Venezuela: Chávez conduz tomada do controle estatal
Expropriações e ocupações em setores estratégicos do país feitos nas últimas semanas, pelo presidente da Venezuela, Hugo Chávez, causaram desconforto em setores da burguesia venezuelana e em membros da oposição, que acusam-no de exercer uma política de op
Publicado 25/03/2009 13:20
Na avaliação da economista e educadora popular Roberta Traspadini, as medidas adotadas por Chávez e o modo como ele tem conduzido a política governamental podem ser incluídos no contexto de resistência ao imperialismo na América Latina, encabeçada por ele e outros presidentes. “A gente tem que inserir toda essa política implementada pelo Hugo Chávez, pelo Evo Morales e pelo Correa, em certa medida, como uma política que tenta reverter a situação de sub-imperialismo vivido no continente”, defende.
Para Roberta, o que Chávez tem feito é “implementar pouco a pouco uma política internacional de retomada da força do Estado sobre o capital”. A economista explica que a capacidade que o capital – nacional e transnacional – teve de promover uma política de favorecimento de seus interesses na América Latina, vem sendo rompida por meio de medidas com as que Hugo Chávez tem tomado. “O que no continente se apresentava como hegemônico e onipotente, agora está podendo ser rompido a partir de uma política mais nacionalista e menos antineoliberal”, resume.
Intervenções
No dia 28 de fevereiro, Chávez iniciou uma série de expropriações de terras de grandes propriedades, segundo ele ociosas, e ocupou fábricas produtoras de arroz, acusadas de estocar o produto a fim de promover uma alta no preço de mercado, burlando, assim, o sistema de regulação de preços dos itens da cesta básica utilizado pelo governo.
Dentro das intervenções feitas pelo governo, militares da Guarda Nacional ocuparam a fábrica de arroz Primor, em Calabozo, pertencente à empresa Polar, a maior produtora de alimentos da Venezuela. Também foi expropriada uma unidade de produção de arroz da norte-americana Cargill.
Para Roberta Traspadini, mais do que intervir em uma determinada questão, Chávez demonstra que é necessário romper com a política econômica estabelecida pelo capital da agricultura ou industrial que visa privilegiar somente seus interesses. “O que ele está dizendo é que é impossível o Estado continuar sendo regulador dos grandes negócios e não ser o Estado do bem, pensado para uma política econômica que subsidie os interesses sociais”, defende.
Marcelo Buzzeto, professor de Geopolítica da USP e membro do setor de relações internacionais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), acredita que se a medida for implementada da maneira como está sendo proposta, será uma grande vitória do governo venezuelano. No entanto, pondera que esta “é uma luta difícil”. “Não acredito que estas empresas vão aceitar sem reação. A oposição já está reagindo”, alerta.
Complementarmente, no dia 15 de março, Chávez determinou a ocupação, pela Força Armada Nacional Bolivariana (FANB), dos portos e aeroportos nos Estados governados pela oposição. Segundo ele, a decisão foi tomada para combater as máfias e o narcotráfico nestes locais, pontos estratégicos para a segurança do país.
A ordem começou a ser cumprida no último dia 21, quando militares ocuparam o aeroporto e o porto da capital do Estado de Zulia (norte), Maracaibo, cidade administrada pelo opositor Manuel Rosales, o Porto Cabello, no Estado de Carabobo (centro), do governador opositor Enrique Salas Feo, e o aeroporto da capital do Estado, Valência.
Na avaliação de Buzzeto, tais ações não foram tomadas individualmente pelo presidente Chávez, mas fazem parte de um projeto de desenvolvimento nacional idealizado em 2007, e configurado através do Plano Socialista de Desenvolvimento da Nação, aprovado pela Assembléia Nacional do país. “Acho que as medidas são uma reação das forças democráticas populares e de esquerda que dão sustentação ao Chávez”, afirma.
Já em 2007, Chávez havia iniciado uma série de estatizações dos setores considerados estratégicos, com a nacionalização de companhias de telecomunicações e de eletricidade, da faixa petrolífera do rio Orinoco, da maior indústria siderúrgica do país e de três empresas de cimento.
Processo revolucionário
Para Buzzeto, contudo, o termômetro para medir a “radicalização do processo revolucionário”, como defende o mandatário venezuelano, será o acompanhamento da “velocidade, intensidade e quantidade de expropriações que serão realizadas daqui para frente”. Isto porque, de acordo com ele, não existe um socialismo na Venezuela. “O país continua sendo capitalista. Quem tem o poder na Venezuela não é o Chávez, mas sim quem controla os meios de produção”, enfatiza.
A opinião de Osvaldo Coggiola, professor titular de história contemporânea da Universidade de São Paulo (USP), sobre o processo venezuelano não é a mesma. Ao contrário do que pensa Marcelo Buzzeto, Coggiola acredita que a política na Venezuela está fundamentalmente baseada na figura de Chávez. Mas, para haver de fato um processo revolucionário, pontua, ele deve ser protagonizado pelo povo e não pela figura do presidente. “Não é isso que acontece atualmente, a população venezuelana não faz suas próprias batalhas, mas faz as batalhas de Chávez contra a oposição”, alega.
O historiador acredita que para os trabalhadores terem controle sobre os meios de produção, é necessário haver uma mudança na natureza do Estado, “deixando de ser totalmente subordinado ao direcionamento político do Chávez para se tornar um Estado onde efetivamente os próprios trabalhadores organizados farão parte do poder político”.
Efeitos da crise
Para Coggiola, as medidas que Chávez vem tomando nas últimas semanas, sobretudo a ocupação dos portos e aeroportos, servem para desarticular a oposição e estão diretamente relacionadas aos efeitos da crise econômica mundial na economia venezuelana, através da queda do preço do petróleo. O combustível é responsável por metade da receita do país. O orçamento, que previa para este ano o preço do barril em 60 dólares teve de ser revisto, e hoje o projeta em 40 dólares.
Devido a isto, o governo venezuelano apresentou no último dia 21 um pacote de medidas anticrise. Entre as ações a serem realizadas para conter os efeitos, está o corte de 6,7% no orçamento e o aumento do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) de 9% para 12%.
Em contrapartida, Chávez anunciou o aumento em 20% do salário mínimo, a fim de manter aquecida a economia interna, e garantiu que as medidas anticrise não afetarão o emprego, nem os investimentos sociais.
A grita da oposição
A conduta do presidente venezuelano de tomar o controle de setores estratégicos na Venezuela tem sido duramente criticada por seus opositores, que consideram uma medida para fustigar a oposição e concentrar poder em suas mãos.
Marcelo Buzzeto afirma que é de se esperar que a oposição lute contra o governo nessas medidas: “Com essa iniciativa o governo defende o interesse da classe trabalhadora, então é certo que a oposição vai querer resistir. Mas acho que a resistência da oposição vai ser derrotada pelas forças populares democráticas e de esquerda”, supõe.
A decisão de ocupação dos portos e aeroportos foi realizada no contexto da aprovação pela Assembléia Nacional, no dia 13 de março, da modificação na Lei Orgânica de Descentralização, Delimitação e Transferência de Competência do Poder Público, conferindo ao Executivo o poder de retirar dos governos locais o controle de portos, aeroportos e estradas. Dessa forma, Estados e municípios não podem mais recolher impostos sobre essas atividades.
A oposição venezuelana tem acusado o presidente Chávez de tentar asfixiar economicamente os governadores e prefeitos contrários a ele com esta ação e, de acordo com alguns especialistas, a alteração na Lei fere a Constituição porque deveria ter sido submetida à aprovação em uma Constituinte.
Segundo o professor Osvaldo Coggiola, é natural que a oposição questione as ações de Chávez, porém, isso mostra apenas sua falta de força política. “A oposição se limitar a argumentar a ilegalidade [das ações] demonstra que é uma oposição que está quase morta”, completa.
O historiador explica que o fato de a oposição não ter conseguido mobilizar a população contra Chávez em outras ocasiões, como na tentativa de golpe em 2002, revela que não será fácil desestabilizá-lo. “Neste momento, Chávez tem um controle muito grande da situação pública”, afirma.
Fonte: Brasil de Fato