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Diretor de Cidadão Boilesen diz que filme foi um "exorcismo" 

Um exorcismo. Assim o cineasta carioca Chaim Litewski se refere à sua obra "Cidadão Boilesen", documentário que retrata a execução do empresário dinamarquês Henning Boilesen, acusado de colaborar com o esquema de tortura de oposicionistas durante a ditadura militar no Brasil.

O filme, que está em cartaz em São Paulo e entra em circuito na próxima semana no Rio de Janeiro, traz depoimento do militante esquerdista que diz ter dado o tiro de misericórdia no empresário e declarações de militares acusados de participação direta na tortura e no assassinato de oposicionistas.

Nesta entrevista, Litewski, 55 anos, conta como foi a produção desse documentário, que durou 16 anos. Ele falou por telefone, de seu escritório na ONU (Organização das Nações Unidas), onde é chefe do Departamento de Televisão. 

Folha de S.Paulo: Seu primeiro contato com a história de Boilesen foi em 1968. O senhor tinha, então, 14 anos. Por que isso chamou sua atenção?
Litewski:
Eu não participava de movimento nenhum. A gente era liberal. Eu estava assistindo à TV Tupi e vi o dinamarquês, o Boilesen, cercado de militares. A gente não entendeu muito bem o fato desse dinamarquês estar ao lado desses militares.

Mas o impacto se dá com o assassinato dele, em 1971. Eu me lembro do panfleto chamando-o de colaborador da Oban (Operação Bandeirante, centro de repressão política). Recortei reportagens e obituários e guardar, já pensando em fazer alguma coisa no futuro.

Folha de S.Paulo: Quanto começou efetivamente a produção de "Cidadão Boilesen"?
Litewski:
Um pouco antes do Natal de 1993, eu estava num bar, aqui em Nova York, com um grande amigo dinamarquês, Niels Kohl, um jornalista que havia trabalhado na cobertura da morte de Boilesen. E a gente decide fazer um documentário. Trabalhamos juntos por um ano e meio. Mas depois a vida dele tomou outro rumo…

Cheguei a falar com a televisão dinamarquesa, para tentar levantar dinheiro para a produção. Mas eles começaram a impor muitas condições. Queriam que um dinamarquês fosse o produtor, queriam ditar normas. Eu não quis isso, porque estava interferindo nas minhas ideias. Queria fazer uma coisa que refletisse a minha visão do que é história e memória. Aí decidi que não ia mais negociar e resolvi fazer com meu dinheiro, aos poucos, sem deadline.

Folha de S.Paulo: Quanto custou tudo isso?
Litewski:
Não tenho a menor ideia. Nunca fiz um orçamento, nunca paguei o meu próprio trabalho. Se fosse chutar, diria em torno de uns US$ 100 mil. Mas essa é uma estimativa, realmente não tenho noção.

Os custos da filmagem na Dinamarca foram altos porque a Dinamarca é um pais caro. A compra de materiais de arquivo no Brasil foi relativamente cara. Os custos de edição e finalização foram altos, mas nunca tive que vender nada para realizar o documentário. Simplesmente economizava aqui e ali. Nunca deixei minha família em falta, nunca deixei de pagar minhas contas em dia por causa da realização do documentário.

Folha de S.Paulo: Como começou? Qual foi a a primeira entrevista?
Litewski:
Foi com o Clemente [codinome de Carlos Eugênio da Paz, militante esquerdista que diz no filme ter dado o tiro de misericórdia em Boilesen]. O contato foi feito por meio de uma pesquisadora que estava trabalhando para mim e que tinha acesso a gente que o conhecia. À medida que a gente foi conversando, acho que ele foi ganhando confiança em mim. Quer dizer, não foi problemático, a gente conversou. Fiz assim com todas as pessoas. E acho que as pessoas que deram entrevista confiaram na gente.

Folha de S.Paulo: Qual foi a entrevista mais difícil?
Litewski:
Com o Brilhante Ulstra [Carlos Alberto Brilhante Ulstra, militar que comandou o DOI-Codi, um dos centros de tortura do regime militar]. Ele pediu as perguntas à priori, a gente enviou e depois ele leu as respostas. Mas teve muita, muita negociação. A gente fez isso através de vários intermediários. A do filho de Boilesen também exigiu bastante negociação. Demorou muito tempo, talvez uns dois anos, para a gente conseguir.

Folha de S.Paulo: No filme, o ex-ministro Delfim Neto aparece em foto com Boilesen. Ele não quis dar entrevista?
Litewski:
Não. Mas muitas pessoas se recusaram. Eu devo ter contatado, talvez, umas 200 pessoas. Um terço não quis conversa, um terço falou em off e um terço aceitou gravar entrevista.

Folha de S.Paulo: O que "Cidadão Boilesen" representou para o senhor?
Litewski:
Olha, a palavra que eu gosto de dizer é quase um exorcismo, não é? Porque eu estava com essas coisas dentro de mim, esse conhecimento, que eu fui adquirindo ao longo dos anos e eu queria botar para fora. Então, serviu para mim quase como um exorcismo.

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