Artigo: O Diploma de Jornalismo

Por Geraldo Galindo*


 


Sabendo da polêmica dura que me envolverei, enumero abaixo e comento  alguns dos principais trechos do manifesto da Federação Nacional dos Jornalistas pela exigência do diploma de jornalista, tese derrub

 No geral, os argumentos postos tentam passar a idéia de que o  diploma é o instrumento de democratização da mídia e da prática da  ética  no jornalismo, tese rigorosamente inconsistente, na medida em que esses dois conceitos guardam relação direta com a propriedade dos meios de comunicação, e pouco ou nada se relaciona com formação universitária. A nota completa a que me refiro está no  http://www.fenaj.org.br/diploma/manifesto.doc 


 


A sociedade brasileira está ameaçada numa de suas mais expressivas conquistas: o direito à informação independente e plural, condição indispensável para a verdadeira democracia. E quando foi que a sociedade brasileira teve esse direito à informação plural? E o que isso tem a ver com diploma? A verdadeira democracia virá quando os grandes meios de comunicação estiverem sob controle dos trabalhadores, o resto é balela. 


 


Vai tornar possível que qualquer pessoa, mesmo a que não tenha concluído nem o ensino fundamental, exerça as atividades jornalísticas. Quando se fala que qualquer pessoa pode ser jornalista é forçar a barra na argumentação. Ninguém vai querer contratar um jornalista que não tenha o mínimo de habilidade para a função. Acho que o que se pretende com o fim da exigência é que as pessoas que tenham o talento para a escrita, o que não é  meu caso, possam exercer esse direito. A FENAJ deve ter conhecimento de grandes talentos brasileiros que “não tenha concluído nem o ensino fundamental”. Que coisa mais preconceituosa! Que horror! Quanto elitismo!. 


 


A exigência da formação superior é uma conquista histórica dos jornalistas e da sociedade, que modificou profundamente a qualidade do jornalismo brasileiro. Toda a formação superior no Brasil e no mundo passou por avanços e mudanças profundas. Agora dizer que foi a exigência da formação superior dos jornalistas que modificou a qualidade é apenas jogo de retórica. A propósito, poderíamos afirmar com segurança que temos um jornalismo de qualidade no Brasil? Se temos, ela serve a quais interesses?


 


Derrubar este requisito à prática profissional significará retrocesso a um tempo em que o acesso ao exercício do Jornalismo dependia de relações de apadrinhamentos e interesses outros que não o do real compromisso com a função social da mídia. E com a exigência do diploma na atualidade, esses tais interesses outros desapareceram? E os apadrinhamentos sumiram? Que nada. Ambos os problemas citados existem e existirão com ou sem diploma no caso de controle da mídia pela grande burguesia.


 


É direito da sociedade receber informação apurada por profissionais com formação teórica, técnica e ética, capacitados a exercer um jornalismo que efetivamente dê visibilidade pública aos fatos, debates, versões e opiniões contemporâneas. Esse tal jornalismo ético, que efetivamente dê visão pública aos fatos só acontece na mídia alternativa, nas revistas e jornais dos movimentos sociais e isso não se relaciona com diploma e  sim com o caráter de classe da editoria.  Aliás, nas redações de Veja, Folha, Estadão etc, todos são diplomados e ética é uma coisa bem distante deles.  Registre-se que milhares de boletins e panfletos editados nesse grande e complexo país, de associações e sindicatos, são parte da imprensa de resistência elaborados por  companheiros e companheiras que ousam escrever com todas as limitações de não terem cursado uma faculdade, alguns dos quais nem passaram pelo ensino fundamental.


 


 Os brasileiros merecem um jornalista que seja, de fato e de direito, profissional, que esteja em constante aperfeiçoamento e que assuma responsabilidades no cumprimento de seu papel social. Isso vale para todas as profissões. O problema aqui é saber se para a pessoa que saiba  escrever e desenvolva técnicas de jornalismo seja necessário freqüentar uma universidade. Eu penso que não. Escrever é uma arte e se formos aplicar essa norma, deveríamos exigir também diploma para escritores, poetas, músicos, cantores, atores e atrizes, bailarinos etc


 


É falacioso o argumento de que a obrigatoriedade do diploma ameaça as liberdades de expressão e de imprensa, como apregoam os que tentam derrubá-la. A profissão regulamentada não é impedimento para que pessoas – especialistas, notáveis ou anônimos – se expressem por meio dos veículos de comunicação. O exercício profissional do Jornalismo é, na verdade, a garantia de que a diversidade de pensamento e opinião presentes na sociedade esteja também presente na mídia. Concordo quando se diz que é uma falácia o argumento de que o diploma represente uma ameaça à liberdade de expressão e da mesma é uma falácia assegurar que o “exercício profissional do jornalismo” seja garantia de que a diversidade de opinião esteja presente na mídia. O pensamento único na grande mídia brasileira e no mundo é decorrente de posição política e com ou sem diploma os patrões continuarão a impor sua ideologia reacionária.


 


A manutenção da exigência de formação de nível superior específica para o exercício da profissão, portanto, representa um avanço no difícil equilíbrio entre interesses privados e o direito da sociedade  à   informação livre, plural e democrática. Mero Jogo de palavras. Não existe informação plural e democrática no capitalismo. O que existe de jornalismo sério e democrático fica na periferia da periferia, esmagado pelo poderio econômico da grande mídia. Soa inocência imaginar um “difícil equilíbrio entre os interesses privados e os da sociedade”. Não há isso. Há a prevalência quase absoluta dos interesses privados e mais uma vez, isso nada tem a ver com formação universitária do jornalismo, mesmo porque não me consta que saiam das academias exércitos de profissionais comprometidos com o equilíbrio citado.


 


Os brasileiros não podem permitir que se volte a um período obscuro em que existiam donos absolutos e algozes das consciências dos jornalistas e, por conseqüência, de todos os cidadãos! Essa frase final dá a impressão de que o “período obscuro dos algozes das consciências dos jornalistas” seria coisa do passado. Muito provavelmente, é na atualidade que esse fenômeno se manifesta da maneira mais intensa no país, com as redações da grande mídia infestadas desses algozes, impondo um jornalismo antiético a jovens ideologicamente frágeis, com forte tendência a serem cooptados para a lógica patronal.  


 


(*) Geraldo Galindo é palpiteiro, além disso é presidente do PCdoB em Salvador/BA .