A revolta popular, legítima, vista como vagabundagem

Não faz muito tempo o Rio de Janeiro assistiu a vergonhosa, absurda e desrespeitosa cena na qual seguranças da Supervia chicotearam trabalhadore(a)s/passageiro(a)s que não conseguiam fechar as portas do trem, já que o mesmo estava também absurdamente cheio. Por Paulo Guilherme*

É sabido por todos que utilizam esse meio de transporte o quanto é humilhante para o(a)s trabalhadore(a)s viajarem em trens sem conforto, quentes, velhos, cheios e com constantes atrasos. As estações são igualmente velhas e descuidadas. Em dias de chuva, muitas são cheias de goteiras, sem a menor condição de oferecer conforto e segurança aos usuários.

Outro aspecto a ser citado é o fator condição de trabalho dos profissionais da malha ferroviária, pois os mesmos trens sem condições de uso por parte dos usuários são conduzidos por trabalhadores, maquinistas que colocam suas vidas em risco ao conduzirem verdadeiras latas de sardinha velhas e enferrujadas que vivem em pane em virtude do sucateamento e manutenção precária.

A malha ferroviária do Rio de Janeiro, por conta de uma onda conservadora irresponsável, foi privatizada com o argumento de que o Estado não poderia oferecer nem ampliar serviço de qualidade na área de transporte ferroviário, então, por concessão, passou-se para a iniciativa privada a gestão do setor. Pois bem, com o passar dos anos, o que vemos é a gritante ineficiência dos atuais “gestores” do sistema ferroviário, uma vez que os pretensos investimentos divulgados pela concessionária Supervia não são capazes de apresentar indicadores de melhoria substancial do serviço oferecido à população do Estado do Rio de Janeiro.

Fala-se muito de novos trens, investimentos, melhorias conquistadas, etc…mas basta andarmos pelas estações e verificarmos que a grande maioria apenas passou por maquiagens de dar vergonha e causar revolta nos que usam diariamente os trens como meio de transporte. Estações sem banheiro, sem escadas rolantes e quando as possuem, não funcionam com regularidade e escadas de concreto que se tornam um transtorno quando os passageiros têm de mudar de plataforma “CORRENDO” ao ser anunciada uma mudança de linha de determinada composição, colocando vidas em risco e ainda impossibilitando que idosos e/ou pessoas portadoras de deficiência consigam pegar o trem.

Será que o preço da passagem de trem é justo diante de tamanha ineficiência? Quais realmente são os critérios para o aumento da passagem? Porque não são divulgados tais critérios, por exemplo, nas estações de trens e meios de comunicação de massa? Podiam, o Governo do Estado e a Supervia, divulgarem os critérios usados para estabelecerem o preço da passagem em informativos, a serem distribuídos nos vagões.

Os episódios dos dias 07 e 08 de Outubro, relatados pela imprensa e vividos por milhares de trabalhadore(a)s são de provocar revolta ou indignação nas pessoas que levantam pela madrugada para trabalhar e muitas chegam em suas casas de volta também de madrugada, deixando de aproveitar o tempo com suas famílias e até mesmo descansar.

Quando ainda estudante universitário e mesmo há pouco tempo, usava os trens e sei muito bem sobre o que estou escrevendo, por isso entendo a revolta popular com o descaso e falta de respeito da parte da concessionária Supervia.

O que também deixa a população revoltada é a inércia do poder público, pois trata-se de uma concessão, então porque não se aplicam multas a Supervia e seus administradores? Porque não se afasta o presidente da supervia? Porque não se investiga se a Supervia tem cumprido com o contrato de concessão nos quesitos aporte de investimento e gestão de qualidade?

Temos o contrário da parte do Governo do Estado, quando o mesmo investe contra o povo com a polícia de choque e o governador xinga o(a)s passageiro(a)s/trabalhadore(a)s revoltado(a)s de vagabundos, outro total ABSURDO.

Já que o Estado não protege os interesses do povo, seria interessante que os órgãos de defesa do consumidor e mesmo os partidos políticos de esquerda fizessem abaixo-assinados nas estações de trens e Central do Brasil contra a Supervia e a apatia do aparelho estatal, bem como promovessem ações coletivas na justiça, de forma a travar a luta no campo judiciário, cobrando prestação de contas a concessionária, obrigação de prestar serviço decente e ainda indenização pela falta de qualidade na gestão de serviço público concedido pelo Estado.

Fico imaginando o quanto ficariam assustados todos os brasileiros que lutaram e morreram, com revolta, para que hoje vivamos na democracia.

Imagino também o quanto os revoltosos pelo mundo afora ficariam indignados se os xingassem de vagabundos, por lutarem contra tiranias que só massacravam as camadas populares.

A África do Sul, liderada por Mandela, só derrubou o apartheid com muita revolta e luta popular, do contrário, estariam subjugados até hoje.

*Advogado