Denúncia contra presidente divide Guatemala
As dúvidas, as suspeitas e o temor marcavam, no último sábado (16), o humor dos guatemaltecos. Funcionários, dirigentes da oposição, empresários, sindicalistas e militantes contavam as horas e preparavam o terreno para um dia chave dentro da crise polí
Publicado 18/05/2009 10:52
No domingo (17), duas mobilizações antagônicas marcharam pelas principais ruas da capital guatemalteca. Uma foi convocada pelas autoridades regionais da situacionista Unidad Nacional de la Esperanza para “defender a democracia” e, com ela, o governo. A outra, pelos partidos de oposição de direita e pelas câmaras empresariais, que pedem a renúncia imediata do presidente.
O governo mobilizou quatro mil policiais – um número incomum para a cidade – buscando evitar qualquer confronto, mas os ânimos estão exaltados. Ontem, a prêmio Nobel da Paz Rigoberta Menchú, uma dura opositora do governo, tentou pôr um freio à escalada verbal que a direita realizou nos últimos dias.
“O que está sendo feito aqui é uma cortina de fumaça muito delicada. Eu convoco os partidos políticos para que não façam disso um caos. O caos debilita o Estado de direito e a tranquilidade social, e causa incerteza. Os partidos estão se extralimitando, porque estão praticamente desviando a atenção, quando o impacto desse crime tem outros enfoques”, pediu a líder indígena.
Desde que o vídeo do advogado Rodrigo Rosenberg foi revelado na segunda-feira passada, o presidente Colom cancelou a sua agenda e se refugiou dentro do Palácio de Governo. Com o cenho franzido e uma postura totalmente rígida, deu duas entrevistas à imprensa norte-americana, outras duas a redes nacionais e uma coletiva de imprensa.
A última entrevista foi na noite de sexta-feira. “Não tenho nada a esconder. Por isso, abrimos as portas a qualquer entidade de investigação”, explicou pela quinta vez. Na segunda-feira anterior, todos os canais de televisão guatemaltecos haviam difundido o vídeo de 18 minutos que deu início à pior crise política dos dois anos de governo da centro-esquerda de Colom.
Rosenberg era um advogado de sucesso, mas praticamente desconhecido até o dia anterior, quando o crivaram de balas em plena luz do dia, enquanto andava de bicicleta. Não militava em nenhum partido, mesmo que tivesse bons amigos na oposição e nas politizadas câmaras empresariais guatemaltecas.
Rosenberg havia gravado o vídeo dois dias antes da sua morte, segundo disse, para se assegurar de que, se algo acontecesse com ele, poderia contar sua verdade. Essa verdade seria a de que o presidente, a primeira dama Sandra Torres e seu círculo mais íntimo de colaboradores o matariam para encobrir o desvio de milhões de dólares de dinheiro público.
Segundo explicou, o governo enviava o dinheiro ao Banco de Desenvolvimento Rural em nome de programas sociais inexistentes ou com listas de nomes de beneficiários inflacionadas.
Um dos clientes de Rosenberg, o empresário do ramo têxtil Khalil Musa, teria descoberto isso quando o governo lhe ofereceu uma cadeira no diretório do banco de capital misto. Musa foi assassinado junto com sua filha Marjorie um mês atrás, também em plena luz do dia, quando voltavam para sua casa.
O Ministério Público já abriu uma investigação e, a pedido do presidente, a Comissão Internacional contra a Impunidade na Guatemala, um organismo da ONU, participará dela. Mas como os tempos da Justiça não são iguais aos da política, a oposição e as câmaras empresariais já conseguiram capitalizar o clima de raiva e somar força para demandar a renúncia do presidente.
“Temos que defender a institucionalidade do país, a governabilidade. A cúpula empresarial está preparando um golpe de Estado”, advertiu Ruben Masariego, o líder dos funcionários de hospitais na Unidade da Ação Sindical e Popular, a central que, na noite do sábado, prometia mobilizar mais de 40 mil trabalhadores em apoio ao presidente.
“Estão acostumados a manipular os governos de plantão e, como não podem com este, aproveitam para provocar e polarizar a sociedade”, acrescentou.
Durante toda a semana passada, milhares de pessoas dos assentamentos dos arredores da capital e militantes de movimentos sociais e sindicatos disputaram a Plaza de la Constitución, em frente ao Palácio Presidencial, diante de outros milhares de guatemaltecos, a maioria de classe média, que pediam justiça, e alguns, a saída do presidente.
Havia militantes de oposição e homens e mulheres vinculados ao mundo empresarial, mas também muitos eram pais e mães de família que, há 13 anos do final de uma longa e cruel guerra civil, estão cansados da impunidade e da violência. A Guatemala foi um dos últimos países do continente a recuperar a democracia, e as sequelas de 36 anos de enfrentamento armado, do terrorismo de Estado e de 200 mil mortos e desaparecidos ainda são palpáveis.
Mais da metade da população vive na pobreza, um número semelhante ao dos países vizinhos. No entanto, as pegadas da repressão tomam forma quando se analisa a situação das comunidades indígenas, concentradas principalmente nas zonas rurais.
Cerca de 80% dos indígenas é pobre, e mais de 40%, analfabetos, segundo a ONU.
São eles que apoiam o presidente Colom. “A popularidade do governo se concentra no interior do país e nas zonas rurais, porque ali se concentraram as ajudas sociais, as melhorias na saúde e na educação”, explicou Secil de León, um dirigente dos direitos humanos de Descgua, uma ONG que monitorou o desarmamento durante os anos 90 e que agora colabora com o Estado em campanhas de saúde nas zonas rurais.
“Esse governo não é perfeito, mas algumas coisas melhoraram. Já não nos perseguem por criticar. Existe liberdade de expressão, mas continua havendo uma maioria de pobres, continuam assassinando todos os dias, e os desaparecidos continuam sem ter justiça”, indicou De León.
Segundo estimativas da ONU, ainda hoje, em tempos de democracia, só 2% dos crimes são resolvidos na Guatemala. A impunidade não é uma invenção de políticos manipuladores, mas também não o são os golpes de Estado e a concentração de poder e riqueza em poucas mãos.
Fonte: Página 12