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Lula e o PT batem cabeça no caso Sarney

Os índices inéditos de aprovação e o carisma legendário não bastaram para Luiz Inácio “o Cara” Lula da Silva convencer ou enquadrar a bancada de senadores de seu partido. Enquanto Lula vai a público defender o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP

A nota, assinada pelo líder dos 12 senadores petistas, Aloizio Mercadante (SP), curva-se  à agenda da mídia: processar Sarney no Conselho de Ética da Casa; antecipar a reunião deste conselho mesmo durante o recesso; e pressionar para que o senador se licencie do cargo. Veja a íntegra:




“É grave essa nova denúncia porque há indícios concretos da associação do presidente do Senado, José Sarney, em ato secreto de nomeação do namorado de sua neta. O Conselho de Ética terá que investigar com rigor a possibilidade de participação direta do senador Sarney na promulgação de ato secreto. Também deve ser apurada a divulgação de conversas telefônicas do senador José Sarney, que constam em inquérito que tramita sob segredo de Justiça.  A bancada do PT não se opõe a antecipação da reunião do Conselho de Ética, desde que asseguradas as exigências regimentais e a concordância e a disponibilidade de seus integrantes em período de recesso. A bancada reafirma a sua posição de que o melhor caminho seria o pedido de licença da presidência da Casa por parte do senador José Sarney”.
Argumentos “mais fortes” que os de Lula



O teor da nota indica que os senadores petistas na maioria se curvaram a argumentos “mais fortes” que os expostos pelo presidente da República no jantar com a bancada, no último dia 5.



Não se trata de nenhum movimento de opinião pública. Apesar de todos os esforços da mídia e ao fim de mais de dois meses de bombardeio de denúncias contra Sarney (a última, no jornal  O Estado de S. Paulo na quarta-feira, indica que o filho do senador,  Fernando Sarney, teria negociado emprego para o namorado da neta), nenhuma manifestação do “Fora Sarney chegou a reunir duas dezenas de pessoas, apesar da impressionante cobertura de imprensa. O presidente do Senado é um político conservador e vive o crepúsculo de sua hegemonia no Maranhão, mas sua defenestração no mínimo não é uma prioridade dos brasileiros.



O argumento que convence os senadores petistas é o temor de enfrentar a má vontade midiática nos 14 meses até as eleições de 2010. Convertida em principal partido da oposição conservadora, e agindo como uma matilha, a mídia corporativa fechou questão que Sarney tem de sair. E chantageia despudoradamente os senadores, a começar por Mercadante, que passará pelo crivo das urnas.



Quando a prática desmente os documentos



Já a argumentação de Lula evidentemente tem a ver com 2010, mas não só. Parte de uma visão estratégica – assimilada pelo presidente da República, mas não por grande parte do PT – de que o projeto de país possível, hoje, passa por uma ampla frente de centro-esquerda (o que significa contar com o PMDB, o grande partido de centro).
Hoje essa visão está nos documentos petistas, assim como a de que a eleição da ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), em um terceiro mandato das forças que chegaram ao governo federal em 2002, é a grande prioridade política do partido. Porém basta ver o comportamento prático da sigla da estrela para constatar que ela não foi assimilada.



O exemplo típico é o do PT gaúcho, que no último fim de semana lançou por aclamação (contrariando a tradição local de agudas contendas intertendências) o nome do ministro Tarso Genro como “pré-candidato” ao governo do estado – sem dar pelota para qualquer negociação ou mesmo interlocução com o PMDB gaúcho. Há quem recorde, com forte dose de veneno, que a Polícia Federal, de onde vazam por baixo do pano e em off as denúncias que alimentam a mídia, está subordinada ao Ministério da Justiça, cujo titular é… Tarso Genro.



O que é invenção da mídia e o que não é



A crise no Senado não é uma invenção da mídia. A Casa mais conservadora do Congresso é desde sempre ambiente de compadrios, falcatruas e arranjos suspeitos, pelo menos. Demanda enérgica faxina. O pensamento republicano radical questiona inclusive a validade do Parlamento bicameral: nos países com uma só casa parlamentar, a atividade legislativa fica não só muito mais ágil mas também muito mais sensível à pressão dos simples cidadãos.



Mas é uma invenção da mídia o afã denunciador que se concentrou no Senado justo a partir da posse de seu presidente, em fevereiro último. E é invenção da mídia a obsessão em fazer de Sarney o alfa e o ômega de todos os podres senatoriais.



Quem se lembra, por exemplo, das campanhas midiáticas que perseguiam cada passo do ex-governador peemedebista Orestes Quércia? Perseguiam enquanto Quércia se confrontava com o neoliberalismo tucano em São Paulo e no Brasil. Cessaram num piscar de olhos assim que ele se mudou para o quartel-general da campanha presidencial do governador José Serra.



A nota da bancada senatorial petista não explicita até que ponto os seus signatários baterão cabeça com Lula – o que também tem o seu preço. Também é difícil saber até onde irá a capacidade de resistência de Sarney, que passa o recesso recluso em sua casa na ilha do Curupu, numa ponta da cidade de São Luís do Maranhão.
É difícil portanto prever qual será o desfecho da crise (ainda que cada edição de cada jornalão acene com a iminente derrubada do senador, que faria os escândalos senatoriais refluírem imediatamente das manchetes). Mas quem julga a política com olhos republicanos, e escolhe suas indignações ao invés de deixar a mídia escolhe-las, aprendeu bastante nos últimos tempos sobre a coluna vertebral de certos senadores da República.