Autoridades querem crianças fora das ruas depois das 23h

Em Patos de Minas, interior de Minas Gerais, desde o dia 15 de junho crianças e adolescentes só podem ficar nas ruas desacompanhadas dos pais ou responsáveis até às 23h. A questão tem motivado polêmica. Segundo a vice-presidente do Conselho Municipal d

Mas autoridades judiciárias e entidades dedicadas aos direitos da infância e a adolescência argumentam que essas decisões ferem direitos, como o de ir e vir e o de ter participação na vida comunitária, previstos pelo artigo 5º da Constituição Federal brasileira e pelo artigo 16 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), principal órgão do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente, divulgou parecer contrário em que elenca, ainda, outros direitos violados com as medidas e pede providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ).



De acordo com Ariel de Castro Alves, conselheiro do órgão, com a implementação do toque de recolher nos municípios, há riscos de que a medida seja usada para criminalizar e perseguir crianças e adolescentes. “Todos os municípios devem ter programas com educadores sociais que atuem 24 horas fazendo abordagens e trabalhos sócio-educativos com crianças e jovens em situações de risco. Não se trata de uma questão policial e sim social, que deve ser foco do Sistema de Garantia de Direitos e da Rede de Proteção Social”, argumentou.



O município de Camboriú, em Santa Catarina, também adotou a medida por meio do programa Acolher e Encaminhar, do Conselho Tutelar. Segundo a assessoria do município a finalidade do projeto é tirar crianças e adolescentes da ruas da cidade após as 23h reduzindo assim  o número de pequenos delitos. Medida parecida foi solicitada ao poder público de Fortaleza (CE), pelo Conselho Tutelar da Criança e do Adolescente. “A proposta foi inspirada no município de Fernandópolis, em São Paulo, que, após a medida, conseguiu reduzir os casos de violência envolvendo crianças e adolescentes em 60%”, afirmou o conselheiro tutelar Daniel Carneiro.



Para o promotor de justiça da infância e da juventude do Ministério Público do Estado de São Paulo, Luiz Antonio Miguel Ferreira, a medida não vai resolver o problema da violência, apenas disfarçá-lo. De acordo com ele, apenas 0,06% da população jovem está envolvida em atos contra a sociedade. Luiz Antonio destaca ainda que, ao tentar reduzir o índice de atos infracionais cometidos por adolescentes, a decisão acaba afetando toda a população com menos de 18 anos. “Não é justo implementar uma medida para punir meninos e meninas de forma genérica, sendo que apenas uma pequena parcela está envolvida em atos infracionais”, disse.



A mesma opinião tem o promotor de justiça da Vara da Infância e da Juventude, Jacques Souto Ferreira, de Patos de Minas (MG). Ferreira explicou que a medida fere o artigo 149, parágrafo 2, do ECA, que permite a expedição de portarias por autoridades judiciárias desde que sejam fundamentadas caso a caso, e não a partir de uma determinação geral. “Não foi o que aconteceu em relação ao toque de recolher. O juiz responsável por implementar essa medida ultrapassou seu poder e passou a legislar sozinho, suprimindo as outras instâncias legislativas. Trata-se de uma solução arbitrária”.



O juiz Evandro Pelarin, da 1.ª Vara Criminal e da Infância e da Juventude de Fernandópolis, em São Paulo, explica que eram várias as reclamações vindas de moradores da cidade sobre a presença de menores de 18 anos, nas ruas, de maneira especial, fazendo uso de bebidas alcoólicas. “Nesses protestos, os cidadãos fernandopolenses diziam-se indignados com casos explícitos de adolescentes ingerindo bebidas alcoólicas pelas ruas, à noite”.



Ainda conforme Pelarin, ”Nas primeiras operações conjuntas, de agosto a dezembro de 2005, realizadas à noite (sextas e sábados), por volta da meia noite, chegava-se a recolher algo em torno de 40 menores de 18 anos. Após o toque de recolher houve diminuição no número geral de atos infracionais (crimes cometidos por adolescentes) e, em casos específicos, como furtos, porte de armas e agressões, de maneira significativa”, declarou.



Outras áreas do judiciário parecem apoiar a medida, já que, no último dia 11 de julho o conselheiro Marcelo Nobre, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), negou pedido de liminar que pretendia a suspensão dos efeitos da portaria que limitou o horário para crianças e adolescentes permanecerem nas ruas do município de Nova Andradina, em Mato Grosso do Sul. A decisão de manter os efeitos da portaria ainda deverá ser submetida ao plenário do CNJ para julgamento em definitivo. A próxima sessão do CNJ está prevista para ocorrer no dia 4 de agosto.



Para o conselheiro Marcelo Nobre, as normas estabelecidas em Andradina apenas disciplinam a permanência de crianças e adolescentes desacompanhados dos pais na rua depois de determinados horários, o que está de acordo com a legislação. “É absolutamente certo que estas regulamentações postas pela juíza em sua portaria decorrem do Estatuto da Criança e do Adolescente, ou seja, da Lei”, argumenta o conselheiro.



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