Seminário no México discutiu a crise do capitalismo
Mais de cem organizações de todo o mundo, em especial da América Latina, participaram do XIII Seminário anual `Os partidos e uma nova sociedade´. O evento, promovido pelo Partido do Trabalho do México, aconteceu entre os dias 19 e 21 de março. A atividade
Publicado 25/03/2009 16:48
Com um total de 200 participantes internacionais, vindos de 39 países distintos, o seminário contou com a presença do líder progressista Andrés Manuel López Obrador, `o presidente legítimo do México´, como é tratado pela esquerda mexicana.
Candidato nas eleições presidenciais de 2006, Obrador e seu amplo grupo de apoiadores denunciaram fraude no resultado eleitoral. Mas o conservador Felipe Calderón foi declarado vencedor pela justiça eleitoral, por uma exígua diferença de 0,56% dos votos, até hoje contestada por vários mexicanos.
Nos últimos dois anos, Obrador tem percorrido todos os municípios do país, organizando um movimento popular para criar o que chama de um poder nacional alternativo, ou seja, de oposição à gestão Calderón. No evento, Obrador falou sobre o atual cenário do México, que destoa dos avanços promovidos em outras nações da América Latina.
“Por que no México não se consegue essa mudança? Porque no México há um estado mafioso e um governo usurpador. A política neoliberal aqui se converteu em um autêntico vandalismo, em uma política de pilhagem, exercida por um grupo oligárquico que se formou no governo a partir da presidência de Salinas de Gortari (1988 – 1990)”, disse.
Segundo ele, em 2006, as eleições foram marcadas por uma espécie de terrorismo midiático. “Ganhamos, mas a máfia não deixou. Não há estado de direito. Um grupo confiscou todos os poderes. Mas nosso movimento é forte e foi graças a ele que impedimos a privatização do petróleo”, declarou, alertando que os partidos PRI (Partido Revolucionário Institucional) e PAN (Partido da Ação nacional) representam a mesma linha de direita. “Ajudaram-se mutuamente a cometer as fraudes eleitorais de 1988 e 2006”, acusou.
Um dos fundadores do movimento encabeçado por Obrador e uma das principais figuras da oposição no México, Porfírio Muñoz Ledo reforçou as declarações do aliado. De acordo com ele, o país caminha para graves conflitos, pois estaria no limite de suas possibilidades de suportar a crise e um governo tão “impopular e antinacional”.
A senilidade do capitalismo mundial
A principal intervenção sobre a crise, no seminário, foi feita pelo economista argentino Jorge Beinstein, membro do Partido Comunista. Beinstein falou sobre a decadência dos Estados Unidos e a desintegração do sistema global. Ele prevê uma radicalização da crise e detalha o comportamento da sociedade norte-americana que, durante as três últimas décadas, foi cultivando equívocos, cujas conseqüências estão sendo vistas na atual turbulência na economia mundial.
Para Beinstein, o capitalismo entrou num processo de senilidade desde os anos 70, “quando o parasitismo tornou-se hegemônico”. Ele cita que um primeiro indicador dessa senilidade é a decadência dos Estados Unidos. “A `globalização´ desenvolvida desde os anos 70 implicou um triplo processo: o “aburguesamento” quase completo do planeta, a financeirização integral do capitalismo e a unipolaridade. A instalação do Império norte-americano como poder supremo mundial, principal consumidor global e área central dos negócios financeiros internacionais, ao que se agrega o fato decisivo da `norteamericanização´ da cultura das classes dominantes do mundo. É por isso que o declínio dos Estados Unidos constitui o motor da decadência universal do capitalismo”, defendeu.
Segundo o economista, a crise financeira é 'gigantesca', mas também o são as `outras crises´. “A crise energética foi até bem pouco tempo um catalisador decisivo da especulação e da inflação. Por outro lado, está associada à crise alimentar e ambas assinalam a existência de um impasse tecnológico geral que se estende ao Meio Ambiente e ao aparato militar-industrial, todo ele concentrado e exacerbado a partir do colapso financeiro nos Estados Unidos, o centro do mundo. É possível então afirmar que as diversas crises nada são senão aspectos de uma mesma crise, sistêmica, do capitalismo como etapa da história humana”, discursou.
Beinstein afirma que, encurralados pela crise, os dirigentes das grandes potências retornam ao intervencionismo estatal, que, agora, resulta impotente ante a maré financeira. O economista defende ainda que é inútil esperar por uma nova prosperidade produtiva do capitalismo, assim como também seria inócuo aguardar um novo Império capitalista ou um novo centro do mundo burguês.
“O mercado financeiro não se auto-regula, mas tampouco aceita ser regulado. Uma avalanche de acontecimentos sepultou por completo os prognósticos conservadores dos vencedores da Guerra Fria. O futuro já não será mais um “mais do mesmo” e, ao se romper essa linearidade burguesa da história, reaparece com uma força inusitada o que Mircea Eliade denominava “o terror da história”, neste caso, uma provável sucessão de fatos onde os poderes e valores dominantes não sejam respeitados, atingidos por forças hostis. Esse temor cresce velozmente entre as classes dominantes”, colocou.
Oportunidade para as esquerdas
O presidente do Partido do Trabalho mexicano, o senador Alberto Anaya Gutiérrrez avaliou que a crise constitui um ambiente favorável para que movimentos e organizações sociais e políticos de esquerda e centro-esquerda lancem uma ofensiva que “liquide finalmente o neoliberalismo e permita mudar o rumo do planeta em uma direção anticapitalista e abertamente socialista”.
Por isso, ele defende uma maior organização dessas forças.”Para a região da América Latina e Caribe, é o momento de superar dificuldades geradas pela crise capitalista mundial, radicalizando os processos nacionalistas e revitalizando a Alba, que pode cumprir um papel mais significativo, de formulação e ensaio das respostas ao tsunami econômico e como base para abandonar o FMI e o Banco Mundial e criar novos organismos regionais de cooperação e solidariedade”, colocou Anaya.
De acordo com ele, surge a oportunidade de por em prática medidas como a desmercantilização dos alimentos básicos e dos serviços públicos em geral, o cancelamento de dívidas externas e a criação de bases para a configuração de uma nova arquitetura financeira, consolidando blocos regionais “capazes de sustentar um novo modelo multipolar, que emergirá da crise”.
Cenário da América Latina
Também participante do encontro, o secretário de Relações Internacionais do PCdoB, José Reinaldo Carvalho, defendeu que a maior expressão das derrotas do imperialismo norte-americano é o novo cenário na América Latina. “A partir dos anos 90, com o esgotamento das políticas ditadas pelo chamado consenso de Washington, presenciamos a ascensão de governos progressistas e uma mudança de quadro, cada vez mais caracterizado pela contestação da hegemonia estadunidense”, discursou.
O representante do PCdoB citou, como marcos, a rejeição da Alca, a criação da Unasul, da Alba, as articulações para a constituição do Conselho de Defesa da América do Sul e a ampliação do caráter do Mercosul, além da realização da primeira Cúpula da Nossa América, com presença de Cuba.
José Reinaldo também mostrou os contrastes existentes entre o momento pós-Guerra Fria, “onde os Estados Unidos pareciam estar no auge do domínio do mundo”, e o contexto atual, em que há um “claro declínio histórico dos EUA”, que os obriga a mudar de política. “Obama, até agora, faz um discurso em busca de um reposicionamento dos EUA, para ver se contém o ódio da humanidade contra o imperialismo”, colocou o comunista, lembrando as “derrotas do imperialismo no Oriente Médio, Iraque, Afeganistão, Líbano e Palestina e o fato de que existem várias potências emergentes, como a China”.
“Estamos presenciando a decadência das instituições supostamente multilaterais, fundadas no pós-guerra, essencialmente as Bretton Woods e suas derivadas. Presenciamos também a decadência do G-7 e a erosão do papel da ONU, impotente para deter a mão agressiva de Israel e a sua própria instrumentalização pela política dos EUA”, discorreu.
De acordo com José Reinaldo, agora se começa a falar em reforma da OMC, do FMI e do BIRD e que o G-20 seria o novo fórum para buscar soluções à crise, com a participação de países emergentes. “Mas essas instituições são falidas, não podem ser reformadas. Para criar instituições multilaterais que correspondam a interesses soberanos dos povos é preciso questionar e combater o próprio sistema imperialista”, colocou.
O Brasil
Durante o seminário, José Reinaldo fez um resumo da situação brasileira. Destacou a ascensão das forças democráticas ao poder, desde a vitória do presidente Lula. Segundo ele, o país avançou no aprofundamento da democracia, na defesa da soberania nacional e da integração latino-americana, e no exercício de uma política externa independente e de uma política social de combate à miséria.
Mas ressaltou que o governo não avançou no sentido da ruptura, nem da realização de mudanças estruturais na sociedade. “Desde o primeiro momento, caracteriza-se como um governo de contradições, de luta entre dois caminhos – mudança ou continuidade. Luta que se manifesta no interior do próprio governo, na medida em que deste participam tanto forças progressistas como setores conservadores”, colocou.
O representante do PCdoB completou que é preciso dar continuidade ao ciclo aberto com a eleição de Lula, acumulando forças. Nesse sentido, falou da importância de eleger alguém comprometido com o projeto atual e que reúna convicções e força política para unir o povo brasileiro e empreender as reformas estruturais tão urgentes e indispensáveis para o país vencer o atraso, a pobreza e a dependência.
Por último, explicou que os comunistas reafirmam sua convicção de que não há solução capitalista para a crise do capitalismo. “A luta política pelo socialismo é muito concreta e só avança se os partidos e movimentos sociais nela interessados forem capazes de descobrir quais são as grandes questões políticas que mobilizam as energias criadoras do povo. No Brasil, na época que vivemos, essas lutas são: a luta nacional antiimperialista, a luta democrática, contra o poder político das classes dominantes e a luta social, pelo direitos das massas trabalhadoras e populares”, encerrou.