Barco à deriva no palco: uma boa metáfora da América Latina
Duas atrizes viajam num barco pelo Rio Orinoco, que separa a Venezuela da Colômbia, rumo ao local onde vão fazer seu próximo espetáculo. Subitamente, descobrem que a embarcação foi abandonada e está à deriva. Sobre essa situação, entre absurda e onírica,
Publicado 04/06/2009 20:48
A peça já foi encenada no Brasil com Iara Jamra e Cristina Mutarelli, sob direção de Lígia Cortez. A partir desta sexta-feira (5), uma nova montagem entra em cartaz no Teatro João Caetano, em São Paulo — desta vez dirigida por Dagoberto Feliz, com Bete Dorgam e Daniela Carmona como intérpretes de Mina e Fifi.
Claro que se trata de uma metáfora. “Sim, esse barco à deriva pode ser a América Latina, ou o Brasil, ou qualquer outro país sul-americano. Mas nós tomamos o texto sobretudo para falar do teatro, do jogo das atrizes, essa dupla que ensaia, prepara o seu número, mesmo sem saber se haverá alguém ou algum lugar para apresentá-lo.”
O atrito entre o destino inexorável e a resistente esperança se repete, e ecoa, em escala mais intimista, na personalidade das atrizes. Mina (Bete), a mais velha, carrega o ceticismo e a dor dos que já viveram decepções. Mina (Daniela), mais jovem, ainda cultiva seus sonhos.
Orinoco já foi adaptado para a série Direções, da TV Cultura, com o sugestivo título Fellini sobre as Águas. Há mesmo nessas duas atrizes algo da atmosfera de dolorida alegria dos artistas populares flagrados pela sensibilidade do cineasta italiano.
“Nesse espetáculo não há adaptação, o texto está lá, exatamente como foi escrito”, diz Dagoberto. O espectador é retido pelo clima de suspense — tanto na descoberta de um homem assassinado a bordo quanto no destino final de ambas, pois só uma delas sabe exatamente quem as contratou e onde será a apresentação, e revela esse segredo aos poucos. E comove, claro, a história tragicômica dessas duas artistas de talento duvidoso, e cujas vidas desce ladeira, ou rio, abaixo.
“O projeto de criação dessa montagem é da Daniela Carmona e era para ter saído há dois anos. Foram tantos atropelos que sua história daria um espetáculo semelhante a esse”, brinca Dagoberto.
A ideia é tentar “deixar vazar” nas entrelinhas da encenação a mistura entre a vida das atrizes “reais” e das personagens. “Daí a cenografia, de Flavio Tolezani, buscar ser a um só tempo barco, camarim e sala de casa”, diz Dagoberto.
Será que uma peça com essa temática pode interessar a um público mais amplo? “Acho”, conclui seu diretor, “que é uma história sobre correr riscos e trata daquelas situações de vida nas quais a gente perde o controle dos acontecimentos. E isso muitos já viveram.”
Da Redação, com informações da Agência Estado