XV Conferência do PCdoB-AM revela fato inusitado

Coronel da reserva da Polícia Militar Ruimar Lima, ex-agente repressor de Estado, conversou com o Vermelho sobre a filiação ao PCdoB, as lembranças da época em que reprimia os comunistas e, mesmo tendo atuado na Ditadura Militar, disse que a ação violenta das quais teve de vivenciar ocorreu à mando do então prefeito de Manaus Arthur Virgilio Neto contra os camelôs. “Aquilo realmente foi bastante desastroso”, afirmou.

Confira a entrevista: 

Vermelho:  O que significa sua presença na plenária da XV Conferência Estadual do PCdoB-AM?

Ruimar:  Eu quero dizer que hoje eu estou vindo para o PCdoB com uma satisfação muito grande. Porque ao longo de 31 anos foi um partido que nós combatemos bastante, foi oposição ao governo e que, por estarmos nas forças do Estado, tivemos que reprimir algumas vezes. Mas com o passar do tempo a gente observou que o PCdoB, com a linha socialista, realmente se preocupa com a verdade, com a justiça, com a melhoria de vida de todos os cidadãos e por isso hoje optei em fazer parte desse partido.

Vermelho:  Quais eram suas convicções políticas no período em que atuava nos quadros de repressão da Polícia Militar?

Ruimar:  É interessante. Você vai para a academia e é formado em função do Estado. Faz um juramento em que tem que doar a manutenção da ordem pública mesmo com o risco da própria vida. E do outro lado tinha o PCdoB com as contestações, os movimentos, as defesas que o partido fazia e que, naquele momento, entendíamos como contrário aos fundamentos democráticos do país. E por muitas vezes fomos combater as manifestações no Distrito Industrial 4h, 5h da manhã. Tivemos que combater vários companheiros que ainda hoje estão aqui. Hoje, tenho a satisfação de conhecê-los, melhor até, e dizer que infelizmente a gente combateu. Isso porque o comunismo era visto de forma destrutiva para o país e as forças armadas tinham como intuito reprimir toda e qualquer manifestação comunista. E nós fizemos parte. Cumprimos com o nosso dever, infelizmente. Não era bem o que nós gostaríamos de fazer. Porque em alguns momentos víamos que o movimento comunista procedia. Mas quando se é funcionário do Estado e está a serviço de uma instituição tem que honrá-la.

Vermelho:  Então, naquela época o seu posicionamento político pessoal já o levava a acreditar que os movimentos estavam carregados de justeza… 

Ruimar:  Com certeza. Algumas ações eram descabidas. Porque simplesmente as manifestações tinham que ser dissolvidas, não interessava o mecanismo de força. Na realidade, toda manifestação era vista como contrária à ordem vigente no país. E a gente atuava com tal determinação. 

Vermelho:  De todas essas experiências, qual o fato singular que você pode rememorar para o Vermelho? 

Ruimar:  Foram tantos. A gente reprimiu tantas manifestações, tantos movimentos do PCdoB, do PT, que atuavam sempre juntos, e isso impede lembrar de um especificamente. Mas um, por exemplo, que me lembro muito bem, é a do então prefeito Arthur Virgilio Neto, já num período mais recente, contra os camelôs. Ele mandou reprimir homens e mulheres, que buscavam um emprego e um ganho ali, e nós juntamente com a guarda municipal tivemos de agir com certa violência. Esse é um dos fatos mais marcantes. Ocorreu num período mais aberto (país já redemocratizado), mas onde a força ainda predominava. E nós retiramos todos os camelôs, prendemos todo o material deles e jogamos tudo nos depósitos da Prefeitura. Aquilo realmente foi bastante desastroso. 

Vermelho:  Sua carreira militar remonta a época de atuação do secretário de Estado da produção rural Eron Bezerra, da deputada federal Vanessa Grazziotin e da ex-vereadora Lúcia Antony nos movimentos sociais. Qual lembrança que você tem dessa época e desses personagens políticos? 

Ruimar:  Nessa época ocorreram muitas greves de trabalhadores industriais, de ônibus, em que se fechavam as garagens… São muitas em que a Vanessa e o Eron participaram. Eu até estava lembrando da kombi branca que eles tinham. E faziam aquelas manifestações rápidas e sumiam. Quando a gente chegava eles corriam. Tem várias passagens. Foram vários fatos. Lembro dos camaradas em defesa dos grupos sociais, do que eles achavam que era correto na época e nós reprimíamos com violência porque a gente achava que iria causar transtorno social.

Vermelho: Você deve ser pai de família, talvez avô, condição que lhe coloca no papel de educador. Como fica sua relação dentro da sua família, contando histórias de repressão da época em que era militar e hoje, já na reserva, fazendo parte do PCdoB?

Ruimar:  Ao longo dos 31 anos que tive de serviço público eu acompanhei todos os partidos. E você vê que o PCdoB é um partido com uma linha de ação. Tem uma filosofia de ação, de defesa e de busca por mais direitos. E isso me fez vir para o partido. Porque, antes de tudo, é um partido sério, onde você não vê acusações de corrupção, de bandidagem. E essa é uma das coisas que levo para minha família, para minhas filhas. E tenho dito para elas: Se você quiser pensar em ser política, pense no PCdoB. Porque para fazer parte desse contexto social, tem que fazer parte de grupos sérios, honestos, onde a verdade esteja acima de tudo.

Vermelho:  E você tem algum projeto específico na vida política?

Ruimar:  Estou vindo para o PCdoB não atrás de cargo, de conquistas. Passei 31 anos no serviço público e nunca tive à disposição de órgão nenhum, de político nenhum. Foram 3 décadas de tropa. Eu comandei quase todas as unidades da Polícia Militar e me realizei como oficial. E estou vindo para contribuir, porque acho que posso ter uma parcela grande de conhecimento. Vejo o crescimento do partido dentro do Estado e resolvi abrir mão da minha comodidade para participar dele. Para ajudar e ser mais um companheiro na busca por justiça social e mais dignidade para todos.

Vermelho:  A conjuntura política é bastante diferenciada do período em que você esteve dentro da polícia. Como avalia as lutas das quais ajudou a reprimir e a situação do país hoje?

Ruimar:  O que se observa hoje do período Lula, no Brasil, e do período governador Braga, no Amazonas, pode se dizer que é muito bom. O governo Lula excelente, o governo Braga também. Tanto é que teve a sabedoria de escolher o PCdoB para gerir duas secretarias e se tivesse cedido mais tenho certeza que estaria muito melhor. Alguns focos do governo, a gente percebe que cresceram bastante e outros nem tanto. Mas tudo é uma questão de estudo e recomposição. E para isso a gente está aqui, para somar e mostrar novas linhas de ação. E poder contribuir com o conhecimento que a gente acumulou ao longo desses anos.

Vermelho: Com todo esse conhecimento acumulado e muitas experiências vividas, qual a mensagem que você deixa para os jovens?

Ruimar:  Que não desista nunca de seus ideais. Busquem acima de tudo verdade e justiça. Uma vida se pauta em verdade e justiça. Eu chego na minha reserva tranqüilo, sem responder nenhum processo. E participei de várias desapropriações, várias ações onde fui e nem desembarquei a tropa de choque porque conversava com o povo antes para evitar algum massacre. Desejo que todo jovem faça a melhor escolha com a sua linha de ação e os do PCdoB que não desistam nunca e continuem lutando pelas causas sociais e pela melhoria dos mais necessitados.