicais. Também não é verdade, no caso do teatro, que 3% dos proponentes concentram metade dos recursos.


 


O ministério diz, no site, que disponibilizou todos os dados. Isso não é verdade. Não se pode falar em distorções sem ter os números corretos.”


 


Fonte: Terra Magazine