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Paul Krugman: Os mitos da reforma da saúde nos EUA

A reforma da saúde ressurgiu dos mortos. Muitos democratas se deram conta de que suas perspectivas eleitorais serão melhores se forem capazes de sinalizar uma realização concreta. A pesquisa de opinião sobre a reforma – que nunca foi tão negativa quanto se retratou – mostra sinais de melhora. E eu fiquei realmente impressionado com a paixão e a energia deste Barack Obama. Onde ele estava no ano passado?

por Paul Krugman, para o The New York Times*

A reforma, porém, ainda precisa superar uma série de informações equivocadas e mentiras absolutas. Por isso, deixem-me abordar três grandes mitos sobre a reforma proposta, mitos que contam com o crédito de muitas pessoas que se consideram bem-informadas, mas que na verdade se deixaram levar pelas interpretações enganosas.

O primeiro desses três mitos, muito difundido na mídia ultimamente, é a alegação de que o presidente Barack Obama está propondo a tomada de controle, por parte do governo, de um sexto da economia, a fatia do Produto Interno Bruto (PIB) atualmente gasta em saúde.

Bem, se ter a regulação do governo e subsidiar o seguro de saúde é uma "tomada de controle", essa tomada de controle aconteceu há muito tempo. O Medicare, o Medicaid e outros programas do governo já respondem por quase metade da assistência de saúde americana, enquanto os seguros privados representam mais de um terço (o restante refere-se principalmente a despesas desembolsadas). E a maior parte desse seguro privado é garantida por meio de planos de saúde dos empregados, que são subsidiados com isenção de impostos e são rigidamente regulados.

A única parte do serviço de saúde em que já não existe uma grande intervenção federal é o mercado no qual indivíduos que não contam com a cobertura baseada no emprego compram seus próprios seguros. E esse mercado, caso você não tenha percebido, é um desastre – nenhuma cobertura para pessoas com doenças pré-existentes, cobertura reduzida quando você fica doente e enormes aumentos no valor dos prêmios de seguro no meio de uma crise econômica. É esse setor, além do dilema dos americanos que não têm seguro algum, que a reforma busca resolver. O que há de errado nisso?

O segundo mito é o de que a reforma proposta não contempla nada para controlar custos. Para sustentar esse argumento, os críticos apontam relatórios feitos pelo atuário do Medicare, que prevê que o gasto nacional total com saúde em 2019 seria ligeiramente maior com a reforma do que sem ela.

Ainda que essa previsão esteja correta, indica um bom negócio. A avaliação do atuário sobre o projeto do Senado, por exemplo, conclui que a proposta elevaria os gastos totais do sistema de saúde em menos de 1% ao estender a cobertura a 34 milhões de americanos que, do contrário, estariam sem nenhum seguro. É um aumento muito grande na cobertura a um custo essencialmente trivial.

E o panorama melhora à medida que prospectamos o futuro: o Escritório de Orçamento do Congresso acaba de concluir, em um novo relatório, que a aritmética da reforma estará melhor em sua segunda década do que na primeira.

Além disso, existe uma boa razão para crer que todas essas estimativas sejam muito pessimistas. Na reforma proposta, há muitos esforços para reduzir custos, mas ninguém sabe o quão bem qualquer um desses esforços funcionará. E, como resultado, as estimativas oficiais não dão ao plano muito crédito por qualquer um deles. O que o atuário e o escritório do orçamento fazem é um pouco como olhar para os esforços de prospecção de uma companhia de petróleo, concluindo que cada poço que ela explorar provavelmente se revelará seco e prevendo que, consequentemente, a companhia não encontrará petróleo nenhum – quando as probabilidades, na verdade, indicam que alguns dos poços serão bem-sucedidos e produzirão grandes lucros.

De uma perspectiva realista, a reforma da saúde provavelmente teria mais êxito no controle de custos do que o que se sugere em qualquer uma das projeções oficiais.

Isso me leva ao terceiro mito: o de que a reforma da saúde é fiscalmente irresponsável. Como as pessoas podem dizer isso, considerando as projeções do Escritório de Orçamento do Congresso – que, como já argumentei, provavelmente são pessimistas demais – de que a reforma, na verdade, reduziria o deficit? Os críticos argumentam que deveríamos ignorar o que, de fato, está na legislação; quando o controle de custos realmente começar a abocanhar o Medicare, insistem eles, o Congresso vai voltar atrás.

Mas esse não é um argumento contra o "Plano Obama", é uma declaração de que não podemos controlar os custos do Medicare a qualquer preço. E contradiz a história: ao contrário do que reza a lenda, os esforços do passado para limitar os gastos do Medicare, de fato, "colaram", em vez de serem retirados diante da pressão política.

Então, qual é a situação real da reforma proposta? Comparado com o ideal platônico de reforma, o "Plano Obama" decepciona. Se houvesse chances de aprovação, eu preferiria muito mais o Medicare para todos.

Da perspectiva de uma legislação com chances reais de aprovação, porém, o plano parece muito bom. Não transformaria nosso sistema de saúde; de fato, para os americanos cujos empregos já asseguram cobertura de saúde, teria pouco efeito. Mas faria uma enorme diferença para os menos favorecidos, ao mesmo tempo em que faria muito mais pelo controle de custos do que qualquer coisa que tenhamos feito antes.

Este é um plano razoável e responsável. Não deixe que ninguém lhe diga o contrário.

Paul Krugman é economista, professor da Universidade de Princeton e colunista do The New York Times. Ganhou o prêmio Nobel de economia de 2008. Artigo distribuído pelo New York Times News Service.

*Versão em português reproduzida do site Terra Magazine