A Revolta do Queimado e a luta dos negros e negras por Liberdade

Nesse Domingo, 21/03, em comemoração aos 161 anos da Insurreição do Queimado foi realizada 11ª Celebração Afro-popular ecumênica pelo Fórum Chico Prego com a representação de várias entidades do movimento negro. O objetivo é o resgate da memória de Chico Prego, Eliziário, João Monteiro e João da Viúva, e dos mais de 300 negros escravizados cuja história marca o principal evento de luta pela Liberdade ocorrido no Estado do Espírito Santo.

Celebração

O evento contou com a participação de várias entidades do movimento popular, moradores e autoridades. Nos relatos populares a história é recontada de forma mais viva:

Saul Pereira relata que os negros vieram cantando pela estrada para receber a tão sonhada Alforria, prometida pelo Frei Italiano José Maria, em troca da construção da Igreja. Ao chegar encontraram as portas do Templo fechadas sem nenhuma explicação. Surpreendidos e exaustos, após meses de árduo trabalho na construção da Igreja, os mais de 300 homens, mulheres, crianças negras, se revoltaram exigindo o cumprimento do trato, já que a Igreja fora entregue pronta antes do dia de São José, conforme combinado.

Os trabalhadores escravizados então ficaram revoltados pela liberdade que fora prometida e não concedida, constituindo-se no estopim da rebelião. O movimento foi contido com extrema violência pela Polícia da Província e os negros e negras foram brutalmente assassinados e seus corpos jogados na lagoa hoje chamada “Lagoa das Almas”. Alguns sobreviventes foram para o município de Cariacica onde fundaram o Quilombo de Rosa d’ Água.

Dois líderes sobreviventes ao massacre tiveram destinos diferentes. Eliziário fugiu pela porta da cela deixada aberta – no que foi considerado pelos escravos como um milagre atribuído a Nossa Senhora da Penha, já Chico Prego foi enforcado em praça pública, merecendo hoje uma estátua numa praça no município da Serra  além de ter seu nome batizado a Lei Muncipal de Incentivo a Cultura daquela cidade.

Dona Cléria da Vitória Rangel, 79 anos, neta da escrava Benvinda, ouviu de sua avó que a Igreja foi construída com pedras divididas por tamanhos, sendo que as pedras pequenas – do tamanho de um punho – eram carregadas pelas crianças algumas com apenas seis anos de idade e as maiores pelos mais velhos que as carregavam em longas distâncias e em subidas íngremes. Ouviu também que o trabalho era árduo e feito dia e noite inclusive domingos e feriados para que fosse cumprido o prazo. Traz ainda viva na lembrança que foi batizada na Igreja e que era muito bonita com uma fonte de água na frente e cujo interior era adornado com ouro.

Já Dona Marilda Luiza da Boa Morte, 63 anos, filha de um Sergipano – Artêmio Narciso Vieira relata que se casou na antiga Igreja e que o pai comprou um terço de terra criando seus filhos em São José dos Queimados com muita dificuldade trabalhando na lavoura. Disse também que no lugar funcionava a “Lei do mais forte” e que deixou sua terra aos 39 anos debaixo de muito sofrimento. Tinha que carregar água na cabeça. Seu pai tinha muita dificuldade de escoar a produção usando quase sempre a Canoa Bela Vista até Santo Antônio, hoje bairro de Vitória. Relata que a Igreja foi destruída pelos próprios moradores, em busca do ouro que se dizia estar escondido nas paredes. Outro fato que contribuiu para a ruína da Igreja foi o abandono pelo Pároco que tinha por nome José, responsável pelas missas que passaram a ocorrer apenas de tempos em tempos e que a comunidade local foi se dispersando e vendendo suas terras para morar na cidade em busca de melhores condições de vida.

Atualmente, as ruínas do Cemitério e da Igreja de São José do Queimado tem que ser sustentadas por cabos de aço para não caírem completamente. O local é de difícil acesso e não possui sinalização adequada para o visitante. Segundo o Vereador da Serra, José Carlos, existe um projeto de lei no Legislativo Estadual para tornar o local patrimônio histórico e assim viabilizar recursos para a conservação e melhorias no local.

Manter vivo o espírito da Insurreição do Queimado é muito importante para a construção da Identidade Racial e cidadania representada pelo tema dessa 10ª Celebração na frase atribuída a Marcos Garvey: “O povo que não conhece a sua história, a sua origem e a sua cultura é como uma árvore sem raízes.”

Da redação do Vermelho capixaba