'Integração regional depende da correlação pós-eleições'
A continuidade das iniciativas de intergração na América Latina depende da correlação política que sairá das urnas nas próximas eleições. Nesse sentido, o campo progressista precisa garantir que as mudanças no continente não sejam interrompidas,&n
Publicado 15/07/2009 13:03
O evento, que faz parte da preparação para a 2ª Assembleia Nacional do Cebrapaz, reuniu o editor da Revista Fórum, Renato Rovai; o historiador e pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Gilberto Moringoni; e o jornalista e diretor do Cebrapaz, José Reinaldo do Carvalho.
De acordo com Rovai, existem dois projetos de integração em disputa na América Latina: a integração empresarial, que interessa aos grandes conglomerados, e aquela que não se restringe a questões econômicas, é uma integração democrática e popular, que atende aos anseios dos movimentos sociais, das forças progressistas.
''Não há oposição à integração, mas visões diferentes sobre ela. E devemos pensar qual será nossa estratégia para tentar construir uma agenda para que a integração seja aquela que nos interessa'', disse, na atividade realizada no Sindicato dos Engenheiros de São Paulo.
Rovai defendeu que um projeto mais avançado de unidade latino-americana depende do grau de avanço dos governos nos países envolvidos. ''E a hegemonia política de centro-esquerda no continente vai ser testada a partir do próximo ano de forma relevante. A depender desses resultados (das eleições), a integração pode acabar se dando apenas pelo interesse dos grandes conglomerados'', colocou, citando um cenário que impõe preocupação à esquerda latino-americana.
Um dos exemplos apontados por Rovai foi a recente derrota do casal Kirchner, nas eleições legislativa da Argentina. Segundo ele, o revés abriu uma brecha para o fortalecimento do adversário Mauricio Macri, um homem da direita e atual prefeito de Buenos Aires, que Rovai classificou como ''quase um Berlusconi''. Segundo ele, o “personalismo” em torno de Hugo Chávez na Venezuela e o atual “favoritismo” de José Serra (PSDB) no Brasil são razões para que a esquerda se mantenha alerta no continente.
''Há iniciativas interessantes, como a criação de uma moeda regional, o Sucre, para evitar a utilização do dólar, a criação do Banco do Sul, etc, mas tudo depende dos resultados políticos de 2010, 2011… E depende de como o campo progressista vai se posicionar. Aqui, temos que ter cuidado para que, em função de pequenas divergências, não alimentemos projetos contrários aos nossos interesses'', encerrou.
O precedente de Honduras e os efeitos da Crise
Gilberto Moringoni, que recentemente lançou o livro ''a Revolução Venezuelana'', concorda que está em pauta a manutenção ou não desse ciclo de mudanças – fruto da reação de governos progressistas ao modelo neoliberal. ''Todos esses governos, embora diferentes, foram alçados ao poder com plataformas contrárias às reformas do consenso de Washington'', lembra.
O pesquisador, contudo, também visualiza o perigo de uma ofensiva da direita, que tem seu ponto alto no recente golpe de Estado em Honduras. De acordo com Maringoni, em países como Bolívia, Vernezuela e Brasil, as investidas dos adversários têm sido desmontadas, até então, pelos governos de cada país. Para ele, deixar a situação de Honduras se consolidar seria abrir um precedente. ''Acho que a luta pela Paz, antiimperialista, tem ali o seu ponto de virada. Se passar o golpe de Honduras, vamos ter aberto um precedente gravíssimo'', defendeu.
De acordo com ele, o caso de Honduras ocorre quando um ciclo de governos antineoliberais enfrenta um dilema. Ele explicou que a ascensão desses políticos progressistas se deu em uma fase boa de crescimento da economia mundial, em que a especulação em produtos primários – em alimentos, especialmente – deu o tom nas bolsas de valores nos Estados Unidos.
''O descompasso entre a economia produtiva norte-americana e o mercado especaulativo fez com que os lucros do mercado especulativo fossem muito maior. E os especuladores passaram a investir em produtos nos quais a demanda estava aumentando e que prometiam ganhos futuros'', descreveu. Entre esses produtos, estavam o petróleo, a soja, a cana-de-açúcar e alimentos em geral, o que beneficiou países como Brasil e Venezuela.
''O ingresso do venda desses produtos fez com que os países da América Latina tivessem grande crescimento da economia. De modo que esses governos que ascenderam aí significaram para seus povos melhoria de vida, melhores salários, bem-estar'', completou Moringoni.
Segundo ele, contudo, a crise coloca para todos os governos latino-americanos uma realidade séria, que não é só de desemprego, mas de queda no saldo de exportações. ''Isso impõe limitações sérias a todos os nosso países, como às políticas internas da Venezuela e à diplomacia ousada do governo Chávez na América Latina'', disse.
O pesquisador destacou que é nesse contexto que os governantes tendem a perder popularidade e a direita busca avançar. Analisando o caso de Honduras, Moringoni avaliou que a tentativa do presidente deposto Manuel Zelaya de promover mudanças na Constituição foi feita em um momento equivocado, de fim de governo, quando a popularidade do mandatário estava cadente. Desta forma, ele não teve um correlação de forças favorável, para sustentar a medida democrática que era convocar o plebiscito e modificar a Carta.
''O fato é que faz três semanas do golpe, que tende a se consolidar. Há uma situação de isolamento internacional, mas que não teve resultados efetivos até agora. Os protestos em Honduras não tiveram a força dos que aconteceram em 2002, na tentativa de golpe na Venezuela. São necessárias ações maiores'', advogou Moringoni.
Para ele, os Estados Unidos poderiam ter uma ação mais efetiva, mas, ao contrário, adota uma postura ambígua: ''Por muito menos, os Estados Unidos invadiram o Iraque, Porto Rico, articularam o golpe de 64 no Brasil. Por muito menos articularam a reativação da Quarta Frota''. O pesquisador acredita que a postura norte-americana é a de deixar a situação como está até a realização das eleições, marcadas para novembro.
''Vai se sacramentar um golpe de estado com um saída democrática, porque vai ter eleições. Só que esse 'democrático' muda a correlação de forças. Isso não pode passar. É necessário um bloqueio mais efetivo'', afirmou, convocando a esquerda a lançar essa campanha.
''Um ciclo de ascensão popular já foi interrompido no passado pelo golpe no Brasil. Não podemos deixar que esse novo ciclo também seja quebrado pelo de Honduras'', advertiu.
Fim do panamericanismo x ameaça da Quarta Frota
Anfitrião do evento, José Reinaldo Carvalho saudou aos presentes em nome do Cebrapaz e convidou os presentes a participarem da Assembléia Nacional da entidade, que acontecerá entre 24 e 26 de julho, no Rio de Janeiro. Segundo ele, a atividade será o momento de a entidade se posicionar sobre os grandes temas internacionais.
Na sua fala, ele destacou que a luta pela paz é a luta contra o imperialismo. E a ascensão de Barack Obama nos Estados Unidos não deve gerar esperanças quanto a mudanças na natureza do imperialismo. ''Não existe imperialismo bom e mau. Todo ele é ruim. E não achamos que um único homem pode mudar esse esquema de dominação'', disse.
Para José Reinaldo, não há contradição entre a luta antiimperialista e a questão nacional. ''Quando travamos aqui as lutas democráticas e sociais do povo, também fortalecemos a luta internacionalista''.
Ele também abordou o novo momento político por que passa a América Latina, de ascensão das forças populares, que sinaliza para a superação do neoliberalismo. E analisou que o ''panamericanismo tal como foi concebido está em vias de ser superado, dando lugar a um panamericanismo dos povos, onde são as forças progressistas que protagonizam a integração e as relações políticas internacionais na região''.
O dirigente do Cebrapaz resgatou que é nesse cenário que os Estados Unidos reativa a Quarta Frota, que – embora tenha sido justificada, a princípio, como uma medida adminsitrativa e, em seguida, como uma ação para monitorar o terrorismo e o narcotráfico – é uma ''ameça latente à América Latina''.
Ele insistiu que, historicamente, os interesses dos Estados Unidos e da América Latina sempre foram opostos. ''O olhar dos EUA sempre foi de cobiça e saque. E por esse histórico, a Quarta Frota não está aqui para prestar um serviço, mas para ameaçar'', alertou.
De São Paulo,
Joana Rozowykwiat