Dênis Moraes: Brasil tem muito a aprender nas políticas de comunicação
''A comunicação jamais esteve tão fortemente entranhada na batalha das idéias pela direção moral, cultural e política da sociedade''. Com essa frase na apresentação de seu livro, o professor Dênis Moraes sintetiza a importância do debate sobre políticas d
Publicado 19/06/2009 18:30 | Editado 04/03/2020 17:04
O livro reúne ensaios que discutem o papel da comunicação na luta pela hegemonia política e cultural na sociedade contemporânea. A batalha da mídia é composto por quatro ensaios: ''Imaginário social, hegemonia cultural e comunicação''; ''Cultura tecnológica, inovação e mercantilização''; ''Governos progressistas e políticas de comunicação na América Latina''; ''Ativismo em rede: comunicação virtual e contra-hegemonia''.
Veja abaixo a entrevista feita com o autor.
Você já disse que a luta pela democratização da comunicação é tão importante quanto a luta contra a política econômica neoliberal. Como você vê a participação de partidos progressistas e movimentos sociais neste debate?
Dênis Moraes – Boa parte dos movimentos sociais no Brasil vem se conscientizando da centralidade da luta pela democratização da comunicação. Basta ver o lugar de destaque conquistado por políticas de comunicação nas diretrizes políticas de organizações como o MST. É vital contrapor-se ao absurdo poderio da chamada grande mídia. Penso que dois desafios estão postos e, de certa forma, começam a ser encarados por várias entidades da sociedade civil: maior articulação nas campanhas reivindicatórias; e intensificação das mobilizações por uma outra comunicação, o que implica exercer pressão organizada e sistemática junto aos poderes executivo e legislativo, contrapondo-se aos fortíssimos lobbies de grupos privados de mídia.
É um processo longo e árduo, pois são grandes os interesses em disputa (note que número espantoso de parlamentares brasileiros, direta ou indiretamente, tem vínculos, inclusive de propriedade, com meios de comunicação privados). Contudo, devemos fortalecer visões alternativas e exigir políticas públicas consequentes em favor da diversidade informativa e do pluralismo cultural.
Como deve ser a participação daqueles que lutam pela democratização da comunicação na conferência?
DM – A Conferência Nacional de Comunicação, antes, durante e depois de sua realização este ano, pode ser uma circunstância extremamente propícia à aglutinação de forças sociais contra-hegemônicas. Elas podem fazer avançar suas posições na arena de luta, definindo prioridades convergentes e metodologias compartilhadas em defesa de seus pontos de vista junto à opinião pública e para acentuar as pressões junto ao executivo e ao legislativo.
Isso tudo tendo em vista a necessidade de construirmos neste país, progressivamente, um sistema de comunicação mais plural do ponto de vista ideológico e mais sensível aos reclamos da sociedade como um todo, deixando de ser pátio de manobra para interesses privatistas, mercantis e particulares.
Qual o papel da comunicação comunitária? E qual sua opinião sobre a repressão às rádios comunitárias no governo Lula?
DM – A comunicação comunitária sem fins lucrativos, além de expressar anseios legítimos da base da sociedade, é fundamental para a disseminação de conteúdos não sujeitos à interferência de grupos econômicos e aos ditames do rating. Estimula a pluralidade de vozes, cobrindo um amplo leque de demandas de múltiplos segmentos das comunidades, e assim se opõe à lógica de exclusão ou de subestimação de anseios populares que observamos nas agendas e coberturas noticiosas da maior parte da mídia.
No tocante à radiodifusão comunitária, estou plenamente de acordo com as medidas defendidas pela Associação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), entre as quais destaco: leis contra a concentração dos meios, a fim de garantir a diversidade e a pluralidade; políticas públicas que promovam a participação comunitária tanto na propriedade como na administração dos veículos; compromissos com os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento social; regulamentação do direito dos movimentos sociais e comunidades de utilizarem as tecnologias da comunicação; não-restrição da cobertura geográfica e do número de emissoras por localidade, além da divisão igualitária do espectro; supervisão do uso das freqüências por órgãos independentes, com representantes da sociedade civil; procedimentos transparentes para outorga de canais, respeitando-se a especificidade dos meios comunitários; permissão para doações e publicidade sem fins lucrativos; isenções fiscais e criação de fundo público para estimular a radiodifusão não comercial; promover a inclusão digital. Quanto à repressão das rádios comunitárias ao longo dos sete anos do governo Lula, só posso qualificá-la de profundamente lamentável e triste.
Boicotar a grande mídia, que tanto criminaliza os movimentos sociais, poderia ser uma alternativa?
DM – Meritórias campanhas de boicote, isoladamente, por certo não alcançarão resultados mais duradouros. É preciso desenvolver, simultaneamente, ações organizadas de denúncia e táticas de pressão contra os abusos da mídia, ao lado de propostas consistentes e coerentes para coibir a concentração e a oligopolização dos meios de comunicação e tentar democratizar o sistema de concessão de canais de rádio e televisão, entre outras questões relevantes.
Quais são as mudanças legais mais importantes na América Latina na área de comunicação?
DM – A ação regulatória do Estado precisa zelar pelo equilíbrio entre o que deve ser público e o que pode ser privado, inclusive deixando claro à população que as empresas de rádio e televisão não são proprietárias dos canais, apenas concessionárias de um serviço público com prazo de validade.
As disposições regulatórias devem garantir uma distribuição equitativa entre três instâncias: o Estado (para assegurar um serviço público e plural), a iniciativa privada (com fins lucrativos e responsabilidades sociais bem definidas) e a sociedade civil (movimentos sociais, comunitários e étnicos, universidades, associações profissionais, produtores independentes etc).
Estabelecer marcos regulatórios democráticos significa dotar os países de mecanismos legais para coibir a concentração monopólica e a mercantilização, bem como atualizar normas para a concessão e a fiscalização das outorgas de canais de rádio e televisão; discussões sobre conteúdos veiculados e classificações indicativas, coordenadas pelo poder público concedente; revisão das cotas obrigatórias para programação nacional, regional, comunitária e educativa; cotas obrigatórias para exibição de filmes nacionais nas salas de cinema, entre outros pontos.
Considero, assim, crucial a exigência de marcos regulatórios e soluções técnicas que respondam às peculiaridades de cada sociedade, opondo-se à comercialização lucrativa e a subordinação a gostos internacionais massivo. O que implica recusar o monopólio privado da mídia e a concepção neoliberal de cultura como negócio competitivo e rentável. Para isso, torna-se necessário um maior controle social sobre a mídia, no bojo de um amplo processo de democratização geral da sociedade.
O que é preciso para fiscalizar as concessões na radiodifusão no Brasil?
DM – Em primeiríssimo lugar, vontade política por parte do poder executivo, que é o responsável pela concessão de canais de rádio e televisão, e do poder legislativo, que tem prerrogativa de modificar a legislação de radiodifusão para adequá-las ao interesse público. Volto a dizer que é indispensável a pressão social organizada e sistemática sobre ambos os poderes, a fim de que as aspirações coletivas prevaleçam sobre as ambições lucrativas dos grupos privados de mídia.
O que poderia ser “copiado” pelo Brasil? E como você analisa a postura do governo Lula diante dos barões de mídia?
DM – O Brasil tem muito a aprender com o conjunto de políticas que estão sendo postas em prática pelos governos progressistas do Equador, da Bolívia e da Venezuela com o propósito de diversificar e descentralizar os sistemas de comunicação.
No meu livro “A batalha da mídia”, apresento o painel de medidas e intervenções democratizadoras em curso naqueles países, desde modificações nas legislações obsoletas de radiodifusão até políticas de apoio a mídias comunitárias e alternativas, incluindo financiamento de infra-estruturas, programas de capacitação técnica e métodos de gestão para as equipes envolvidas. Isso sem falar na revalorização da comunicação pública e no impulso à produção audiovisual independente, bem como no desenvolvimento de programas de difusão cultural que levam as mais diferentes manifestações artísticas às áreas populares. Quanto ao governo Lula, pouquíssimo fez, ao menos até agora, para mudar o adverso cenário da comunicação de massa no país.
Sobre o autor
Dênis de Moraes nasceu no Rio de Janeiro em 1954. É doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pós-doutor pelo Consejo Latinoamericano de Ciencias Sociales (CLACSO), sediado em Buenos Aires, Argentina. É professor associado do Departamento de Estudos Culturais e Mídia e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal Fluminense e pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
Do Rio de Janeiro
Marcos Pereira