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Teóricos analisam receptividade do cérebro para a música

O leitor provavelmente pouco se dá conta do quanto já foi escrito e pensado sobre análise de música – ou seja, sobre as diversas maneiras de explicar o que está acontecendo quando se ouve música. Como funciona? Por que soa assim, ou assado? O que signific

Aristóxeno, aluno de Aristóteles, nos deixou um belíssimo tratado sobre o ritmo: Como entender o ritmo? Quais os seus principais componentes? Como analisar algo que não permanece quieto num lugar, vai passando e levando nossa atenção junto com ele? Como dividi-lo em vertentes de estudo? – são questões sobre as quais ainda não há consenso.


 


Mas foi só a partir dos últimos duzentos anos que o discurso ancestral da teoria da música – que enfocava explicações do tecido musical de forma mais genérica, sem se deter sobre obras individuais – foi se diversificando em abordagens analíticas específicas.


 


A teoria da música cultivava abordagens amplas – regras de contraponto, encadeamento de acordes, ornamentação etc. A análise musical surgiu para fazer jus à individualidade da obra. Na verdade, só pôde surgir a partir do momento em que a própria noção de obra de arte passou a ser prioridade – evidentemente coisa da modernidade. Como entender a 3ª Sinfonia de Beethoven, chamada de “heróica”? Como Beethoven construiu sua unidade interna?


 


Pois é, a partir do final do século 19 foi ganhando força a idéia de que as chaves de explicação da música estavam dentro dela mesma, e não do lado de fora, em algum programa ou força extra-musical. O líder dessa corrente foi Hanslick, e sua pregação meio que hipnotizou o século 20.


 


No século 20 os melhores esforços foram dedicados ao desenvolvimento da idéia de estrutura em música. As estruturas da música seriam portanto entidades analíticas deduzidas do próprio texto musical: estruturas harmônicas, por exemplo, ou reduções revelando entidades capazes de sintetizar o percurso realizado.


 


Uma outra noção muito potente vem reforçar esse campo de estudo e de invenção – a ideia de que há células musicais, pequenos motivos ou formas básicas que se diversificam ao longo do texto musical, garantindo unidade, coerência, economia de meios – tudo de bom no ideário do analista moderno.


 


Mas eis que a partir dos últimos vinte anos, vai surgindo uma tendência contrária a essa lógica estrutural e organicista (ou seja, oriunda do desenvolvimento de células e motivos). O que vemos hoje é uma diversificação quase que espetacular dos discursos analíticos sobre música.


 


A primeira transformação a merecer registro é a repotencialização do contexto como fonte de insights e mesmo de modelos preciosos para o entendimento da música.


 


Se o analista moderno típico buscava entender a ordem e unidade internas da Sinfonia “Heróica”, o analista de agora pretende conectar essa visão estrutural ao melhor entendimento possível das representações sobre heroísmo na época da criação da Sinfonia.


 


Um breve levantamento de áreas de construção teórica, na direção de novos modelos analíticos apontaria o seguinte:


 


a) a esperança renovada de que modelos de análise da linguagem possam ser transpostos para o entendimento de música; comparecem aí os enfoques da narratividade, do desenvolvimento de uma semiótica da música, a revisão apurada das relações entre texto e música, intertextualidade, etc…


 


b) a esperança de que modelos cognitivos, ou seja, modelos que tentam entender como o cérebro humano processa o sinal música, possam contribuir de maneira diferenciada para o entendimento da música; por exemplo, através do uso de tecnologias recentes, tais como ressonância magnética, e mapeamento do cérebro que ouve…


 


c) a esperança de construção de um painel mundial de culturas musicais, capaz de promover uma visão abrangente da criação, dos estilos e gêneros;


 


d) a esperança renovada de que novos modelos matemáticos e computacionais possam aprofundar o entendimento do fenômeno;


 


e) a esperança de suspensão dos enfoques teóricos tradicionais em prol de uma priorização da experiência musical; ou seja, a busca de ferramentas da fenomenologia, para tratar dos aspectos mais diretos da vivência sonora/musical – tempo, espaço, sentimento e jogo;


 


f) a esperança de produção de novos modelos a partir de diversas conexões interdisciplinares;


 


g) a esperança de construção de um meta-discurso sobre análise, capaz de classificar todos os discursos analíticos…


 


Entrei por uma porta, e saí pela outra…


 


Fonte: Terra Magazine