McNamara: o obstinado sentido do controle
McNamara cristaliza seis décadas de história imperial. A sua trajetória começa com a aplicação de novos métodos quantitativos para analisar a efetividade dos bombardeios aliados na segunda guerra mundial. Depois, em 1946, quando o complexo automobilístico estadunidense começa a sua reconversão à indústria civil, McNamara é contratado pela Ford. É a época dourada das economias capitalistas. A sua carreira na companhia leva-o a converter-se no primeiro presidente que não pertencia à família.
Publicado 14/09/2009 19:21
McNamara durou muito pouco no posto: em 1961, John F. Kennedy nomeou-o secretário da Defesa. A guerra no Vietnã, o suposto fosso de mísseis nucleares (com a ex-URSS) e o desperdício de recursos no Pentágono foram razões aduzidas por Kennedy para designar um especialista em novas técnicas de administração. McNamara tinha interesse em tudo isto, mas foi na guerra do Vietnã que se empenhou a fundo para utilizar os seus conhecimentos.
No conflito, exprimiu com fanatismo a ideia de que, se se tiver o controle de todas as variáveis relevantes, o êxito é só questão de tempo. Já no mundo dos negócios, essa visão peculiar das coisas pode tornar-se perigosa: a palavra crise escreve-se com “c” de caos, não de controle. Mas, numa guerra, a própria ideia de que se podem controlar os acontecimentos é absurda.
Para McNamara, a solução para a guerra do Vietnã passava pela tecnologia. A única coisa que fazia falta era aplicar uma metodologia racional, o problema resolver-se-ia quase por arte de mágica. Assim se introduziram as técnicas de investigação operacional para organizar e optimizar o esforço bélico. Tudo devia passar pela optimização, desde o planeamento de missões e a sequência de missões, até à entrega de equipamentos e à consolidação de linhas de abastecimento. A programação linear nunca tinha conhecido tantas aplicações novas. É como se o recém-chegado de Detroit procurasse aplicar os ritmos e movimentos do taylorismo ao esforço bélico na Indochina.
A estratégia medular corresponderia aos bombardeios realizados pelos aviões B52. Entre 1965 e 1968, as missões dos B52 foram incrementadas de 400 para 1200 saídas mensais. Cada bombardeiro lançava umas 30 toneladas de bombas num padrão conhecido como bombardeio de saturação. As crateras das bombas de 250 quilogramas dos B52 eram muito maiores e mais profundas que as de qualquer outro tipo de armamento. Estima-se que ficaram 26 milhões de crateras no Vietnã; cada uma media entre 6 e 12 metros de diâmetro e tinha uma profundidade de até 6 metros.
A “craterização da Indochina” não foi a única cicatriz. O Pentágono também procurou privar o inimigo do seu refúgio na selva aplicando 18 milhões de galões [1] do infame Agente Laranja, um produto químico desfolhante cujas sequelas ainda afetam a vida de muitos no Vietnã. McNamara também ordenou o bombardeio dos diques do Rio Vermelho para destruir o sistema de irrigação do que constitui o celeiro do Vietnã.
Quando McNamara chegou ao Pentágono, os Estados Unidos tinham uns 10 mil soldados no Vietnã. Mas quando saiu, em 1968, as tropas estadunidenses já somavam meio milhão de soldados. Já tinham morrido 41 mil soldados estadunidenses e ainda morreriam outros 14 mil antes de Washington abandonar Saigon em 1973. O povo vietnamita já tinha sofrido mais de 2 milhões de mortes.
McNamara pressentiu a derrota em 1968, o ano da ofensiva do Tet. Johnson substituiu-o no posto e nomeou-o presidente do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento, rebaptizado por McNamara como Banco Mundial. O organismo começou a preparar-se para desempenhar o triste papel de promotor do capital financeiro à escala mundial. Em 1995, publicou as suas memórias e reconheceu que o Vietnã tinha sido um erro. Há que conhecer melhor o inimigo e a sua história, assinalou, e depois ficou a deambular no cenário, como um ator que atrapalha e nada tem a acrescentar.
Talvez a verdadeira tragédia que rodeia a saída de cena desta personagem não seja tanto a sua incapacidade para entender a história, nem a do seu próprio país, nem a da Indochina. O drama é que hoje mesmo, no Afeganistão, a administração Obama caminha pela mesma trilha de destruição e morte. A obsessão do controle não a leva McNamara para a tumba. Fica nos novos documentos do Pentágono e na Casa Branca.
[1] Cerca de 68 milhões de litros.
Fonte: La Jornada